Not Real

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“Não to apaixonada por ele, Luka! Por que você tá agindo como se isso fosse uma catástrofe?” Digo indignada.

“Por que é!” Ele grita.

Catástrofe é vê-lo reagindo à minha felicidade dessa maneira, sem nem justificar. Tá, eu sei que chamar de “felicidade” o fato de que saí com Noah é uma overdose de exagero, mas ficaria muito insosso dizer “vê-lo reagindo à minha saída com Noah até o cinema dessa maneira”.

Eu poderia enrolar capítulos e capítulos contando o quanto Luka está agindo de maneira errada, visto que sempre fiquei feliz até pelas coisas mais tolas que aconteciam a ele ou tentando entender porque ele não é capaz de ficar feliz por eu ter saído com Noah, mas não farei isso com você, leitor, porque sei (espero) que a curiosidade está pairando no ar.

Fomos ao cinema e vimos Moulin Rouge, como combinado. Não andamos de mãos dadas ou abraçadas e não nos beijamos por que:

 (1) Ele comprou o maior pote de pipoca de lá, aquele tipo de pote tão grande que é até de plástico e não de papelão, como os outros. Então comemos pipoca e bem, eu não queria que pedacinhos de milho ficassem passando junto a minha saliva para a boca dele. 

(2) A pipoca tinha manteiga, o que deixou nossas mãos muito gordurosas e por isso não cogitamos nem encostar um no outro.

(3) Eu não saí com a intenção de beijá-lo. Era um encontro teste para ver como eu me sentia em relação a “Noamille”.
Obs.: Sinto-me muito bem em relação a “Noamille”.

Depois do cinema comemos comida japonesa e dessa vez utilizamos nossas línguas... Para limpar os pedaços de alga e afins que ficavam em nossos dentes. Noah novamente ligou sua câmera quando chegamos ao meu prédio, ele me filmou subindo as escadas, acenando teatralmente e fechando a porta.

E segundos depois minha discussão com Luka começou. Ele estava na porta do meu apartamento, sentado no chão me esperando. Sentei ao seu lado e contei como tudo havia ocorrido, esperando alguma reação solene, mas obtive o contrário.

Luka numerou oito fatos do por que “noamille” nunca daria certo, estrelando frases pessimistas como “três: por que ele não está realmente afim de você” e “seis: você não faz MESMO o tipo dele” e a melhor de todas “ele não te beijou porque percebeu que não quer”.  
E aí você, eu, o mundo pergunta a si mesmo: por que Luka diria isso?

Ding ding, ganharei um pedaço de bolo graças a essa pergunta!
“Você já pode ir embora. Sei lá, vai pra sua casa, pensa bem no que você tá fazendo e...” Eu começo a dizer, mas sou interrompida por ele segurando minha mão.

“Eu gosto dele. E aí? O que a gente faz?” Luka diz.

O que a gente faz? Nada. Ele gosta de mulher, o que a gente pode fazer? Lobotomia, hipnotismo, macumba, pacto com o diabo?

“Cada coisa que você inventa. Nada, a gente não faz nada, né Luka.” Eu digo.

“Então você não vai... fazer nada, né?” Agora ele segura minhas mãos com as suas.

“Não.” Eu digo, o fazendo sorrir.

 Fico espantada com sua capacidade de ficar irritado com a minha felicidade e feliz quando abro mão do menino que estou afim.

“Luka, ele não é gay.” Digo, apertando suas mãos.

Eu queria dizer mais, queria explicar que deixar de beijar, ter filhos ou casar com Noah não mudará o fato de que ele não é gay. Queria dizer que se não eu, outra menina fará. Queria entender porque ele nunca me contou que gostava do Noah. Queria não ter ficado tão chateada e queria saber antes que realmente “Noamille” não daria certo.

Pedi que Luka fosse embora depois de “avisá-lo” que Noah não é gay, expliquei que precisava pensar. Uma vez li que quem comete a injustiça é sempre mais infeliz que o injustiçado. Agora penso quem, nessa situação, está cometendo a injustiça. Penso também em o que dizer a Noah.

Entro em casa e, em segundos, meus pais fazem trilhões de perguntas. Desde que filme assistimos até o porquê de Luka ter levantado tanto sua voz do outro lado da porta. Penso em contar tudo detalhadamente pedindo suas opiniões, porém prefiro resumir dizendo que eu havia decidido que seria legal sair mais vezes com Noah, mas que Luka gostava dele.

Tomo banho, saio do banho, coloco um pijama, entro na cama, vejo meu celular. Dez novas mensagens de Luka, seis novas mensagens de Noah e quatro da minha mãe.

“mamãe: quer dormir comoda e com o patai hoje?”

“mamãe: comoda”

“mamãe: comoda”

“mamãe: merda”

Respondo que não, muito obrigada, que estou bem porque não gosto do Noah e digo que logo Luka esquecerá disso tudo. Falo, também, que os amo.

Esse é o problema de amizades. E de amor, também. Pessoas são inconstantes, tão inconstantes quanto respostas e quanto sentimentos. Talvez ontem Luka não amasse tanto Noah, mas hoje ama, talvez ontem eu amasse Luka e o admirasse, mas hoje já não sei mais. Talvez ontem eu não quisesse Noah, mas hoje sei que quero.

Sim. Talvez agora que Luka quer, agora que se tornou tão mais difícil, talvez agora eu queira mais do que queria antes, mas e daí? Eu quero. E acho injusto, sim. Por que Noah quer também.

Ah, é. O problema de amizades. Lidar com pessoas é difícil. Esse é o problema: lidar com outra pessoa, com suas escolhas e sentimentos. Sempre coloquei Luka em primeiro lugar, mas ás vezes é necessário entender que ser amigo não é ser idiota. Não preciso testemunhar e concordar com uma atitude errada e desnecessária só por que o amo demais.

Demais demais demais demais. Tudo o que eu queria era não perder Luka. E nem Noah.
Então durmo e é incrível. Todos meus problemas e perguntas sem respostas foram resolvidos e respondidos (ou pelo menos esquecidos) em segundos.

Acordei com meu celular tocando. Era Noah. Não atendi por que:

(1) Quem ele pensa que é pra me acordar ás oito horas da manhã em um domingo?
(2) Não sabia o que dizer a ele.

Noto que só são esses dois motivos, mas é o suficiente para ignorar sua ligação. Leio as mensagens de Luka. O número dobrou desde que vi antes de dormir, metade delas explica que sou livre para fazer o que quero e a outra metade se contradiz, contando o quanto ele gosta do Noah e o quanto prefere que eu não continue saindo com ele.

Leio, também, as mensagens de Noah. Uma, em especial, me fez sorrir:

“noab: vc n quer mais sair cmg e resolveu me ignorar pra smp, real or not real?”

“noab: vc vai passar reto por mim amanha na escola, real or not real?”

“noab: nunca mais conseguirei assistir Moulin Rouge sem lembrar do meu encontro fracassado, real or not real?”

Para você, leitor que não sabe: Real or not real é uma analogia a Jogos Vorazes e se você não sabe disso sugiro que leia (agora) a trilogia, mesmo que você baixe em pdf.

“camille: not real”

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