douze

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O céu de fim de tarde continha um nuance de azul celeste, amarelo pastel e rosa claro. As cores misturavam-se em perfeita harmonia, e as rodas do carro velho que Boris pegara escondido de seu pai movimentavam-se tão rapidamente e fazia com que o automóvel corresse deslizante pela estrada quente por causa do mormaço que pairava pelas ruas e as deixavam com a sensação térmica de estarem presas em um hibernáculo. A paisagem vista pela janela aberta era turva, as árvores davam a impressão que corriam mais rápido que o próprio carro, a lua minguante e pálida, já aparente no céu, os seguia com a intenção semelhante de quem queria carona.

Dentro do carro a situação não era diferente, a sensação também se fazia turva. Boris por sua vez tinha seus olhos focados na estrada, mas vez ou outra fazia com que o seu olhar, que expunha uma imensidão castanha em tom de chocolate, apenas deslizasse e dançasse pelos detalhes internos do lata velha até que chegassem no menino sentado no banco do passageiro. Eddie tinha um olhar vago fixado na paisagem, suas mãos pequenas agarravam um livro que era pressionado contra seu peito. Engolia em seco a cada segundo, seu coração batia forte, mas não era descompassado. Sentia-se acima de tudo calmo. Parecia que na medida em que afastava-se da cidade, também afastava o medo, o desespero, a vontade de chorar e abria passagem para uma sensação quase que nostálgica se não fosse pelo sentimento de adrenalina percorrendo sua espinha.

— Ei, Boris, nós vamos passar a noite no carro? — Perguntou quando desviou sua atenção da janela e parou seu olhar sobre o garoto cacheado que soltou uma risada fraca e quase que inaudível.

— Não vamos precisar — e com a mão que antes trocava a marcha, fuçou em um dos bolsos e mostrou uma nota de cem dólares. Certificou de que Kaspbrak havia visto e novamente a guardou, voltando a atenção para a estrada.

— Onde conseguiu isso? — Eddie arqueou as sobrancelhas.

— Eu peguei no casaco do Sinclair, por que?

E em um ato impulsivo, Eddie virou seu corpo imediatamente para Boris e o olhou com o cenho franzido e uma careta incrédula: os lábios entreabertos, as bochechas levemente contraídas e as narinas pouco abertas. Ele se recusava a acreditar no que havia acabado de ouvir.

— Você roubou de novo? — Disse em tom incrédulo. — Boris, qual é, você tá ficando maluco?

O cacheado riu e escorou um dos braços na janela aberta, deixando seu cotovelo para fora e tombou levemente a cabeça para o lado. Umedeceu os lábios e continuou prestando atenção na estrada que parecia infinita, mesmo que seus pensamentos estivessem longe o suficiente das ruas e dos radares.

— É o mesmo dinheiro daquele dia — referiu-se a festa de Henry Bowers. — Não consegui usar depois que você foi falar comigo.

E de fato, não tinha conseguido. Parecia uma grande bobeira, mas sentia como se o que eles tinham estava preso numa nota de cem. Sentia que se gastasse ou desse fim no dinheiro, o fim também chegaria para os dois. Era como se Kaspbrak tivesse selado tudo numa nota suja e rasgada nas pontas.

Então, Eddie revirou os olhos e soltou um sorriso que contradizia ele mesmo. Balançou a cabeça e voltou sua atenção para a paisagem agitada lá fora. Vez ou outra podia sentir seu estômago gelar e seu corpo quase desfalecer em uma sensação perturbadora e caótica. Aquilo era como se a qualquer momento Boris fosse perder o controle e fazer com que o carro chocasse contra uma árvore ao voar para fora da faixa. Sentia como se a batida fosse ser tão forte que a quilômetros de distância poderiam ouvir seus gritos de agonia e súplica. Mas fechava os olhos, os pressionava e pedia mentalmente para que simplesmente deixasse de sentir isso. As vezes funcionava, mas não demorava muito para que tudo voltasse do início e acontecesse novamente.

O Amor é uma Vadia | Boris PavlikovskyOnde histórias criam vida. Descubra agora