Não Gosto de Fogos de Artifício

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Antes – 2007

O sol escaldante no alto do céu queimava o chão da cidade sem dó nem piedade. Nenhuma pessoa consciente sairia para fazer seus afazeres esse horário.

Velho Sítio na maioria dos meses tinha uma temperatura equilibrada, não era muito quente, nem muito frio. Mas, aquele dia em específico estava diferente. Talvez fosse o dia mais quente da última década. Talvez fosse a natureza regendo os acontecimentos, como já era de seu costume fazer.

Madalena Bicalho acreditava muito nisso, e passava essas suas crenças para sua neta, Gizelly. 

Não estava em nenhum dos seus planos precisar cuidar de sua neta. Pelo contrário, seus planos se resumiam em tomar conta da floricultura e de sua casa até sua morte, mas o universo não tem pretensão nenhuma em preparar as pessoas para o seu destino, ele é surpreendente, ás vezes traiçoeiro, mas sempre é uma surpresa o que tem preparado.

Foi um choque para si quando sua filha mais velha faleceu em um acidente de carro, deixando para os seus cuidados sua neta que havia acabado de fazer sete anos. Mas, não foi uma surpresa para si quando o seu genro fugiu de casa com outra mulher quando Gizelly completou nove. Nunca tinha, de fato, gostado daquele sujeito.

Se cuidar de uma criança é difícil, imagina alguém que havia perdido os dois pais em tão pouco tempo. Madá reconstruiu todas as suas crenças para lidar com a morte da filha e para cuidar bem de Gizelly. E era isso o que fazia, todas as suas escolhas eram voltadas a dar o seu melhor para o crescimento da sua neta tão amada.

Gizelly era um espírito livre com um sorriso contagiante. A menina não era fácil de controlar, e nunca deveria ser controlada, era um verdadeiro furacão de emoções e sentimentos. Com a língua afiada sempre tinha uma resposta pronta, e cheia de coragem para soltá-la sem se importar com as consequências.

Madalena lutava tanto para que sua menina não perdesse essa essência, mas após passarem por tantas situações, sabia que isso era o mais difícil de controlar. Os traumas nos moldam, fazem o que somos. Não supera-los de primeira não é sinônimo de fraqueza, tudo requer tempo, por isso Madalena rezava todos os dias para que o tempo fortalecesse o coração de sua menina.

A Bicalho mais nova chegou correndo na floricultura quase derrubando as flores da entrada.

- Gizelly Bicalho! O que eu disse sobre correr aqui dentro? – Madalena ralhou assim que a menina apareceu em sua frente.

- Foi mal, Vó – Respondeu ofegante, colocou as mãos no balcão para se apoiar enquanto recuperava o folego, a farda do colégio estava toda molhada de suor – 'Tá um calor dos infernos... – Ia continuar, mas viu o olhar feio da avó ao falar essa palavra – Desculpa... desculpa... Já sei, já sei. Nossas palavras tem poder.

A mais velha acabou rindo da atitude da outra, sua personalidade era única, ninguém poderia questionar isso, nem em um milhão de anos.

- 'Tô indo tomar um banho de rio com a Rafinha, vou encontra-la perto da cachoeira – Avisou atravessando o balcão, entrando nas dependências da floricultura onde ficava o depósito. Pegou a garrafa de água que a avó tinha separado e encheu um copo.

- Ai Gizelly... Você sabe que eu adoro Rafaella, mas os Kalimann's não são flores que se cheirem não.

- Essa comparação é bastante engraçada, já que a senhora vende e cuida de flores e compara pessoas com elas – Riu debochada recebendo um resmungo de Madá – Não se preocupe, eu sei que eles não são as melhores pessoas, mas Rafinha é diferente, você sabe.

Havia de concordar, a menina mais nova tinha um coração muito lindo, todos que a conheciam tinham isso em mente. Ela era maravilhosa com seu jeito doce e leve de ser.

The One That Got Away - GIRAFAOnde histórias criam vida. Descubra agora