Capítulo I

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Tisha Caldwell estava furiosa, movimentando-se de um lado para o outro diante do seu pai, e com muita coragem perguntou-lhe:
— O quê? Você deu ao Kevin Jamieson a permissão de se casar comigo? O que é que você quer dizer com isto?
— Eu lhe dei a permissão de pedir você em casamento! — A resposta dele foi dita de maneira bastante agressiva.
— Com todo o seu apoio e com toda a sua ajuda! — concluiu ela, sem sequer tentar disfarçar a ironia e o sarcasmo que lhe causavam um gosto amargo na garganta.
Olharam-se. Eram personalidades fortes, cada qual tentando fazer a outra retroceder. Richard Caldwell — pai de Tisha — era um homem alto e bonito, com um físico musculoso desde os tempos em que frequentava a universidade. Os anos apenas tinham conseguido acrescentar certa maturidade aos traços regulares e bonitos do seu rosto, além de tingir de cinza os seus cabelos escuros.
Tisha tinha um rosto oval, atraente, mas não chegava a chamar a atenção em situações normais; entretanto, quando o riso ou a raiva — como agora — iluminava as suas feições, ela se tornava extraordinariamente bonita.
— Exatamente. Kevin tem todo o meu apoio e a minha aprovação também — redarguiu Richard Caldwell de maneira cortante; seu próprio temperamento estava começando a se manifestar, ao mesmo tempo em que crescia o que ele chamava de insolência, por parte de sua filha. — Ele é um rapaz respeitador e digno da minha consideração, o que é bem melhor do que se pode dizer sobre essas outras "coisas" com as quais você costuma sair por aí!
— Você tem toda a razão; ele é completamente diferente de todos os rapazes que saem comigo! — concordou Tisha. — Quando ele me traz para casa e me dá um beijo de despedida, eu sempre tenho a impressão de que vai correndo para casa tomar banho, de tanto medo de estar contaminado.
— Eu garanto que ele é um homem normal, saudável e que simplesmente sabe manter todas as suas emoções sob controle. Pelo menos, quando você sai com ele, não volta para casa toda desarrumada como se tivesse sido atacada por um tarado sexual — respondeu Richard, apontando-lhe o dedo, irritado.
— Você me deixa tão irritada que tenho vontade de sair gritando por aí — murmurou ela, fazendo o possível para se controlar. — Eu, até hoje, só saí com dois ou três rapazes que tentaram passar dos limites. Nenhum dos meus amigos tem o costume de "atacar-me feito um tarado", como você diz.
— Ainda bem que eles não têm esse costume! — retrucou ele, seus olhos castanhos brilhando de raiva enquanto fitava os olhos enfurecidos de sua filha. — E eu sei muito bem por que eles não têm esse costume. É que, antes de saírem desta casa, eu sempre faço questão de deixar bem claro que terão de acertar as contas, comigo, caso cheguem a encostar um único dedo em você!
— Papai no mês que vem eu vou completar vinte anos — disse Tisha, num suspiro exasperado. — Quando é que você vai deixar de tratar-me como se fosse uma criança? Eu já sou suficientemente adulta para decidir se quero ou não me casar e também posso resolver com quem vou me casar, sem precisar de qualquer conselho seu. Sou perfeitamente capaz de decidir com quem saio e, caso for necessário, sei muito bem como fazer para me defender!
— Mulher alguma é capaz de se defender contra a força superior de um homem — declarou ele, com um tom de voz de quem tem experiência própria. — É exatamente por este motivo que a função do pai e, posteriormente, do marido, é a de dar proteção à mulher.
— Céus! Você fala como se fosse um representante da Idade Média! Talvez ainda não esteja sabendo disto, mas atitudes chauvinistas como essas saíram de moda mais ou menos na mesma época em que os soldados deixaram de usar arcos e flechas nas guerras — resmungou ela.
— Pois então está na hora de estas atitudes fazerem uma reentrada nostálgica em nossos costumes — retrucou Richard, que estava prestes a se expandir mais sobre o assunto, quando a campainha da porta soou.
— Eu suponho que você deve ter convidado Kevin para vir até aqui, esta tarde — disse ela, acusando-o. — Eu só espero que ele não tenha desperdiçado o seu dinheiro, comprando um anel para mim, apesar de que eu teria a máxima satisfação em poder jogá-lo em seu rosto.
— Eu acho bom você se comportar direito, menina! — respondeu Richard, enfurecido, mas Tisha já tinha saído para atender à porta.
Com um gesto irreverente, ela jogou seus longos cabelos para trás e abriu a porta, pronta para agredir verbalmente o homem que esperava ver na pequena varanda de entrada. A mulher que estava ali a encarou com um olhar inquisitivo, diante da agressividade de Tisha. A visitante não conseguiu esconder um leve sorriso e falou:
— Algo me diz que eu deveria ir embora agora e voltar numa ocasião mais propícia.
Tisha afastou-se da porta, permitindo que a mulher de meia-idade entrasse na casa, e não esperou que a visitante acabasse de transpor a soleira para voltar à sala.
— É só a Blanche — disse, respondendo ao olhar curioso de seu pai, não sabendo se estava ou não satisfeita pelo fato de não ter sido Kevin quem apertara a campainha.
Contendo-se, para não deixar transparecer a irritação do diálogo interrompido, Richard dirigiu-se à filha:
— Eu já disse mil vezes para você tratar sua tia como uma tia, e não como uma conhecida qualquer. Você precisa aprender a respeitar os mais velhos.
— Se ela começar a me chamar de tia Blanche, eu dou uma surra nos dois! — A frase foi dita num tom sério, mas havia uma expressão irônica no rosto de Blanche Caldwell, quando entrou na sala.
Blanche trajava-se esportivamente, demonstrando exatamente o oposto do protótipo da tia solteirona. Sem ligar para o olhar irritado de seu irmão, ela percorreu a pequena distância que os separava e o beijou levemente no rosto, exclamando:
— Eu também estou muito contente em ver você, Richard!
— Eu estou muito contente por você ter vindo — disse ele enfatizando as palavras e mudando a sua posição, para poder ver sua filha e sua irmã ao mesmo tempo. — Estou tentando colocar um pouco de bom senso na cabeça desta menina, mas ela não quer me ouvir.
— Bom senso! — exclamou Tisha com amargura, dirigindo-se ao seu pai. — Ele está querendo me convencer a casar com um homem que me dá náuseas. E tudo isto só porque meu pai acha que aquele idiota é um rapaz decente!
— Eu não estou tentando forçar você a se casar com Kevin Jamieson! — gritou Richard.
— Neste caso, qual é o nome que você dá ao que está fazendo? — perguntou ela.
— Você está vendo o que acontece aqui? — Richard virou-se para sua irmã, gesticulando à procura de compreensão. — Ela faz questão de modificar tudo o que eu digo; coloca na minha boca palavras que eu não falei. A única coisa que eu disse foi que ele é um rapaz simpático e que ela poderia fazer uma escolha bem pior.
— Não importa com quem eu resolva me casar, papai, você sempre vai encontrar algum defeito nele. E se você não encontrar um único defeito, vai implicar com a cor dos olhos dele. — Voltando-se para Blanche, continuou: — Papai não acredita que uma mulher é capaz de decidir sozinha o que ou quem serve para ela. Ele acha que tem o direito de interferir na minha vida!
— Considerando-se o tipo de rapazes com os quais você anda saindo, acho que é perfeitamente natural e aconselhável interferir de vez em quando. A maior parte dos seus namoradinhos só quer uma única coisa e, se eu não fizesse o papel de bicho-papão, que fica esperando você chegar em casa com uma espingarda na mão, eles provavelmente já teriam conseguido o que querem! — respondeu rapidamente Richard.
— Se eu agisse exatamente como você quer, não poderia sair de casa enquanto você não escolhesse o homem ideal para se casar comigo — disse Tisha. — Você vive tentando me dizer que roupas deveria vestir, quanta maquilagem devo usar, que pessoas deveriam ou não ser minhas amigas. Por que é que você é incapaz de aceitar o fato de que eu sou uma mulher adulta?
— Porque você não se comporta como uma mulher adulta!
— Se eu não me comporto como uma mulher adulta, é só porque você não me deixa — respondeu ela, inclinando-se para frente para dar mais força a suas palavras. — Quando nós nos sentamos para jantar, você ainda pergunta se eu fui lavar as mãos primeiro. Eu não sou mais uma criança!
Blanche ficou observando a discussão em silêncio, olhando de um para o outro, como se estivesse assistindo a uma partida de tênis.
— Oh, Richard! Você não faz isso, faz? — perguntou Blanche, divertindo-se com a situação.
Ele ficou desconcertado por um momento, e respondeu:
— Bem, às vezes ela se esquece de tirar as manchas de tinta das mãos, e isso faz a comida cheirar mal.
— E quantas vezes eu fiz isso? — quis saber Tisha. — Uma vez? Duas vezes? Eu sei que não aconteceu diversas vezes.
— Não é sobre isso que estamos conversando — disse Richard.
— E não é mesmo! — respondeu Tisha, cada vez mais furiosa. — Nós estamos conversando a respeito da maneira como você tenta mandar na minha vida! A maneira como você fica impondo o que eu devo vestir; quem eu posso ver e aonde posso ir!
— Você se esquece de que eu sou o seu pai. Eu tenho o direito de agir assim.
— E eu sou um ser humano e tenho o direito de ter a minha privacidade, e também direito de cometer os meus próprios erros!
— Enquanto você estiver morando na minha casa e comendo a comida que eu pago, eu vou continuar tendo o direito de dizer qualquer coisa.
— Pois bem, talvez aí esteja a solução de todos os nossos problemas. Quem sabe se o melhor não é eu me mudar daqui? — respondeu Tisha.
— Eu acho melhor você pensar duas vezes, antes de fazer uma coisa dessas, menina! Você ainda não está ganhando dinheiro suficiente para poder morar sozinha e eu continuo sendo responsável pela herança que a sua mãe lhe deixou, e que você só irá receber quando completar vinte e um anos. Com o que você ganha, poderá se dar por muito feliz se conseguir comer de vez em quando! — falou Richard, retrocedendo o seu ímpeto.
— Agora eu estou começando a compreender como é que funciona a opressão. Pois eu prefiro morrer de fome a ter de morar aqui, onde você pensa que pode ficar mandando em mim o tempo todo. — Havia muita amargura em sua voz.
— Se faz questão de continuar falando comigo nesse tom de desrespeito, você pode subir para o seu quarto! — respondeu o homem, procurando esconder os seus sentimentos.
— Eu não sou uma criança e não admito essa austeridade. — Entretanto, apesar da sua atitude aparentemente corajosa, Tisha estava começando a temer a raiva que vislumbrava no semblante paterno.
— Patrícia Jo Caldwell, eu não acho que você seja velha demais para receber uma boa surra — ameaçou ele.
A risada sonora de Blanche atenuou a atmosfera elétrica existente entre pai e filha e interrompeu aquele diálogo de acusações. — Eu acho que você está atrasado em uns dez anos, com essa solução, Richard. — Ela piscou simpaticamente para o seu irmão e depois se voltou para a sobrinha com uma expressão compreensiva.
— Que outra coisa se pode fazer com uma menina rebelde e teimosa como esta? — perguntou ele. — Se a mãe dela estivesse viva, talvez conseguisse botar juízo nessa cabeça de pedra. Eu estou apenas tentando fazer o que julgo ser o melhor para ela.
— E o que eu acho como melhor não conta, papai? — perguntou Tisha, abrandada com a menção de sua mãe.
— Se você de vez em quando resolvesse ouvir um pouco também em vez de ficar sempre brigando... — começou Richard, sem continuar, porém, a frase até o final. — Você nunca aceitou conselhos.
— Um caso típico de "tal pai, tal filha"! — interrompeu Blanche.
— Só faltava isto — declarou Tisha, levantando-se do sofá.
— Aonde você vai? — quis saber o seu pai.
— Para o meu quarto, porque eu quero. E se o Kevin aparecer, pode lhe dizer que a minha resposta é não; eu nunca vou me casar com ele. Aliás, pode aproveitar a ocasião e dizer àquele idiota que eu não quero vê-lo mais na minha frente! — Tisha afirmou com veemência.
— Eu nunca disse que você tinha de se casar com ele! — Havia uma mistura de raiva e de frustração na voz de Richard, ao dizer estas palavras.
— Não, papai, você nunca diz que eu tenho de fazer alguma coisa. Você usa o seu poder e a sua chantagem emocional, até colocar-me numa situação como esta, onde levou um homem que eu detesto a imaginar que estaria disposta a casar-me com ele. É sempre assim! São as malditas coisas que você acha que são as melhores para mim! — Tisha respondeu com certa calma, de pé junto à porta.
— E isto é tão ruim assim? Você nunca chegou a dar uma oportunidade de verdade ao Kevin. Com o correr do tempo, você pode até mesmo chegar a amá-lo — disse Richard, com certo tom de paternidade na voz.
— Você não desiste, não é papai? Estou falando sério: eu não posso e nem quero me casar com ele! Quando eu me casar, e eu estou começando a duvidar seriamente que isto venha a acontecer algum dia, vai ser com alguém que eu escolher e, garanto, você não vai ter nada a ver com a minha escolha — rebateu a moça com tristeza nas feições.
— Não seja ridícula! É lógico que você vai se casar. Que outro futuro existe para uma mulher? Um marido e muitos filhos é a realização máxima para todas as mulheres.
— Você acha mesmo? — Tisha ergueu as sobrancelhas, demonstrando estar se divertindo com as idéias do pai. — Eu acho que Blanche não concorda com você. Sinceramente, eu tenho inveja da liberdade de Blanche. Nem mesmo você tenta mandar na vida dela.
Desta vez, Tisha não deu oportunidade a que seu pai respondesse, ela foi para o seu quarto, sabendo que este tinha sido um ótimo momento para encerrar a discussão, pois o último tento tinha sido dela.
Alguns momentos depois, dentro do seu quarto, Tisha tentava coordenar os seus pensamentos, ainda tensa pela discussão. Neste ponto, sua tia chegou, interrompendo-a.
— Eu sinto muito, você ter presenciado uma cena tão desagradável. Mas você conhece o seu irmão a mais tempo do que eu — disse Tisha, com certa calma.
— Existem momentos em que Richard consegue ser exageradamente másculo? É que no passado houve um excesso de mulheres fustigando o seu ego — respondeu Blanche.
— Inclusive eu — confirmou Tisha, pegando uma jaqueta jogada sobre uma cadeira e levando-a até ao guarda-roupa. — Quando eu era pequena, ele era um deus para mim: forte, poderoso, amoroso, gentil; um homem muito bonito com certo toque de individualismo. Meu sonho sempre foi, naquela época, encontrar alguém igualzinho a ele. Graças a Deus, nunca encontrei! Agora é que eu consigo compreender por que minha mãe brigava tanto com papai.
— Pelo que eu me recordo — disse a tia, atravessando o quarto —, aquelas discussões entre Lenore e o seu pai sempre terminavam em risadas e beijos. Uma mulher mais submissa nunca teria conseguido proporcionar-lhe toda a felicidade que ele conheceu ao lado de sua mãe. Richard não era capaz de dominá-la. E era exatamente por causa disto que ele a amava.
— Bem, pois eu gostaria que ele deixasse de tentar me dominar!
— Eu não acredito que ele consiga fazer isto algum dia. Você é parecida demais com o seu pai, tanto quanto com a sua mãe — afirmou Blanche, sorrindo.
— Então, por que é que ele não reconhece isto? Por que é que ele não reconhece minha maturidade e meu modo de pensar? — perguntou Tisha.
— Existem dois motivos para isso, Tisha. O primeiro é que os homens que foram grandes boêmios e aventureiros sempre acabam se transformando nos pais severos. E meu irmão aprontou muita coisa por aí, antes de se casar com a sua mãe. — Ela fez uma pausa para ver a aceitação de suas palavras, e continuou: — Em segundo lugar, a morte de sua mãe, quando você tinha apenas catorze anos, fez com que o seu sentimento de responsabilidade aumentasse. Ele sabe muito bem que não poderá ocupar o lugar que deveria ter sido preenchido por Lenore, mas acha que deve fazer o máximo possível para se envolver na sua vida, muito mais do que se a sua mãe ainda estivesse viva, ou se você tivesse uma tia mais social que aparecesse com maior frequência e não apenas quando lhe dá na telha fazer isto.
— Oh, Blanche! — Um sorriso radiante espalhou-se pelo rosto inteiro de Tisha. — Eu não gostaria de ter um outro tipo de tia. Você chega sempre quando preciso de alguém para conversar, sendo capaz de colocar todos os meus pequenos problemas nas suas devidas proporções.
— Fico muito feliz em saber que sou capaz de ajudar de vez em quando.
— E ajuda mesmo — afirmou Tisha —, mas agora me conte o que foi que trouxe você do seu esconderijo em Hot Springs lá nas montanhas Ozark, até aqui em Little Rock? Eu tenho certeza de que não veio até aqui só para servir de juiz entre meu pai e mim.
— Desta vez, estou usando a desculpa de vir comprar materiais de pintura. Mas, na verdade, o que me motivou foi um enorme sentimento de culpa em relação à minha família! Richard e você! Eu, às vezes, nem percebo como o tempo passa tão depressa.
— E nós lhe demos uma recepção que não deve ter sido muito agradável — respondeu Tisha, com certo arrependimento.
— Bem, espero não ter ficado tanto tempo ausente, a ponto de minha recepção ser feita na base de tapetes vermelhos e bandas de música — respondeu Blanche, rindo, e caminhou até a parede para apreciar alguns quadros. — Pelas insinuações do seu pai, parece que você não está conseguindo obter um bom sucesso financeiro com os seus trabalhos de pintura.
— Infelizmente, isto é a pura verdade — suspirou Tisha, acompanhando sua tia —, pelo menos no que diz respeito aos quadros que eu faço. Aos poucos eu estou chegando à desagradável conclusão de que, apesar de eu ser comercialmente adequada, estou longe de ser alguma coisa excepcional do ponto de vista artístico. A minha arte está muito distante da sua.
Blanche estudou demoradamente um dos quadros da sobrinha e afirmou:
— Eu não vejo mal algum em ser uma artista comercial, Tisha. Você tem vendido alguma coisa?
— Alguns trabalhos para cartões-postais e calendários, mas principalmente coisas para publicidade — respondeu Tisha. — Papai tem razão, sabe, eu não ganho o bastante para poder ser independente. Não importa quanto possa receber, pois sempre continuaria sendo dependente da benevolência do meu pai. Às vezes eu gostaria de ter nascido homem. Uma mulher sempre é controlada por seus pais, até o dia em que ela se casa, e depois se torna escrava dos caprichos do marido até o fim de sua vida. Eu acho que, quanto mais eu penso, mais sinto ódio por todos os homens. Eu me sinto mal quando vejo as maneiras que eles usam para nos convencer de que são muito melhores do que nós, mulheres, em todos os aspectos. Nós somos o sexo fraco só porque temos menos músculos; em compensação, temos mais massa cinzenta no cérebro. Nós podemos vencer esses idiotas a qualquer momento.
Blanche encarou sua sobrinha de maneira inquiridora: — Quem foi que provocou toda essa sua desilusão em relação aos homens? Esse tal de Kevin ou foi o seu pai?
— Eu acho que foi uma combinação de todos os homens que eu já conheci durante a minha vida — replicou Tisha, um pouco cínica, mas muito séria e amarga. — Certa vez, alguém me disse que, para conseguir o homem do qual se gosta, basta ficar escutando-o o tempo todo e só abrir a boca para perguntar coisas sobre ele. Os homens querem que as mulheres sejam atraentes e silenciosas. Eles não se importam com os nossos talentos ou com os conhecimentos. E eles sempre se comportam como se estivessem fazendo um enorme favor, quando nos convidam para sair.
— Acho que você anda lendo demais todos estes panfletos feministas — observou Blanche, repreendendo-a um pouco. — Em primeiro lugar, acredito que tanto os homens como as mulheres são principalmente seres humanos; e todos têm lados bons e também ruins. Você não está querendo me dizer que nunca chegou a gostar de alguns rapazes, está?
— Para falar a verdade, Blanche, não foram só alguns rapazes — admitiu Tisha, encabulada, e tentando ser agora mais franca —, mas eu nunca enganei a mim mesma, imaginando-me que estava apaixonada por qualquer um deles. Aliás, deve ter sido por causa disto que nunca me rebelei de verdade, quando papai me proibia de continuar saindo com algum deles. Mas eu não admito que ele venha me dizer com quem eu devo casar.
— Apesar de todas as interferências arrogantes dele, Richard está preocupado com a sua felicidade, Tisha. Mas concordo plenamente com você num ponto: ele escolheu uma péssima maneira de demonstrar essa preocupação — disse Blanche. — Agora que ele sabe que você realmente não simpatiza com esse tal de Kevin, eu tenho certeza de que não vai forçá-la a se encontrar com ele.
— Com o Kevin, não, mas eu sei que ele vai encontrar algum outro rapaz — murmurou Tisha. — Eu gosto muito do meu pai, Blanche, muito mesmo, mas o fato é que eu não consigo viver bem com ele. Enquanto continuarmos morando juntos, ele vai insistir em tentar mandar na minha vida. Acho que a única coisa que posso fazer é desistir de vez da pintura e procurar um emprego para poder me tornar independente.
— Pois eu tenho uma outra idéia que talvez funcione — disse Blanche, voltando a examinar melhor os quadros pintados pela sobrinha: — você poderia vir morar comigo em Hot Springs.
— Você está falando sério? — Tisha mal podia acreditar que tinha escutado direito. Ela sabia muito bem que Blanche defendia sempre, com unhas e dentes, o seu direito de privacidade.
— Lógico que estou falando sério — respondeu sua tia, enfrentando com segurança os olhos inquisitivos de Tisha. — Se você quer mesmo fazer uma carreira artística, não há necessidade alguma em sacrificar todo o seu trabalho, só por causa de dinheiro e de um pai teimoso.
— E você acha que o meu pai vai concordar com essa idéia?
— Como é que ele vai poder se opor, se a própria irmã se oferece como guardiã da castidade de sua filha?
— Mas... você não acha que eu vou acabar interferindo no seu trabalho? — perguntou Tisha, enrubescendo um pouco, pois não era exatamente ao trabalho da tia que estava se referindo.
— Eu sou uma pessoa que gosta de ficar sozinha. Eu vivo assim, porque eu mesma resolvi isto. Isto não quer dizer que seja uma mulher temperamental. Eu seria capaz de pintar um quadro na esquina mais movimentada da cidade, e nem perceberia o trânsito em volta de mim. Acho que será muito agradável ter a companhia de uma outra pintora em casa, principalmente considerando-se que esta outra artista é a minha própria sobrinha.
— Mas é maravilhoso! — exclamou Tisha, entusiasmada pela súbita reviravolta dos acontecimentos, que seu pai teria forçosamente de aceitar. Apesar de todas as suas discussões com ele, Tisha não tinha a intenção de ferir seu pai ou de abrir mão do afeto que sentia por ele, o que obviamente aconteceria se ela se rebelasse abertamente e saísse de casa sem a aprovação dele.
— Se você quiser vir morar comigo, basta dizer sim. É tudo muito simples. Eu me encarrego de conversar com o seu pai, — assegurou Blanche. — Obviamente, lá a sua vida social vai diminuir um pouco.
— Se essa vida social a que você se refere é sair com rapazes, eu não tenho coisa alguma contra. Aliás, é possível que um pouco de abstinência possa melhorar a imagem que eu tenho do sexo que se julga forte. Nos últimos tempos, parece que todos os rapazes que saíram comigo faziam questão de mostrar que eram imaturos ou tremendamente egoístas.
— O que você está precisando meu bem, é de um bom caso com um homem mais velho. Aliás, lembre-me que eu preciso apresentar você ao meu vizinho — disse, rindo, Blanche.
— Não deixe papai escutar você dizendo uma coisa dessas, — sorriu Tisha — senão ele nunca vai dar a permissão para morarmos juntas.
— Eu acho tremendamente injusto que os pais, principalmente os que perderam as suas companheiras, tenham os seus casos com mulheres de todos os tipos e, ao mesmo tempo, insistam em que suas filhas se comportem como meninas ultra boazinhas — declarou a tia, piscando um olho. — Afinal, uma tia também tem os seus preconceitos, apesar deles nunca serem tão rígidos como os de um pai exagerado.
— O que é que você está querendo dizer com isso! — brincou Tisha — Que você vai acender a luz da varanda vinte minutos depois de o carro que me trouxer para casa parar na calçada? Meu pai acende a luz depois de cinco minutos contados no relógio.
— É mais ou menos isso. Bem, agora eu preciso ir convencer o seu pai sobre a nossa idéia.

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