Você é gay?

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“A gente não fez nada demais além de ir...” Luiz diz.

“Ao zoológico com nossos primos, eles são muito...” Laís completa.

“Chatos.” Luiz faz um careta enquanto diz.

“Eu ia dizer fofos.” Ela diz e eu chego a pensar que talvez hoje o mundo acabe porque, pela primeira vez, Laís discordou de Luiz. “Mas pensando bem... Eles são muito chatos.” Ou não.

Quando meu pai me deixa em frente à escola e nosso “ritual” de “te amo-também-te-amo-tenha-um-bom-dia-obrigada-papai-beijo-beijo” termina, começo a pensar que falhei em não esclarecer para Noah a situação em que estou. Penso, também, que Luka vale mais a pena do que ele. E que qualquer argumento que eu use para justificar o contrário não será bom o suficiente.

Vejo Clarissa, Fernando e Mariana em nosso local usual. Balanço minha cabeça para esquerda e direita procurando ter uma visão diferente, procurando ter uma visão de Luka. Ou Noah. Sinto alguém me puxando pra trás.

É o Luka.

“Estamos de bem?” Ele diz. E quero dizer que “nós”, sim, quero dizer que eu não e dizer que Noah não ficará. Mas um “aham” prolongado é o único som frouxo e covarde que emito. Então nossos amigos acenam e logo atrás deles, filmando uma pomba defecar (me pergunto onde ele usará essas filmagens tão, tão artísticas e interessantes), está ele.

Eu e Luka o avistamos ao mesmo tempo. Luka olha para mim, olho de volta para ele e é nesse instante que percebo que ele sabe o que estou pensando. Mesmo desapontada com Luka dou valor ao quanto ele me entende.

“Vai, docinho. Não te pedi pra parar de falar com ele.” Luka sorri.

Noah me vê. Ele é tão alto. Tão forte. Tão bronzeado. Olhos tão lindos, escuros, pequenos. Ele sorri, seus olhos diminuem e, o vendo assim, parece uma criança. Um de seus braços está apoiado na mesa o outro, segurando a câmera. Ele a posiciona de modo que filme meu rosto, ainda com ela em mão. Passo reto por ele, simulando que não vou cumprimentá-lo.

Ele me puxa, agora com um de seus braços livres, o outro ainda na mesa. Sinto seu beijo na minha testa e lembro-me de quando ele me acudiu, no dia em que meu ex namorado terminou comigo, lembro que ele e Luka passaram na minha casa, eu chorava muito, Luka me abraçou e Noah beijou-me na testa, lembro o estalo do beijo, o som que ouvi agora.

Será que ele já era afim de mim? Será que Luka já era afim dele? Ding ding! Mais um pedaço de bolo a caminho. Fico feliz quando provo minha teoria de que nenhuma pergunta tem uma resposta concreta, fico feliz de ganhar um pedaço de bolo.

Luka nos abraça e diz que eu e ele precisamos subir. Sozinhos. Na escada ele me pede desculpas e eu peço de volta. Dessa vez não porque sou fraca, mas porque ele merece. Ele diz que não será fácil recomeçar e procurar outra pessoa pra gostar, mas que ele não pode ficar infeliz pra sempre.

Pergunto há quanto tempo ele gosta de Noah. Quatro meses e pouco, ele responde. Pergunto por que não me contou.

“Porque não faria diferença, docinho. Você, mais do que ninguém, sabe que ele é hétero. O que você poderia fazer, se eu te contasse?”

“Não gostar dele. Foi uma escolha que eu fiz. Eu teria evitado.” Sorrio e o abraço.

Não sei o que foi tudo isso que aconteceu. Não sei se foi um processo de “te-permito-gostar-do-mesmo-menino-que-eu”, não sei se foi um “eu-desisto-e-agora-ele-é-todo-seu”. Não sei.

O clima ficou mais leve entre nós dois. De qualquer forma essa conversa foi um progresso para ambos. Para Luka, porque ele decidiu parar de sofrer por gostar de alguém que nunca será capaz de retribuir seu amor e para mim, porque decidi parar de tentar não gostar de Noah.

Eu pensava que um dos benefícios de ter um melhor amigo gay era que a chance dele gostar do mesmo menino que eu fosse mínima. Eu estava errada, obviamente.

Prometi a Luka que só resolveria as coisas com Noah após achar um possível namorado para ele, portanto fiz uma lista com todos os gatos da escola (somente os que possuíam nota maior de nove em sua tabela imaginária), com a chance, em porcentagem, deles serem gays e suas notas ao lado dos nomes.

O método de eliminação foi muito bem desenvolvido (por mim, é claro).

“Você é gay?” Eu perguntei para todos os meninos da lista, na hora do intervalo.

Em um dia resolvi metade do problema. Agora a parte de Luka deve ser feita, todos da listinha (sobraram quinze) são gays com certeza, o que facilita muito. Um ou dois meninos que disseram “não” continuaram na lista porque, talvez eles não saibam, mas nós sabemos que o que eles gostam é de homem.  

Em suma tudo o que Luka devia fazer é: amizade. Com o de sua preferência. Luka é lindo (até mesmo no mundo gay onde quase todos são gatos e se cuidam) e Noah foi o primeiro a não gostar dele de volta, então sei que “ser correspondido” não será uma tarefa difícil.

Na hora da saída Mariana avisou que o menino que ela estava saindo ia passar na escola para fazer o caminho de volta conosco e depois almoçar na casa dela. Esperamos alguns minutos e ele chegou.

Era o gato de sardas. O gato do absorvente, o gato das camisinhas. Ele me cumprimenta como se não me conhecesse e fico aliviada por não se lembrar de mim, mas durante o caminho Mariana comenta que Arthur (o nome do gato sardento) mora na mesma rua que eu e Luka, fazendo-o me notar e me olhar com atenção pela primeira vez.

Ele ri.

“Lembrei de você!” Arthur (que estranho chamá-lo assim) diz. “Mari, ela derrubou umas coisas na rua e a ajudei.” Ele sorri.

Deixamos Fernando em casa e dessa vez Clarissa não vai estudar biologia com ele, eles brigaram na hora do intervalo e eu não soube porque estava no meio de uma pesquisa muito complexa.

Então deixamos Mari e o gato sard... Arthur em casa, depois Clarissa, que passou noventa por cento do caminho falando sobre o quanto odeia Fernando e o quanto ele é ingrato.

Finalmente chego em casa, Luka me acompanha até a entrada do prédio aonde moro.

“Obrigado por se esforçar tanto.” Ele diz.

“Obrigada por abrir mão de... Noah. Por mim.” O abraço.

“Você não sabe o quanto abrir mão dele, superá-lo, vai ser bom pra mim.” E dizendo isso ele faz com que eu me sinta melhor.

A hora do almoço ocorre como sempre, mas ao invés de falarmos das notícias conto para os meus pais sobre o vídeo de um coelho tomando banho que eu vi, digo que um coelho pode saltar até seis metros e que consegue ver o ambiente atrás dele sem nem mexer o pescoço, também digo que se eu ganhar um coelho nunca mais pedirei ovos de páscoa.

Desde que vi esse vídeo do coelho tomando banho notei o quanto preciso de um. E hoje, durante o almoço, decidi que era a melhor oportunidade para pedir. Digo ”por favor” tantas vezes que sinto como se eu fosse meu próprio eco.

Enfim, eles deixam e me dão dinheiro suficiente para que eu vá até algum pet shop e compre meu animalzinho. Logo que eles vão embora tomo banho e me arrumo para sair em busca do meu futuro coelho.

Enquanto seco meu cabelo escuto, de longe, o toque do meu celular. Lá está ele, embaixo de algumas toalhas. Vejo que é Noah.

“Alô?” Eu digo.

“Tá vestida?” Ele diz.

“Ahn. To.”

“Aparece na sua janela, rapidinho.” Me pergunto se ele escalou até o segundo andar ou se ele escreveu algo no chão (o que seria muito estranho porque nem nos beijamos). Então olho pela janela, a sua procura e o vejo... Segurando sua câmera em uma mão e o celular na outra.

“Obrigada, era só isso. Você é linda.” Ele diz e eu derreto.

“Só isso não! Espera, você vai comigo comprar meu coelho.” Eu falo enquanto pego minha bolsa e corro em direção ao elevador.

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