treize

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A atmosfera do quarto, embora serena, tornava-se quase em um hibernáculo, o ar quente envolvendo o dormitório tal como se Eddie e Boris estivessem presos numa embalagem fechada a vácuo. Os olhos de Kaspbrak abriram-se lentamente, havia um farfalhar baixinho enchendo seus ouvidos. Ele quis esconder o rosto com o travesseiro e voltar a dormir por pelo menos mais algumas cinco horas, mas ao invés disso, soltou um grunhido sôfrego e respirou profundamente. Quando finalmente seus olhos decidiram focar, focaram-se em Pavlikovsky sentado na beirada da cama, murmurando uma música sem ritmo; as pernas cruzadas em pernas de índio, uma caneta presa entre os lábios, um baseado apoiado atrás da orelha e nas mãos havia um papel já todo rabiscado. O cabelo cacheado de Boris balançava conforme seu corpo se movia, dando a nítida impressão de que os cachos estavam sendo embalados como recém nascidos. As bochechas coradas num vermelho febril pelo calor que se fazia no quarto. Eddie, por sua vez, pressionou os olhos e inclinou seu corpo, o apoiando nos cotovelos.

— Que é que você está fazendo? — A voz soou presa numa rouquidão matinal e ele sentiu a garganta arder de tão seca. — Quanto tempo faz que você tá acordado?

— Não, eu não dormi — respondeu, a voz soou desajeitada quando ele movimentou a caneta para o canto da boca. — Não depois que você teve o pesadelo.

Eddie franziu as sobrancelhas e passou uma mão pelo rosto.

— Foi mal, eu não queria incomodar você — respondeu, receoso.

— Eds — descansou finalmente a caneta entre os dedos. — Eu não me importo, de qualquer forma não gosto de dormir. O sono é primo da morte e dormir é perda de tempo. Se você dormir oito horas por dia, durante trezentos e sessenta e cinco dias, você acaba dormindo por duas mil novecentos e vinte horas. É muita perda tempo.

Kaspbrak tombou a cabeça para trás, não estava no clima para desvendar os enigmas de Boris quando se era tão cedo. Pelo mormaço e pela cor do dia que aparecia pela fresta da porta da sacada, não parecia ser mais que nove da manhã.

— Você já tá chapado e a gente nem almoçou — ralhou. — Que é que você tá fazendo? Que papel é esse daí?

— Isso? — Boris mostrou o mapa que ele havia despregado da parede. — É o nosso guia turístico, claro. Como eu gastei meu tempo com utilidade ao invés de dormir, decidi procurar por alguns cantos legais daqui, os que não precisam pagar, porque não temos nem um centavo. Então tô marcando no mapa.

— Sei — respondeu displicente. — E eu posso saber onde é que vamos primeiro?

Boris pôs-se de pé num instante, as pernas longas e finas quase bambearam pela velocidade que se levantou. Usava uma bermuda larga e uma camiseta maior ainda, tudo isso dava a Eddie uma impressão de que Pavlikovsky era dez vezes maior do que ele realmente era.

— Você vai saber quando chegarmos lá — levantou as sobrancelhas e sorriu malicioso. — Agora se levanta, você precisa tomar um banho e sair dessa poça de suor. Vem.

De fato havia sido um dia e tanto, Eddie perdera a conta dos lugares que visitou na companhia de Pavlikovsky. Eles visitaram todas as floriculturas da região, tentaram entrar escondidos num museu de arte decrépito numa esquina qualquer, mas foram pegos por um velho muito gordo que os barraram antes de cruzarem o hall de entrada. Vasculharam livros de umas três bibliotecas públicas, Boris havia escolhido mais de cinco livros e ele fora tão simpático com a velha bibliotecária que tinha óculos escorregando pela ponta do nariz de gancho, que ela o deixou levar os livros e aumentou o prazo de entrega. Bom, obviamente ela nunca mais veria aqueles livros na vida dela. Também fingiram estar em lua de mel num restaurante chique no fim da tarde e ganharam uma refeição, champanhe e sobremesa de graça do gerente que contou uma história comovente e bem longa sobre como ele e o atual marido também passaram a lua de mel nessa mesma cidade.

O Amor é uma Vadia | Boris PavlikovskyOnde histórias criam vida. Descubra agora