6. Por que não sente saudades?

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"Eu não vou porque eu não quero e pronto! Se tenho outros motivos e não estou te falando, acho que o problema é meu!".

A voz de Hayley ainda reverberava forte quase como um grito nas minhas lembranças, e minha cabeça estava estourando de dor. Era a primeira vez que aquilo tinha acontecido e eu não conseguia enxergar o motivo para que tenha sido desse jeito. E a cefaleia só provava que, realmente, nada é tão ruim que não pudesse piorar.

Eu ainda estava extremamente insatisfeita por ter que estar naquele avião indo para Los Angeles muito antes do previsto, mesmo que fosse por apenas alguns dias. Eu estava inconformada que no meio de tanta tecnologia ainda se fazia necessário o meu corpo físico, e não apenas virtual, para assinar apenas alguns pedaços de papéis. Era só um contrato de aluguel e outras coisas relacionadas, não poderia ser assim tão complicado. Porém, aparentemente, isso era uma imensa dificuldade.

Desde o telefonema de Tegan para falar sobre o problema do apartamento, até eu estar ali sentada naquele avião esperando decolar, tinham se passado dez dias nos quais eu tentei de todos os jeitos resolver (em vão) aquilo de outra maneira. Até coisas como fax eu pensei em usar para enviar uma cópia assinada da papelada (e fiquei surpresa por descobrir o quanto ainda usado na Europa, fazendo jus ao nome "velho continente"). Mas, para a imobiliária, ainda era um documento que eles não podiam confirmar a autenticidade. E só para completar a minha infelicidade momentânea paguei um valor bastante elevado pela passagem, por ter comprado em cima da hora. Pelo menos era um bilhete de ida e volta.

Eu iria passar 5 dias L.A, e tinha certeza que passariam bem rápido, apesar de toda a minha ansiedade por estar de novo dentro do avião. Era extremamente estranho ainda pensar no quanto a minha vida tinha tomado outros rumos em um intervalo de tempo tão curto. O que era para ser uma viagem profissional para mudar um pouco os ares e superar um relacionamento, tornou-se uma passagem de volta que eu vivia postergando a data de uso e uma corrida de peito aberto para algo com outra pessoa - que, apesar de não usarmos as palavras "namoro" ou "relacionamento", estava definitivamente acontecendo e parecia se tornar mais sério e profundo a cada dia que passávamos juntas.

A viagem tinha trazido uma face de Hayley que eu ainda não tinha conhecido por mera falta de oportunidade: a insegurança. Era uma dualidade pensar que a mesma mulher que eu via cantando e dançando em cima do palco com tamanha desenvoltura, que fazia amizades até mesmo na fila do supermercado, poderia ter tantas dúvidas a respeito de todo o resto. Em parte, eu achava completamente compreensível, afinal, assim como eu, ela parecia estar envolvida no que quer que tínhamos (e que apesar de ótimo, ainda era muito recente). E agora, de um dia para o outro, eu estava indo para outro continente passar quatro dias com a minha ex, com quem namorei durante anos e ainda mantinha bons laços. Eu não podia exatamente julgar, mas também não podia dizer que não estava afetada com aquilo.

Desde o dia que fomos à Náplavka, notei algumas pequenas mudanças no comportamento de Hayley. Quando eu estava mexendo no celular, especialmente quando o aparelho tocava com notificação de mensagem, eu percebia que Hayley esticava os olhos por cima de mim, tentando espiar. Eu apenas me mexia para sair do campo de visão e fingia não ver, aquilo não era algo que ela fazia antes e isso não me agradava. Ela também parecia ter tido um súbito interesse por Tegan e nosso antigo relacionamento, sobre como as coisas eram e como ficaram, numa tentativa não muito discreta de descobrir detalhes e principalmente quais problemas nos levaram ao fim. Eu respondia sem problemas, não tinha o que esconder e não havia nenhum grande revés a ser relatado, e apesar da insistência da parte dela algumas vezes, estava tudo bem em relação a este assunto.

Parte daquela curiosidade também era justificada pelo fato que eu tinha voltado a trocar mensagens com Tegan, com uma frequência que aumentava a cada dia. No começo, apenas para tratar das tentativas burocráticas de resolver tudo à distância, mas aos poucos passamos a conversar sobre coisas do dia a dia, piadas internas que eram resgatadas, comentários sobre amigos em comum e reclamações sobre situações que só poderiam acontecer em Los Angeles. Nós nunca desejamos deixar de ser amigas apesar do nosso passado, e aquilo era mais claro a cada momento. Só era preciso mais algum tempo para trocarmos a imagem que construímos uma da outra, substituindo por uma versão atualizada em que cada uma seguiu a vida por estradas diferentes. Parecíamos estar chegando a esse novo lugar.

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⏰ Última atualização: Dec 13, 2020 ⏰

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