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No peitoril da janela repousava a silhueta esguia de Pavlikovsky. O cacheado observava a rua, via algumas crianças correndo de uma forma desengonçada em alguma brincadeira sem graça, via os carros passando rapidamente por ali e também via alguns casais andando de mãos dadas, no final do passeio selavam um beijo calmo e Boris só sabia fazer uma careta e desviar o olhar. Seu corpo pálido era suado, e quente. O calor era excessivo, e o quarto do moreno assemelhava-se a uma estufa. Seus cachos escuros eram quase grudados em seu rosto. Vez ou outra, bebericava o resto de café morno que havia sobrado em sua caneca. Toda vez que a cafeína quase fria tocava seus lábios, deixava um gosto amargo em sua boca, cujo rapidamente era limpa pelo dorso de sua mão quase cadavérica que passava por ali e levava consigo qualquer resquício da bebida que antes o sujava.

O sol medroso escondia-se atrás de grandes montanhas, mas o calor continuava. Nada conseguia amenizar a temperatura, Boris já havia se livrado de sua camiseta há um tempo, usava apenas uma bermuda larga demais para seu corpo magro, só que ainda sentia seu corpo ferver. Sentia-se abafado, preso numa estufa. Também ignorava a bagunça de seu quarto. Sua cama era um emaranhado de roupas, papéis, uma toalha úmida, pacotes abertos de salgadinhos provavelmente vencidos. Tudo era uma bagunça, mas Boris também era, então não dava a mínima. Sua respiração era quase ofegante, sua mente fazia das piores até as melhores viagens. Tudo era confuso, mas será que algum dia havia sido diferente?

— Boris — a voz embargada de seu pai chamou-o. — Boris o que você tá fazendo?

O mais velho abriu a porta do quarto e entrou. Ele tinha uma carranca, camisa desbotada e rasgada. Usava calças sujas nas barras e um tênis manchado com algo que ninguém nunca soubera adivinhar, e talvez tivessem até medo de tentar. Boris virou-se vagarosamente para o homem que olhava todo seu quarto com uma grandíssima expressão de nojo e desgosto.

— Chegou do serviço ou do bar? — Pavlikovsky simplesmente perguntou.

— Dos dois, mas eu esperava não te encontrar aqui — aproximou-se. — Você nunca mais parou em casa.

— É, tenho andado ocupado.

— Com um garoto — completou. — Alvin, o vizinho, disse que faz uma semana que vê você saindo com um garoto. É verdade?

— O Alvin precisa aprender a cuidar da vida dele e dos filhos drogados que ele tem — revirou os olhos e desceu do peitoril da janela, quase derrubou a caneca, e agradeceu mentalmente por não ter acontecido. — Mas, é. Eddie é um amigo da escola.

O mais velho soltou uma risada forçada e respirou fundo. Observou seu filho de cima a baixo e deu um passo, ficando ainda mais próximo de Boris.

— Amigo da escola — repetiu num tom sarcástico. — Você sabe, Boris, não vamos fazer isso de novo. Eu perdoei você uma vez, não vai existir uma segunda, entendeu?

Sua mão áspera tocou as bochechas do cacheado, apertando-as com certa força.

— Você entendeu?

O moreno apenas encolheu os ombros, mas continuou encarando seu pai, com raiva. Seus punhos ao lado de seu corpo fecharam-se, fazendo pressão. Talvez seus olhos tenham ardido em algum momento, mas não importava. Se nunca havia importado antes, por que agora?

— Diz que entendeu — apertou com mais força. — Vamos, Boris!

O silêncio continuou, e então o primeiro empurrão fora proferido. O corpo quente do cacheado chocou-se contra a parede atrás de si. Pavlikovsky contraiu-se e soltou a respiração que mal tinha percebido que estava prendendo.

— Eu entendi - sussurrou.

— Sua mãe teria nojo se soubesse de tudo, você tem sorte que ela foi embora.

E com isso, ele saiu rapidamente do quarto. Não fez questão de bater a porta, apenas sumiu do campo de visão de Boris. O moreno passou seus dedos entre seus fios encaracolados, jogando-os para trás. Suspirou pesarosamente e andou até o canto de seu quarto, agarrou o telefone e girou a roleta, escolhendo os números. E depois de alguns segundos a chamada fora atendida.

— É o Boris?

— Eddie, oi, você tá ocupado? — falou baixinho. — Preciso sair um pouco.

— Podemos nos encontrar na rua atrás da escola, aconteceu alguma coisa?

— Nada. É só tédio — mentiu e engoliu em seco.

— Tudo bem, então.

E a chamadas fora finalizada. Boris respirou profundamente e colocou o telefone novamente no gancho. Escolheu uma camiseta amarrotada, e tênis que não precisavam de cadarços. Andou vagarosamente até um espelho sujo e meio embaçado que ficava num outro canto de seu quarto, posicionado perto de uma pilha de livros grossos e surrados no assoalho. Esfregou seus olhos com o dorso de sua mão, e observou seu reflexo. Em sua opinião, havia tanta coisa errada sobre si mesmo. A escoriação amarela e roxeada sobre seu olho ainda não havia sumido inteiramente, o corte em cima de seu lábio inferior havia cicatrizado, o que era bom, mas suas bochechas ainda eram marcadas. Talvez porque Boris não tinha parado de arrumar encrenca em todo lugar que frequentava. As vezes parava e pensava que cada ato odioso que cometia com outro alguém, era apenas reflexo do que tinha vontade de fazer consigo mesmo na maioria das vezes.

Mas não demorou muito para que se frustrasse o suficiente para não querer mais ficar preso em sua própria atmosfera desarmoniosa, então saíra de sua casa e andara até o lugar onde havia combinado com Eddie. Assim que chegou, seu olhar, num ritmo automático, deslizou-se até o baixinho. Kaspbrak estava sentado em um dos balanços, e observava a paisagem vazia dali. Tudo que podia enxergar era um céu que tomava uma cor alaranjada, quase rosa e misturado com um tom de amarelo pastel. Pavlikovsky, então, andou até os balanços e sentou-se em um, ao lado de Eddie. Acomodou-se de forma que seu corpo esguio coubesse no pequeno balanço infantil de correntes que rangiam alto e agudo.

— Chegou bem na hora do espetáculo — Eddie segurou fortemente nas correntes do balanço, e sorriu fraco sem desviar seu olhar que era envolto pelo pôr do sol.

— Aparentemente é a segunda coisa mais bonita que o universo pode oferecer — completou.

— É — Kaspbrak virou-se rapidamente para Boris e sorriu fracamente. — Com certeza é a segunda coisa mais bonita.

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ta, não sei se isso pode ser considerado um capítulo, mas é que eu precisava mostrar pra vocês um pouquinho da realidade do boris, certo? enfim, mesmo assim, próximo capítulo voltaremos com a programação normal, mas espero que vocês gostem.

O Amor é uma Vadia | Boris PavlikovskyOnde histórias criam vida. Descubra agora