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O verão na Califórnia costumava ser estridente. O sol não era empático o suficiente para se tocar que doía, então não se importava e continuava fazendo o seu trabalho. Na calçada de sua casa, Eddie encontrava-se sentado ali; bermuda verde água cujo a cor remetia a um sorvete e conseguia contrastar perfeitamente com sua pele bronzeada. Usava também uma camiseta branca e larga e um all star amarelo que ia até seu tornozelo, e ali também era enrolado o cadarço do tênis velho e sujo. Kaspbrak assistia a cidade preguiçosa descansar, e deixar as crianças brincarem pelas ruas e alguns adolescentes malucos descerem rapidamente a avenida com suas bicicletas quase tão velozes quanto a Silver de Billy Denbrough.

Os olhos do garoto baixinho eram fixos num nada, sua visão já era desfocada e sua mente fazia algumas viagens malucas em diversos temas diferentes. O efeito estufa do verão fazia com que os cachos castanhos, quase dourados pelo reflexo do sol, tivessem um aspecto mais seco que o normal. Só que isso não era um problema para ele. Duas semanas haviam se passado desde seu quase beijo, e ainda tinha frio na barriga toda vez que lembrava daquilo. Só não tinha certeza se era algo referente ao russo, ou se era apenas uma grande vergonha que o envolvia por ter feito um grande papel de bobo. Mas obviamente Boris não era nem de longe o seu maior problema. Era apenas um empecilho, talvez como todo o resto.

— Eddie, o que está fazendo aí fora? Vamos, me ajude a levar essas compras para dentro.

Ele suspirou ao ver sua mãe estacionar o lata velha e sair dele com a sutileza de um soldado de guerra. Ela carregava a mesma carranca e o olhar desconfiado de sempre. Eddie levantou-se enquanto assistia Sônia tirar inúmeras sacolas do banco de trás do carro. E quando ela terminou, entregou todas elas para Kaspbrak, ficando com apenas uma carteira e as chaves do carro, cujo sempre as escondia de Eddie, e nem mesmo ele sabia o motivo.

— O que deu em você? Os seus remédios ainda estão aqui — ela reclamou enquanto checava alguns frascos na cozinha. — Você não tomou eles hoje, Eddie?

O garoto continuou em silêncio. Deixou as sacolas sobre a mesa e começou a arrumar as compras dentro dos armários, da geladeira ou em qualquer lugar que pudesse rumar sem ter que encarar sua mãe.

— Você sabe que precisa desses remédios, não pode ficar sem eles.

— E por que não? — Debateu. — Eles são só placebos.

— Placebos? — Ela o encarou numa tamanha indignação. Eddie respirou fundo e balançou os ombros.

— É, placebos — repetiu. — Eles são porra nenhuma.

Revirou os olhos e passou os dedos entre seus fios castanhos jogando-os para trás, depois de arrumar tudo na cozinha. Cruzou os braços e pela primeira vez naquele dia tomou coragem para encarar a mulher grande que o olhava incrédula. Ele sabia que Sônia queria gritar, afinal é só o que ela pode fazer quando é contrariada. Coisa que não acontecia com frequência já que Eddie preferia ficar em silêncio e ignorar certas situações desagradáveis as quais era submetido. Porém, ultimamente sua paciência era nada e sua vontade de dar o dedo do meio para o mundo era bem grande.

— Acha isso legal, não acha? — Fechou ainda mais sua cara, se é que isso é possível. — Acha que agir assim vai fazer com que eu mude alguma coisa? Bom, não vai. Nós temos regras em casa, Eddie.

— Quais são as regras? — Gesticulou. — Por que eu não posso ser como as outras crianças? Por que eu preciso ficar trancado e tomar centenas de remédios que servem pra nada?

Eddie não falaria para sua mãe que saía escondido, mesmo ela já sabendo disso. Mas é que para Kaspbrak, sua casa era de certa forma caótica. Sentia-se com medo toda vez que passava pela porta de entrada, porque sabia que teria que encontrar sua mãe mais uma vez e explicar para ela tudo o que tinha feito durante o dia. Na maioria das vezes mentia, mas isso não fazia diferença alguma. Não sentia como se ela fosse sua mãe, suas preocupações não eram saudáveis, era tudo um exagero. Talvez ela só tivesse medo de ser abandonada de novo, ou talvez ela não quisesse que Eddie sofresse. Mas em qualquer das hipóteses, ela estava fazendo tudo de forma errada.

— O mundo lá fora é ruim. Não se pode confiar em ninguém, não vê? Até aqueles que diziam que eram seus amigos não estão mais aqui — ela deu um passo à frente. — Estão? Você não tem mais ninguém, Eddie. Soube que anda com um garoto novo na cidade, mas ele é só um menino problemático e também não vai estar com você por muito tempo. Sabe que só falo isso para o seu bem, não sabe?

O dia lá fora começara a escurecer e consequentemente as luzes fracas da casa dos Kapsbrak foram tomando um aspecto medíocre, como se estivessem prestes a queimar, não conseguiam iluminar muita coisa, mas quebravam o galho. O efeito estufa continuara e isso cooperava para que a respiração ofegante de Eddie ficasse ainda mais evidente. Seu peito subia e descia num ritmo frenético. Sentia um nó preso em sua garganta, odiava sua mente dizendo-lhe que sua mãe não estava errada e que tudo uma hora ou outra iria por água abaixo novamente. Odiava as sensações mistas e o jeito como ela o olhava esbanjando uma superioridade inexistente. Seu olhar era assustador e seu sorriso enigmático conseguia ser pior ainda.

— Não me leve a mal — ela pediu. — Sabe que só estou querendo proteger você, certo?

— Você passou esses anos todos dizendo que queria me proteger do mundo lá fora, e tudo o que eu realmente precisava era ser protegido da senhora — sua voz soou firme, por mais que estivesse nervoso.

Sônia grunhiu e agarrou a mão do pequeno Eddie, pressionou-as com força, quase as esmagando. Sacudiu uma vez e elevou-as até os ombros dele. Recuperou sua respiração e sorriu.

— Tentar mudar as coisas não vai funcionar, você nasceu doente, Eddie. Eu só quero cuidar de você. Sou a única que você pode confiar, sou a única que vai amar você para sempre, meu pequeno Eddie — ela dizia tudo com um sorriso estampado em seu rosto. — Ninguém vai fazer isso por você... a não ser eu.

Kaspbrak sentia seus olhos arderem. Comprimiu os lábios e levantou seu olhar para que nenhuma lágrima teimosa escorresse dali. Sônia semicerrou os olhos e riu fraco.

— Não vamos ter essa conversa de novo — depositou dois tapinhas fracos no rosto de seu filho e beijou sua testa.

A mulher afastou-se, tirou um cigarro de dentro do bolso, e um isqueiro do outro. Acendeu a droga e levou-a até entre seus lábios finos. Tragou e soltou a fumaça para o lado oposto ao que Eddie se encontrava. Olhou-o com desdém e disse:

— Vá para o seu quarto, isso não é bom para a sua asma.

E dito isso, Eddie olhou-a uma última vez e saiu correndo para o seu quarto no final do corredor. Bateu a porta com toda a força que tinha e jogou-se na cama. Passou sua mãos com certa brutalidade por seu rosto. Queria gritar, mas não podia, então apenas pressionou os olhos e apertou o lençol entre seus dedos com força. Não conseguia aceitar o fato de morar com uma completa pirada. Eddie desejava que seu pai nunca tivesse ido embora. Mas talvez ele tivesse que ter ido mesmo, afinal, como ele poderia aguentar uma mulher dessas? Ele não merecia passar por isso e talvez nem Eddie merecesse. Apenas carregava o carma de outra pessoa, simplesmente não havia outra explicação.

Então, sentou-se rapidamente na cama e sentiu sua cabeça rodar por alguns milésimos. Desviou o olhar para a sua mochila aberta no canto do quarto e nela havia um papel colorido e amassado. Não era dele, obviamente. Eddie era sempre cuidadoso com suas coisas, claro que não amassaria papéis e jogaria por aí. Suspirou e foi até a mochila preta, cheia com bottoms de bandas e filmes clássicos. Pegou o papel e desamassou.

Não era nada além de um folheto anunciando a grande festa de Halloween que seria organizada por um dos alunos do terceiro ano. A única coisa que chamou sua atenção fora a caligrafia torta no final do panfleto. Algo escrito por uma caneta preta cujo tinha a ponta grossa demais;

"É Halloween, e todo mundo faz uma cena. Vamos fazer a nossa."

Sorriu fraco ao terminar de ler, mas logo sentiu seu corpo contrair e seus olhos arderem mais uma vez naquela noite. Era um ótimo convite que Boris havia feito, apenas não era criativo. Porque por mais que ele não imaginasse, não foi outubro que trouxe o Halloween. Afinal, o dia das bruxas havia chego á mente de Kaspbrak muito antes.

🌊
ok, eu tentei reescrever inúmeras vezes esse capítulo e não fiquei satisfeita com nenhum dos resultados, porém precisava mostrar também como é a relação do Eds com a mãe dele. independente, o capítulo não é o que ninguém esperava, mas esse bloqueio criativo tá me matando. eu prometo tentar recompensar no especial de halloween. e peço desculpas pela demora, geralmente isso não acontece, mas né.

O Amor é uma Vadia | Boris PavlikovskyOnde histórias criam vida. Descubra agora