Capítulo IV

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Durante três dias Tisha fez o possível para encontrar uma desculpa plausível, que lhe permitisse cancelar o compromisso com Roarke. Diversas vezes chegou a se aproximar do telefone, mas desistiu.
Blanche não lhe podia oferecer ajuda de espécie alguma, pois acreditava que Tisha tinha aceitado o convite, na tentativa de fazer as pazes com o vizinho. Sua tia ficara tão contente com a concessão, que Tisha acabou se vendo sem outra alternativa e concordar com o jantar combinado.
Roarke chegou pontualmente às sete da noite, mas Tisha, de propósito, ainda não estava pronta. Meia hora depois entrou na sala vestindo uma das suas melhores roupas, para impressionar o conquistador.
— Eu estava começando a achar que iria ter de jantar sozinho — disse Roarke, levantando-se e olhando diretamente para ela; ele estava impecavelmente vestido.
— Você acha que eu sou uma mulher que cumpro realmente a minha palavra?
— Talvez seja esta pequena veia pulsando na sua garganta que faz com que eu ache que você não está tão segura quanto pretende parecer — e depois, num tom de voz mais elevado, para que Blanche também pudesse ouvir: — Eu acharia muito bom se fôssemos indo.
Tisha foi obrigada a reprimir rapidamente o sentimento de raiva que já faiscava nos seus olhos ao se despedir da tia. Ela se controlou o mais possível para não se desvencilhar da mão que segurava seu cotovelo.
— Prometo que não voltarei tarde, Blanche — disse ela.
— Divirtam-se — respondeu Blanche e piscando o olho para Tisha acrescentou brincando: — E lembre-se, vinte minutos depois de vocês chegarem, eu vou acender a luz da varanda!
Tisha sentiu que o seu rosto estava enrubescendo quando lançou um rápido olhar para Roarke: — Não haverá necessidade desta contagem regressiva. — Sabia que as despedidas não seriam muito demoradas.
— Eu não entendi muito bem o que Blanche quis dizer com aquilo — falou Roarke depois, enquanto abria a porta do carro para ela.
— É apenas uma brincadeira tradicional na nossa família — respondeu ela, com certo humor quando entrava e evitando olhar diretamente para ele.
— Você não acha que nós vamos levar algum tempo para nos despedirmos hoje à noite? — perguntou ele. — Talvez você não acredite, mas eu também tenho a minha experiência neste sentido. Muitos pais impacientes já acenderam as luzes da varanda, quando eu levei suas filhas para casa.
— Eu teria pensado mais na possibilidade de você ser recepcionado pelo cano de uma espingarda nessas ocasiões.
— Não, as espingardas não fazem parte da minha experiência. Ainda não. — Com um movimento seguro, Roarke ligou o motor do automóvel e seguiu para a estrada.
Tisha colocou, recatadamente, as mãos no regaço: — Eu espero que o restaurante não tenha cancelado a sua reserva.
— Tomei a precaução de marcar a reserva para as oito horas — replicou Roarke. — Imaginei que você talvez levasse um pouco mais de tempo para se vestir.
— Você provavelmente está mais acostumado a mulheres, que tiram a roupa para você, não é?
— Isto é uma coisa que se poderia chamar a Lei de Roarke! — Ele já não se esforçava mais em disfarçar o seu divertimento com as tentativas dela em levar a melhor na conversa. E continuou: — Tudo o que é colocado sobre um corpo, mais cedo ou mais tarde deve ser retirado outra vez.
Bem, você achou que não havia necessidade de me dizer aonde iríamos — observou Tisha. — E é muito mais difícil decidir o que vestir, quando não se sabe se o convite é para ir a uma simples lanchonete ou a um restaurante sofisticado.
— Eu pensei que você já tivesse percebido que eu não sou um homem totalmente desprovido de recursos financeiros, como os rapazes com os quais você costuma sair. — Ele examinou a aparência requintada dela. — Eu só espero que todos esses cabelos equilibrados no topo de sua cabeça não acabem lhe dando alguma dor de cabeça.
— A única coisa capaz de me dar dor de cabeça é a companhia — retrucou ela, agressiva. — Mas você não precisa ter medo de que o peso seja excessivo; é pouco provável que eu acabe tropeçando e lhe causando alguma situação desagradável.
— Esta possibilidade nem chegou a me ocorrer. Mas nem pense em deixar cair o seu prato ou o seu copo no meu paletó hoje à noite, porque não vou hesitar em retribuir.
Havia um tom diferente na sua voz, alguma coisa semelhante ao som do aço, que Tisha nunca percebera antes. E, mais do que a ameaça explícita nas suas palavras, foi esse novo elemento que fez Tisha permanecer em silêncio durante o restante do percurso. Roarke não estava apenas preparado para esgrimir palavras com ela; ele estava preparado para retribuir o fogo com fogo.
No estacionamento do restaurante, Tisha fez questão de sair do carro antes que Roarke tivesse tempo de chegar até o seu lado e abrir a porta. Como ele tinha indicado que aceitava a briga, ela estava disposta a lhe mostrar que não iria ceder um passo sequer.
— Eu concluo que você não tem a mínima intenção de valorizar os gestos que caracterizam um homem bem-educado segundo todos os manuais de etiqueta.
— Como você quiser — declarou ele.
Os saltos altos não permitiam que Tisha desenvolvesse certa rapidez para se afastar de Roarke, que logo a alcançou, com um sorriso divertido estampado no rosto. Quando chegaram ao patamar, ele se adiantou um pouco, abriu a porta e entrou forçando Tisha a agarrar rapidamente a maçaneta, antes que a porta batesse no seu rosto. Ela estava rubra de raiva quando o alcançou lá dentro. Antes que Tisha pudesse fazer alguma observação ferina, o mâitre já os estava guiando em direção à mesa reservada.
Eles mal tinham acabado de se instalar, quando chegou a garçonete encarregada das bebidas.
— Um Martini bem seco para mim — disse Roarke, ignorando completamente a presença de Tisha e forçando a garçonete a perguntar o que ela queria tomar.
— Um daiquiri! — respondeu ela, entre os dentes.
O olhar cheio de veneno que lançou contra Roarke não surtiu nenhum efeito porque ele estava protegido pelo escudo do seu cardápio. Cada vez mais irritada, Tisha abriu o outro cardápio colocado na sua frente; as mãos tremiam tanto que mal conseguia ler o que estava escrito. Num acesso temperamental, jogou o cardápio sobre a mesa.
— Não é possível tudo isto! — exclamou com raiva, e Roarke abaixou o cardápio para encará-la. — Você pode me levar para casa outra vez, porque não estou disposta a aguentar mais esta sua falta de educação.
Tisha afastou a cadeira da mesa e começou a se levantar: — Sente-se! — ordenou ele e repetiu num tom ainda mais enérgico: — Sente-se, caso contrário, eu vou fazer você se sentar!
Tisha compreendeu que ele era perfeitamente capaz de fazer o que estava ameaçando, e na frente de todos os demais fregueses do restaurante. Relutante, inclinou-se para trás na cadeira e ficou observando com muita indignação o pequeno sorriso que começou a se estampar no rosto de Roarke.
— Você é um sujeito nojento!
— Se você não quer agir como se espera de uma dama bem-educada, eu não tenho a intenção de ficar fazendo o papel de cavalheiro — replicou Roarke. — Você precisa decidir agora, se vamos continuar com esta guerra de insultos ou se vamos ter uma noite agradável.
— Seria impossível ter uma noite agradável na sua presença ultra-dominadora — disse ela com desprezo.
— Então você nega que a nossa trégua daquela tarde acabou dando um resultado muito agradável?
A garçonete chegou com as bebidas, dando assim a Tisha uma oportunidade para pensar na resposta.
— Eu não vou negar que aquela tarde teve alguns aspectos muito agradáveis — concordou ela, enviando-lhe um olhar desafiador, que entrava em conflito com o tom de suposta doçura de sua voz. — Como guia turístico, você conseguiu ser muito interessante e transmitir muitas informações. Mas depois, quando tentou conquistar-me com o seu charme, percebi que era impossível tentar continuar com a nossa trégua.
— Neste caso, por que foi que você concordou em sair comigo esta noite?
— Eu não concordei — declarou Tisha, com uma ponta de amargura. — Você usou truques para me obrigar a aceitar o convite.
— Você quer dizer então que um simples homem conseguiu convencer uma inteligente mulher a sair com ele, apesar de ela não querer fazer isto?
Tisha sentiu um comichão na palma da mão, uma vontade quase irresistível de esbofeteá-lo, de apagar pela força o olhar supostamente inocente que brilhava no rosto dele.
— E eu cheguei a pensar que você estava querendo me convencer de que os homens não passam de um amontoado de músculos com um cérebro deste tamanhinho — concluiu ele secamente. — É possível que você precise fazer uma revisão nos seus valores.
— Eu nunca quis dizer que os homens não são capazes de enganar, de ludibriar as mulheres — replicou Tisha.
— Você tem um vocabulário bastante grande, não é? Parece que você sempre consegue escolher as palavras certas para transformar um elogio numa coisa muito parecida com um insulto.
— Que sensibilidade em perceber as coisas!
— Vamos pedir a comida agora? — perguntou ele, erguendo novamente o cardápio. — Você poderia experimentar os escalopes flambados; iriam combinar muito bem com o seu temperamento.
— E você vai pedir o quê? Uma truta? O cardápio não diz se é ou não uma espécie de boca grande.
Ele preferiu ignorar a maldade contida nas palavras dela: — Para dizer a verdade, eu acho que vou ficar com os escalopes flambados; eu gosto de coisas fortes e apimentadas.
O jantar foi um desastre. Tisha acabou pedindo um filé, mas não encontrou muito prazer na suculenta fatia de carne mal passada. Não teria feito diferença alguma se tivesse mastigado um pedaço de couro velho; seu único desejo era o de acabar rapidamente com o jantar e voltar para casa. Ela recusou o café e se viu forçada a permanecer na mesa, enquanto Roarke tomava a sua xícara.
— Podemos ir agora? — perguntou ela, impaciente, quando ele finalmente colocou a xícara vazia sobre a mesa.
— Acredito que sim — sorriu ele, e fez um sinal em direção à garçonete, indicando que queria pagar a conta.
Esperaram alguns instantes para receber o troco. Tisha levantou e caminhou rapidamente em direção à porta de saída; ela só queria ir embora o mais depressa possível, mas os dedos fortes dele se fecharam em torno do seu braço, obrigando-a a diminuir os passos e a parar.
— Existe uma pequena pista de dança do outro lado do restaurante. Pensei que poderíamos ficar lá durante uma ou duas horas.
— E se eu insistir que você me leve para casa?
— Mas você não vai insistir nisto, vai? — Ele a encarou com uma expressão arrogante de quem tem certeza das coisas. — Você não iria querer me privar da sua companhia tão vital, não é? Ou será que eu deveria dizer tão volátil?
— Você deveria dizer tão involuntária — respondeu ela, sem, contudo opor resistência quando ele a conduziu em direção a um salão fracamente iluminado por luz de velas.
O salão estava repleto de casais, Tisha sentiu dificuldades em acostumar a visão ao ambiente e permitiu que Roarke a conduzisse até uma pequena mesa. Num dos cantos do salão, sobre uma pequena plataforma, um conjunto executava uma seleção de músicas românticas.
— Vamos dançar? — perguntou Roarke, depois de ter encomendado as bebidas.
— Foi para isto que viemos para cá, não foi?
— Alguma coisa me dá a impressão de que você esta morrendo de vontade de pisar nos meus pés! — disse ele, quando se levantaram para percorrer a curta distância que os separava da pista de danças.
Tisha não tinha a mínima intenção de dançar tão perto dele. A mão de Roarke, quando pousou sobre ela, lhe pareceu ser muito quente. A outra mão de Tisha não estava apenas apoiada sobre o ombro dele, ela a usava para mantê-lo à distância. Tisha manteve o olhar afastado, algo perturbado pela proximidade do rosto dele.
Ela sentiu que o braço dele fez uma pressão maior em torno de sua cintura. — Relaxe — disse ele suavemente, enquanto apertava-a um pouco mais e a forçava de encontro ao seu tórax. Tisha estava agora bem mais próxima dele, sem condições de escapar dos seus braços fortes. Felizmente a música chegou ao fim e Roarke foi obrigado a soltá-la.
Na mesa, ele parecia não estar propenso a continuar com a conversa; recostou-se na cadeira e ficou calmamente examinando o rosto de Tisha. O conjunto estava tocando agora uma de suas músicas prediletas. Ela tentou apreciar a melodia conhecida, mas percebeu que o silêncio do homem ao seu lado a deixava perturbada demais.
Com um movimento brusco de cabeça, ela encarou as sombras que ocultavam uma boa parte do rosto dele: — Você não pode estar querendo dançar comigo outra vez — declarou ela. — Então, porque é que não vamos embora?
— Eu acho que deveríamos ficar ainda.
— Mas, por quê? — Havia exasperação no seu tom de voz. — não faz sentido ficarmos sentados aqui, olhando o tempo todo um para o outro.
O conjunto tocava um sucesso do momento e Roarke levantou-se, puxando-a para si. O braço que envolvia sua cintura impediu que Tisha se afastasse, até chegarem à pista. Tudo foi de repente — as mãos dele estavam entrelaçadas em suas costas, forçando seu corpo contra as coxas musculosas dele. Ela pressionou as mãos contra o peito dele, tentando impedir que pelo menos certa parte do seu corpo entrasse em contato íntimo com aquele corpo vigoroso. A expressão dos olhos de Tisha era de franca hostilidade, quando enfrentou o amplo sorriso que se espalhava pelo rosto de Roarke.
Tisha cerrou as mãos, no esforço de controlar sua enorme vontade de começar a bater no peito dele, para poder se libertar do abraço indesejado. Ela abaixou a cabeça, fixando o olhar na sua camisa impecavelmente branca, firmemente resolvida a suportar a situação sem provocar um escândalo. O contato das mãos dele na sua cintura parecia ultrapassar, com certa facilidade, o tecido. Uma sensação calorosa invadiu todo o seu corpo quando sentiu que as mãos de Roarke se movimentavam carinhosamente pelas suas costas, levemente sobre a espinha, forçando-a de encontro com a rigidez do corpo dele.
Quando as carícias exploradoras das mãos dele se tornaram ousadas demais, Tisha não conseguiu reprimir um sussurro irritado: — Pare com isto! — Ao mesmo tempo, ela estendeu as mãos para trás, querendo colocar as mãos dele novamente onde deveriam estar, na sua cintura. Tisha percebeu imediatamente que acabara de cometer um erro. Sem a barreira das mãos, os dois corpos se juntaram com total intimidade.
— Eu não gosto de dançar assim — disse ela.
— E por que não? — perguntou ele.
— É o meu conceito antiquado de moral — respondeu ela sarcasticamente — Eu não gosto de ser abraçada em público.
Não havia maneira de escapar do contato físico deste homem. Naquela posição, Tisha conseguia sentir toda e qualquer contração dos seus músculos e, aos poucos, foi começando a perceber uma enorme fraqueza nas suas próprias pernas.
— Não fique embaraçada — disse Roarke. — Ninguém está olhando para nós. Ela sentiu o calor das palavras dele no seu pescoço:
— Eu não me importo! — Tisha jogou a cabeça para trás, numa tentativa de apagar a sensação de fogo que lhe percorria a nuca e também para encará-lo com toda a fúria concentrada nos olhos.
— Você está com medo de algum beijo inesperado? — gozou ele. Seus olhos estavam focalizando os lábios dela.
— Um beijo inesperado é uma coisa que não existe. Uma mulher sempre espera ser beijada. Ela apenas nem sempre sabe onde e quando isto acontece! — respondeu Tisha.
— Neste caso, nós precisamos dar um jeitinho de encontrar uma resposta para estas duas dúvidas! — Seus lábios tocaram os lábios dela num beijo que durou apenas uma fração de segundo; logo depois ele a encarou novamente, observando o rubor que lhe subia lentamente pelas faces.
— Isto foi uma amostra da melhor técnica que você domina? — perguntou ela, surpresa intimamente ao perceber que sua respiração estava ofegante e desigual.
— É preciso levar em conta as circunstâncias.
— Eu ainda não tinha percebido que a discrição é uma de suas virtudes — replicou ela, ferina.
— Em compensação, eu ainda não tinha percebido que tenho alguma virtude para você.
Assim que a música terminou Tisha se desvencilhou dos braços dele, que não lhe opuseram qualquer tipo de resistência. Ela tinha acabado de sentar-se quando Roarke chegou até a mesa e ficou de pé a seu lado. Colocou a mão sobre seu ombro, e sorriu quando ela se retraiu ao novo contato físico.
— Eu pensei que você estava querendo ir embora — disse ele.
Tisha lançou-lhe mais um olhar fulminante, enquanto se levantava. Ela quis fazer uma observação maldosa, mas conseguiu engolir as palavras no último momento. Afinal, não queria arriscar a possibilidade de ele mudar de idéia.
No carro, Tisha ficou olhando fixamente pela janela, decidida a ignorar completamente aquele homem sentado ao seu lado; lá fora, uma imensa lua cheia iluminava a noite, ofuscando o brilho das estrelas. Sua pele continuava arrepiada pela simples lembrança daquele abraço sensual, pela lembrança do seu próprio corpo pressionado contra o corpo dele. Era uma sensação inusitada que a deixava inquieta.
— Você está fazendo agora a greve do silêncio? — disse Roarke. — Eu mal posso acreditar que já tenha usado todo o seu estoque de insultos.
— Pode guardar o seu sarcasmo — respondeu ela, se esforçando para controlar a voz. — Estou cansada. E a única coisa que quero é ir para casa.
— Realmente foi uma noite muito cansativa — concordou ele.
— Pois é… e sublinhada por momentos de puro enfado.
— Houve um minuto, entretanto, em que cheguei a pensar que você tivesse colocado de lado as suas barreiras de defesa.
— Pois você pode fazer uma revisão nos seus pensamentos! — replicou ela, feroz.
— Você está disposta a brigar comigo até o último momento de sua vida, não é?
— Minha única esperança é que você morra antes de mim.
— Bem, como diz a letra de uma canção bastante conhecida, quando um objeto irresistível se encontra com um outro objeto imóvel, alguma coisa tem de acontecer — declarou Roarke, sorrindo outra vez.
— Suponho que você está se imaginando no papel deste tal objeto Irresistível, não é? — replicou ela, sarcástica. — Pois eu tenho uma informação a lhe dar, senhor Madison: a única reação que homens do seu tipo, machão e dominador, conseguem provocar em mim é ânsia de vômito.
— Blanche me contou que o seu pai é um homem muito forte e muito autoritário. Isto é verdade? — perguntou ele, mudando bruscamente de assunto.
— É verdade, sim. E eu puxei por ele neste sentido. As aparências externas das coisas, por mais charmosas que sejam, nunca conseguem me afetar! — Ela lhe lançou um rápido olhar carregado de significados maldosos, mas, devido à escuridão, ele não percebeu o insulto implícito.
— Também já me disseram que a maior parte das garotas sempre acabam escolhendo homens que se pareçam com seus próprios pais.
Tisha estava apreensiva, sentiu que seu corpo ficara tenso. Ela também já ouvira esta teoria. Quando menina, e também na adolescência, concordara com isto, pensando que não poderia haver nada melhor do que se casar algum dia com um homem tão másculo e indomável como seu pai. Obviamente, estes sentimentos datavam da época anterior à excessiva autoridade que ele exercera sobre ela durante os últimos anos.
— É possível que isto seja verdade em alguns casos, mas não no meu — defendeu-se Tisha.
— Por quê?
— Porque o homem que se casar comigo terá de me respeitar como pessoa e não poderá me considerar como se eu fosse uma coisa sem vontade própria, que pode ser dominada e que não tem o mínimo senso de responsabilidade. Este homem não terá apenas de me amar, ele terá também de confiar em mim e não… não… — Sua mão descreveu um gesto indeciso, como se ela estivesse procurando a melhor palavra para completar o seu pensamento.
— E não ficar acendendo as luzes da varanda.
— Exatamente — concordou ela, colocando sua mão novamente no colo. — O que eu quero dizer é que ele não poderá sentir a necessidade de me vigiar o tempo todo.
— Era assim que o seu pai costumava tratar a sua mãe?
Tisha ficou em silêncio. De todas as discussões entre seus pais, nenhuma fora originada por motivos de desconfiança ou de ciúme; pelo menos, ela não se lembrava. O amor entre eles era muito forte e se expressava de muitas maneiras diferentes.
— Não, ele nunca desconfiou ou duvidou dela — respondeu Tisha com voz muito calma.
— Sua mãe deve ter sido uma mulher muito passiva.
— Minha mãe? Passiva? — Tisha riu. — De jeito nenhum. Ela era pelo menos tão exigente quanto papai. Eles discutiam muito, mas nunca com amargura. Eu me lembro que, às vezes, no meio da briga mais acalorada, um deles começava a rir e tudo estava resolvido. O casamento deles foi um dos poucos que deram certo.
— Faz muito tempo que você perdeu sua mãe?
— Eu tinha catorze anos de idade.
— Deve ter sido um golpe muito duro para seu pai.
— E foi mesmo. Durante muito tempo ele ficou andando pela casa sem saber direito o que fazer — admitiu Tisha. — Papai e eu ficamos muito unidos após a morte de mamãe. Mas, nestes últimos três anos — ela sacudiu os ombros, lembrando algumas das últimas brigas com seu pai —, foi praticamente impossível viver com ele.
— A filhinha do papai deixou de ser uma menina; ela se transformou numa mulher. E o que é mais: uma mulher muito bonita — comentou Roarke. — Como seu pai deve ter aproveitado muito bem a vida quando moço, ele sabe como é fácil enganar e se aproveitar de uma garota atraente como você. Ele, com toda a certeza, quer que você se case logo e deixe de ser uma tentação para os outros.
Seu elogio e sua explicação muito inteligente tiveram o efeito de despertar Tisha, que começara a sonhar com lembranças do passado. Havia uma janela acesa na casa de sua tia, e foi devido a esta janela que percebeu que tinha chegado. Tisha ficou confusa por ter negligenciado sua defesa por alguns momentos. Ela, afinal de contas, não tinha a menor vontade de que Roarke ficasse sabendo detalhes a respeito do passado.
— Você pode ter certeza de que meu pai nunca permitiria que eu saísse com um sujeito como você — declarou ela, ao mesmo tempo em que estendia a mão em direção ao trinco da porta do carro.
Mas ele foi mais rápido, conseguindo segurá-la pelo pulso antes que alcançasse o trinco: — Ainda não! Nenhum sujeito como eu permitiria que uma mulher bonita, como você, lhe escapasse sem um beijo de boa noite.
Tisha percebeu que todo o seu interior estava compassado: — Eu deveria ter desconfiado que você não passa de um destes nojentos machões, que sempre esperam uma espécie de pagamento, cada vez que saem com uma garota.
— Você tem toda a razão.
Roarke colocou a mão no queixo dela, erguendo-o um pouco para facilitar ainda mais o beijo inevitável. Foi um beijo demorado e intenso, confirmando as suspeitas que Tisha tinha em relação à possibilidade de ele ter muita experiência com muitas mulheres. Porém, por outro lado, a ausência total de força bruta nesta carícia a transformava em alguma coisa à qual era ainda difícil resistir. Quando ele, finalmente, se desprendeu, Tisha sentiu que seus lábios tinham sido marcados a fogo por aquele beijo. Ela soltou a respiração de uma só vez, relaxando o controle que a deixara tensa durante aqueles momentos de contato íntimo.
— Posso ir agora? — perguntou ela, surpresa por ser capaz de, ainda, colocar tanto desprezo no tom de voz.
Sem responder, ele esticou o braço e virou o trinco, abrindo a porta. A iluminação interna do carro acendeu-se, ao mesmo tempo em que Tisha, mais que depressa, saiu dali, batendo a porta com força atrás, de si.
O bode-jardineiro estava entre ela e a porta de entrada, mas não se importou, passando rapidamente por mais este obstáculo. Tisha já tinha tido a oportunidade de ser beijada muitas vezes, apesar da sua idade relativamente jovem. Algumas dessas vezes tinha sido beijada inclusive por rapazes com experiência suficiente para despertar numa mulher o desejo natural de conhecer melhor um homem. Ela sentia dificuldades em compreender e em aceitar que, até agora, tudo o que ela tinha sentido era apenas superficial; mas, desta vez, ela sentia a verdadeira incandescência de um desejo avassalador. E, pior ainda, esta descoberta estava intimamente relacionada com o beijo que Roarke acabara de lhe dar. Tisha sempre imaginara que era uma mulher isenta de todos os perigos do sexo, uma mulher racional demais para permitir que seus sentimentos e suas sensações físicas se tornassem mais fortes do que ela mesma.

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