intrusa

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Antes de chegar, ela sutilmente se faz presente, que nem brisa, inocente, invisível, inodora, quase que imperceptível, como um assopro gelado na nuca. É preciso que seja assim, é essencial pra sua inconveniência que eu não à flagre à tempo de impedi-la. Então escuto sua chegada, seus passos ocos e sem fé. É geralmente aí que a ouço chegar, é um Toc... Toc... na porta da frente, delicada como se suas intenções não fossem as piores. O bater não significa, no entanto, decoro, pois ela já é de casa, apesar de melancólica ela já se faz familiar. Algumas das vezes eu expurgo de mim todas as forças necessárias pra segurar a porta, mas outras, já exaurida, apenas sento em minha cadeira, olho-a entrar e digo suplicando misericórdia sem fé:

-Pode entrar, mas tenta não destruir a casa dessa vez...

Um pedido feito em vão, com o resto de esperança (pouca) que ela me deixou antes de quase me destruir da última vez, pois assim que ela entra e romanticamente me leva pra cama pra me deixar ali pelos próximos dias, ou semanas, ou meses, já não meço mais bem o tempo desde que ela apareceu; a esperança vai se perdendo ali. E sua lírica melancólica vai tirando tudo de mim, meus sorrisos, minha vontade, minha perspectiva, meus amigos, meus amores, e eu vou sumindo assim, um dia de cada vez.

-M. 

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