Capítulo IX

39 4 0
                                    

Às duas e meia da tarde do dia seguinte, ela ainda não recebera qualquer tipo de notícias de Roarke. Ela tinha se agarrado à tênue esperança de que ele chegaria antes que seu pai voltasse de mais uma de suas saídas misteriosas, mas quando ouviu a voz de seu pai, que conversava com Blanche na porta, ela soube que, mesmo se Roarke chegasse agora, haveria poucas oportunidades de ficarem a sós.
Tisha se arrependia de não ter sido mais persistente no dia anterior, quando tivera uma oportunidade de descobrir como é que Roarke pretendia fazer para adiar o casamento. Vinte e quatro horas atrás, ela tinha confiado nele. Permitira que o seu charme a persuadisse a deixar todos os detalhes a seu cargo. Hoje, porém, se repreendia por ter sido tão tola. Afinal de contas, era a sua vida e tinha todo o direito de saber em que situação se encontravam as coisas.
Olhou para a sua mão e fixou-se no anel de brilhante. Sentiu um arrepio quando se lembrou de todas as implicações matrimoniais simbolizadas por aquele anel. Amanhã ela seria uma mulher casada, a não ser que ele a deixasse esperando na frente do altar. Talvez fosse isto o que Roarke estava planejando, pensou Tisha desesperadamente. Mas uma atitude desta serviria apenas para deixar seu pai ainda mais colérico, e Roarke parecia estar fazendo muita questão de apaziguá-lo em todos os aspectos possíveis. Ah, se ao menos soubesse o que ele estava planejando!
— O que é que a noivinha da família está fazendo hoje? Não me diga que está trabalhando?
— Entre, papai. Você não vai me atrapalhar; não estou conseguindo fazer coisa alguma — disse Tisha.
— Não, venha você. Eu tenho uma coisa que gostaria de mostrar — insistiu ele.
Tisha queria recusar o convite, mas não encontrou nenhum motivo válido para fazê-lo. Com certa relutância, seguiu os passos de seu pai, que caminhava em direção ao seu quarto, sem conseguir sentir qualquer tipo de interesse pela surpresa que ele aparentemente queria lhe fazer.
— Você não conseguiu trabalhar hoje, não é? — perguntou Richard, gentilmente.
— Pois é.
— Não fique preocupada com isso. É normal. É o nervosismo pré-matrimonial — assegurou-lhe, abrindo a porta do quarto para que ela pudesse entrar.
— Eu comprei um presente para você — Um gesto de sua mão fez com que ela percebesse uma caixa colocada sobre a cama. — Espero que você goste.
Tisha ficou olhando paralisada para a caixa, incapaz de pronunciar uma única palavra.
— Vamos, abra — disse ele.
Os dedos tremiam quando lentamente Tisha puxou o barbante da caixa, tentando reunir coragem suficiente para levantar a tampa. Lançou um olhar apreensivo em direção ao seu pai, respirou fundo, removeu a tampa e começou a afastar o papel de seda. Seu aspecto era tenso, estava agitada quando viu os pequenos buquês de flores azuis estampadas no tecido branco do vestido. Um pouco mais animada, desdobrou o vestido e o segurou diante do corpo, as mangas longas dobradas sobre o braço.
— É um vestido muito bonito, papai. Obrigada — disse Tisha, ao mesmo tempo em que seus lábios tocavam a face bem barbeada dele.
Ele segurou a sua mão e abaixou o olhar, como se também estivesse sentindo a necessidade de um momento de pausa, para poder controlar as suas emoções. Empurrando a caixa vazia para o outro lado da cama, Richard sentou-se e indicou o lugar ao seu lado.
— Sente-se, Tisha. Eu acho que está na hora de você e eu termos uma pequena conversa.
Com muito cuidado, ela colocou o vestido sobre o pé da cama e sentou-se ao seu lado. Uma parte de suas apreensões voltou quando ela tentou antecipar o que aconteceria naquela conversa.
— Eu não consigo lembrar quando foi a última vez que eu disse gosto de você. Talvez isto seja uma coisa que os pais não costumam dizer às suas filhas. Suponho que todos acham um sentimento óbvio. Mas eu queria dizer-lhe em voz alta! Você é muito importante para mim.
Lágrimas começaram a aparecer nos olhos dela: — Oh, papai! Eu também te adoro.
— Depois que você nasceu, sua mãe e eu descobrimos que não podíamos ter mais filhos; ela começou a achar que tinha me decepcionado, por não ter conseguido dar-me um filho. Acho que nunca consegui convencê-la totalmente de que estava perfeitamente satisfeito com o nascimento da nossa maravilhosa filha. Queria um filho, sim… todo homem quer. Mas você nunca foi considerada como se fosse uma espécie de prêmio de consolação, minha querida — assegurou-lhe, sua mão alisando os cabelos de Tisha, cuja cabeça estava recostada no seu ombro. — Se houvesse possibilidade de trocá-la, eu teria recusado. Você acredita em mim?
— Acredito — Esta pequena palavra foi suficiente para eliminar a preocupação dele.
— Quero que você seja feliz. Eu sempre quis, mas sei que às vezes tomei atitudes erradas para conseguir isto. E, algumas vezes, eu deveria ter demonstrado uma compreensão maior, mas, você sabe, eu nunca fui pai antes.
— Eu também não teria trocado você por nenhum outro pai — Há anos que Tisha não se sentia tão próxima de seu pai. Ela nem conseguia sentir qualquer manifestação de raiva em relação às atitudes precipitadas dele, que a estavam forçando a este casamento maluco com Roarke.
— Durante estes últimos dias — continuou ele — tive diversas oportunidades de conversar com o Roarke. Ele está muito preocupado com a possibilidade de que eu esteja forçando esse casamento, e parece que você ainda não está preparada.
Inconscientemente, Tisha prendeu a respiração. Teria chegado o momento? Seria agora que seu pai iria concordar com o noivado prolongado que Roarke havia proposto?
— Naquele dia, na casa de Roarke, agi tempestivamente — continuou ele. — O seu bem-estar foi a única coisa que me preocupou diante do acontecimento. Quando minha raiva diminuiu, imaginei que não tinha agido da maneira correta, havia me precipitado. Mas depois de longas conversas com Roarke e de ter percebido quanto ele também deseja a sua felicidade, minha filha, eu tenho certeza de que ele será um marido muito melhor do que esperava.
Tisha sentiu que seu coração acelerava. O plano deles não tinha funcionado! O casamento não iria mais ser adiado. Tisha conseguia pensar em apenas uma única coisa: precisava falar com Roarke; necessitava dizer-lhe que seu plano tinha falhado. Mesmo assim, eles teriam apenas algumas poucas horas à disposição para elaborar algo novo.
— Você está muito brava comigo, por eu ter me encarregado de tomar todas as providências em relação ao casamento sem consultar a sua opinião, Tisha? — perguntou seu pai.
— Não, de jeito algum, papai — respondeu Tisha, sem ter de mentir. Que interesse ela poderia ter por uma cerimônia que nunca chegaria a ser realizada? Nem que para isso fosse necessário que ela tentasse fugir.
— Quando sua mãe e eu nos casamos, tivemos uma festa enorme — disse-lhe ele. — Ela também era filha única e seus pais fizeram questão de transformar a ocasião num grande acontecimento. A comemoração durou um dia inteiro e, provavelmente, estendeu-se também durante uma boa parte da noite, mas nós conseguimos escapar daquilo tudo, antes que a festa chegasse ao fim.
Ele fez uma pausa e os seus olhos assumiram uma expressão nostálgica, como se ele estivesse revivendo a lembrança mais preciosa daquele dia.
— Nós pegamos o carro e quando já estávamos a alguma distância da cidade, Lenore disse que gostaria que a cerimônia toda não tivesse acontecido. A princípio fiquei abismado, porque pensei que sua mãe estava se arrependendo do fato de ter se casado. Depois me explicou que achava que o nosso amor era uma bênção preciosa e devida, uma emoção bonita e só nossa que não deveria ter sido apregoada aos quatro ventos num ambiente de feira. Havia lágrimas nos olhos de sua mãe, quando ela disse que teria gostado se apenas nós dois tivéssemos ido até ao altar, sem todas as madrinhas e os padrinhos e parentes em volta; só os dois trocando os juramentos sagrados na casa de Deus. Acontece que, quando me contou tudo isto, estávamos justamente passando por uma pequena estrada e vimos uma igreja com luzes acesas, onde paramos. Trocamos os nossos juramentos pela segunda vez, diante de um altar simples e sem enfeites, e atrás de nós havia apenas algumas fileiras de bancos vazios. Nós nos amávamos, Tisha, com um amor maior do que tudo o que as palavras podem expressar.
Sua voz falhou quando ele tomou o rosto dela em suas mãos e o fitou demoradamente, com uma grande tristeza nos olhos.
— E é por causa de tudo isto, minha filha — continuou ele com dificuldade —, que o seu casamento com Roarke vai ser assim tão simples. Não é porque eu queria esconder alguma coisa ou porque eu queria fazer um casamento apressado. No meu casamento a segunda cerimônia foi a mais válida, a mais preciosa. Para você, eu quero que seja a primeira, sem que haja qualquer outra lembrança para atrapalhar.
Ela movimentou o rosto em suas mãos, dando-lhe um beijo, sentindo-se inundada por uma maré de emoções conflitantes. Como é que ela poderia lhe dizer agora que não tinha a menor intenção de realizar a cerimônia que ele organizara com tanto carinho?
— Acho que nunca cheguei a compreender como era tão grande o seu amor pela minha mãe — disse ela, o rosto ainda preso entre as suas mãos.
— Ela me amava muito também. Durante esta última semana, vendo você e Roarke juntos, lembrei-me de tantas coisas. Todas as vezes que ele está por perto, você dificilmente desgruda os seus olhos dele. Você está constantemente lhe enviando uma série de pequenas mensagens particulares, exatamente como Lenore costumava fazer comigo. Aposto como você não tinha imaginado que o seu pai seria capaz de perceber coisas deste tipo, não é? — Ela pôde sentir como ele sorriu com os lábios encostados em sua testa. — Ontem à noite, compreendi que o principal motivo pelo qual você não quer se casar com ele é devido à velocidade com que tudo está acontecendo, como se vocês tivessem feito alguma coisa que não deveriam ter feito durante o último fim de semana. Eu sei que vocês não fizeram nada disto.
— O quê?! — exclamou Tisha.
— Você nunca mentiu para mim, minha querida, e sei que também não me mentiu quando disse que nada aconteceu entre vocês. Já percebi que Roarke tem um grande respeito por você. Isso me recorda uma coisa, que me disse algumas semanas atrás? — falou ele, rindo e gentilmente afastando-a um pouco. — Parece que foi há tanto tempo. Você disse que eu nunca iria aprovar o homem com o qual se casaria e que eu sempre seria capaz de descobrir algum defeito nele. Oh! Tisha estava totalmente enganada. Pelo contrário, eu quase chego a acreditar que o Roarke é bom demais para você. Estou convencido de que minha filha não poderia ter feito uma escolha melhor, nem se tivesse procurado no mundo inteiro. E, a partir de agora, não vou ter apenas uma filha que eu adoro; vou ter também um genro, do qual gosto muito. Pai algum poderia estar se sentindo mais feliz do que eu.
Tisha ficou olhando atônita para o seu pai; ela não sabia o que fazer. Nada disto tudo estava acontecendo com ela. Não havia mais argumentos que pudesse usar. Sua mente, de uma maneira geral sempre tão ágil, recusava-se a pensar.
Seu pai lançou um olhar para o relógio e sacudiu a cabeça: — Eu fico aqui conversando e perco completamente a noção do tempo. Nós precisamos chegar à igreja dentro de quarenta e cinco minutos e você nem sequer teve uma chance para experimentar o vestido.
O ensaio pensou ela, colocando-se de pé. Pelo menos, Roarke também estaria lá. Ela teria uma oportunidade de vê-lo e de lhe revelar a nova posição do seu pai. Ela pegou o vestido, sentiu o tecido e analisou o feitio.
— Você… você quer que eu vista isto? — perguntou ela, muito hesitante.
— Uma calça comprida não seria muito apropriada para uma igreja, não é? — respondeu ele com um sorriso. — Você pode estar pronta dentro de quinze minutos?
— Isto não é problema.
Enquanto mudava de roupa, Tisha ficou relembrando os conselhos, contidos nas palavras do seu pai. A expressão do amor que ele sentia em relação a ela a deixava comovida e, ao mesmo tempo, fazia com que ela se sentisse dentro de uma armadilha. As alternativas tinham diminuído e agora restava apenas uma única — a fuga. E, nisso tudo, o mais trágico era o fato de seu pai estar convencido de que ela amava Roarke.
Realmente era verdade que ela olhava sempre muito para ele. Afinal a presença dele sempre dominava qualquer ambiente. Mas Tisha disse a si mesma que olhava tanto, porque Roarke tinha prometido encontrar uma maneira para que conseguissem escapar daquela situação. Ele também estava sendo forçado a se casar. Este era o sentimento que os unia, não aquele amor que seu pai tinha conseguido reconhecer.
A tensão tinha provocado o aparecimento de uma expressão distante no rosto de Tisha enquanto se preparava. Seus nervos estavam à flor da pele, quase palpáveis. Ela percebeu que o vestido lhe caía muito bem no corpo; mas no momento estava rezando para que Roarke conseguisse encontrar uma solução para esta nova crise que começava a ameaçá-los.
Tisha acabou de vestir-se e foi ao encontro de seu pai, na sala. Lá estavam Richard e Blanche elegantemente vestidos e ela simplesmente nem reparou.
— Você está muito bonita, Patrícia — disse Richard com um tom de sinceridade na voz.
Ela respondeu ao elogio com um simples movimento de cabeça e replicou com o pensamento que ocupava uma posição de destaque na sua mente: — É melhor nós nos apressarmos, caso contrário chegaremos muito tarde. — Ela estava impelida pela compulsão de ver Roarke o mais rapidamente possível.
Porém, a curta distância até Hot Springs pareceu ser infindável.
Teria sido impossível conversar dentro do carro, mas nem seu pai e nem Blanche fizeram qualquer tipo de comentário em relação ao seu silêncio.
Suas pernas ameaçaram não continuar a carregá-la quando ela entrou com o seu pai no vestíbulo vazio da igreja. Ansiosamente, olhou em torno de si, à procura de Roarke, sabendo que ele deveria estar por ali em qualquer lugar, pois tinha visto o carro esporte dele no estacionamento.
Em seguida, Richard tomou a mão de Tisha e a colocou debaixo do braço dele, piscando um olho em sua direção, numa tentativa de transmitir-lhe um pouco de ânimo. As portas para o interior da igreja se abriram e Tisha acertou as suas passadas, acompanhando o seu pai e caminharam em direção à passagem. Ela teria gostado bem mais de ver Roarke antes do ensaio, pensou com certo nervosismo. Depois de ter dado os dois primeiros passos no corredor, viu que Roarke estava parado diante do altar, esperando-a, junto com o sacerdote. A expressão que percebeu nos olhos dele quase fez os seus joelhos cederem completamente. Seus dedos cravaram-se no braço de seu pai quando percebeu a expressão solene estampada no rosto de Roarke.
— Mas isto… — A sensação de pânico foi tão grande que ela ficou sem fala durante um momento. — Mas isto não é um ensaio, é? — sussurrou ela, praticamente excluindo o ponto de interrogação de sua pergunta.
Seu pai modificou a posição do seu braço para enlaçá-la pela cintura, de maneira a lhe dar um maior apoio enquanto continuavam a caminhar em direção ao altar, onde estava Roarke.
— É lógico que não — replicou ele, como se ela estivesse sabendo disso há muito tempo.
Seus olhos arregalados e amedrontados fixaram-se na expressão séria e simultaneamente terna que emanava dos olhos de Roarke. Havia um leve sinal de quem pede desculpas no fundo dos seus olhos escuros quando ele aceitou sua mão trêmula. Seus lábios começaram a se separar, Tisha queria dizer alguma coisa, fazer algo para interromper aquela cerimônia, mas o sacerdote já começara a recitar o seu texto tradicional.
— Caros irmãos. Nós estamos aqui…
Era tarde demais. Tisha sabia disto no fundo do coração, enquanto ouvia as palavras que iriam uni-la por laços matrimoniais ao homem que se encontrava ao seu lado. De cabeça abaixada, ela repetiu as palavras cerimoniais numa voz tão baixa que mal pôde ser ouvida. Somente depois de ter pronunciado as últimas palavras é que Tisha ergueu os olhos e os fixou no rosto de Roarke. Os vitrais coloridos intensificavam ainda mais o brilho dourado dos seus cabelos, enquanto seus olhos pareciam presos aos movimentos dos lábios, pronunciando as palavras que a ligariam para sempre a ele.
O tom claro e sonoro da voz dele vibrou no corpo todo de Tisha, removendo finalmente a venda que ela tinha usado nos últimos dias e permitindo que ela visse finalmente a intensa luz interna que brilhava no seu próprio coração. Com uma certeza de certa forma aterradora, Tisha reconheceu que estava apaixonada por Roarke. Todas as pulsações do seu coração aconteciam unicamente em função dele.
Ela não lhe pertencia apenas fisicamente; esta posse estendia-se também ao âmbito mental. E não era provocada por um ato legal qualquer, mas sim porque ela assim o queria. Tisha queria compartilhar sua vida com ele, queria ter os filhos dele, queria envelhecer nos seus braços.
Durante um momento, Tisha quase acreditou que Roarke também queria tudo isto, mas logo se lembrou da pouca vontade que demonstrara em relação ao casamento. Seu pai os forçara a participar desta cerimônia. Roarke não tinha a menor intenção de se casar com ela. Ele apenas tinha sido forçado a agir desta maneira para evitar um escândalo. Como seria possível que um casamento sobrevivesse sob tais circunstâncias? Ela sabia que era impossível, que a pergunta era apenas retórica. Perante a lei, eles eram, a partir daquele momento, marido e mulher, mas era uma situação que ele iria procurar modificar na primeira oportunidade possível.
Será que Roarke chegaria algum dia a suspeitar que ela o amava? Este pensamento a deixou gelada. Ele certamente iria supor que ela participara voluntariamente daquela conspiração para realizar o casamento. Oh, como Roarke iria odiá-la por causa disto!
Impossível; não havia possibilidade para fugir e Tisha caiu na realidade e olhou fixamente para a aliança dourada que ele acabara de colocar na sua mão esquerda.
— Em nome da autoridade que me foi conferida, eu agora vos declaro marido e mulher. Você pode beijar a noiva — finalizou o sacerdote.
Ela baixou os cílios para fechar os olhos. A dor que sentia no fundo do seu peito era intensa demais para que ela pudesse suportar a resignação que deveria estar estampada no rosto de Roarke, quando ele, gentilmente, virou o seu rosto em direção a ela. Não houve calor naquele beijo; ela não sentiu aquele desejo que invariavelmente surgia quando a beijava. O contato entre eles foi frio e controlado, como se Roarke estivesse apenas cumprindo, sob coação, as ordens do sacerdote.
Com o seu interior adormecido, ouviu as palavras de congratulação dirigidas a Roarke e pensou na amargura que ele deveria estar sentindo, aceitando-a daquela maneira: recebendo uma mulher que ele não desejava ter. O abraço do seu pai e a sua felicidade evidente não conseguiram tocar sua alma, que parecia ter deixado de existir. Tisha também não conseguiu entender direito o que sua tia lhe disse; sabia apenas que eram votos de muitas felicidades para o casal.
— Por favor — pediu Tisha, numa voz tão baixa que ele foi obrigado a se inclinar em sua direção para poder ouvir —, vamos sair daqui.
— É claro — respondeu ele.
Mais tarde, ele já tinha conseguido afastá-la do seu pai e de Blanche e a estava ajudando a descer os degraus da igreja em direção ao seu carro. Ela queria, desesperadamente, fugir na direção oposta, mas era necessário enfrentá-lo.
— Você não sabia que o seu pai transferiu o casamento de amanhã para hoje, sabia? — perguntou-lhe Roarke, assim que ele se instalou atrás do volante.
— Não — respondeu ela. — Eu não sabia mais do que você a respeito da mudança dos planos.
Ele lhe lançou um olhar inquisitivo antes de dar a partida no motor: — Nós estamos casados agora.
— Isto é uma farsa e você sabe muito bem disto! — declarou Tisha amargurada.
— O que é que você sugere? Uma anulação rápida? — perguntou Roarke, fixando sua atenção no trânsito que os circundava.
— Certamente é a solução mais óbvia.
— É mesmo? — replicou ele de forma enigmática.
— Eu nunca deveria ter acreditado em você — murmurou ela, irritada. — Se eu não lhe tivesse dado ouvidos, nós não estaríamos agora nesta situação — Para si mesma, acrescentou que ela poderia nunca ter descoberto o amor que sentia por ele e não estaria com o coração partido.
— Parece que você tem um costume de ficar sempre chorando pelas coisas erradas e que não tem mais solução, não é? — perguntou ele.
— Eu não admito que todas as coisas precisem necessariamente dar certo — replicou ela.
— As coisas dão certo, quando se trabalha para isso — respondeu Roarke calmamente. — É apenas uma questão de transformar as desvantagens em vantagens.
— Isto pode ser um princípio perfeito e utilizável no mundo dos negócios, mas você poderia me explicar como é que se faz para transformar um casamento indesejado num casamento desejado? — quis saber Tisha.
— Isto parece ser uma tarefa realmente impossível — concordou ele, manobrando o carro dentro do estacionamento de um hotel.
— O que é que nós vamos fazer aqui? — perguntou ela.
— Eu preferi não testar as suas habilidades culinárias. Neste seu estado de humor, você provavelmente iria tentar me envenenar. E, além do mais, os problemas sempre parecem ser menos sombrios quando se está com o estômago cheio.
— Eu não estou com fome — declarou ela, não vendo nada engraçado nas palavras dele.
— Vamos tomar um aperitivo antes. Talvez alivie uma parte do choque emocional por se tornar a senhora Madison, e o seu apetite volte outra vez ao normal.
— Escolheu as palavras erradas; não foi um choque emocional o que senti; é uma sensação de horror, que continua me dominando — corrigiu Tisha.
— Você está vendo? Percebeu? — perguntou Roarke, ampliando ainda mais o seu sorriso. — Sempre que você começa a me insultar, isto para mim é um sinal de que as coisas estão voltando ao normal.
Não havia mais qualquer coisa que pudesse ser considerada como sendo normal, pensou Tisha, enquanto acompanhou Roarke com os olhos; ele deu a volta no carro para vir abrir a porta do lado dela. Realmente não havia mais o normal; sua vida se resumia agora em céu e inferno — e nada mais existia entre estes dois extremos: nada! Mas ela seria capaz de esconder o amor que sentia por ele, colocando sempre sua língua ferina em primeiro plano. Era a única defesa que lhe restava para impedir que se jogasse aos pés e implorasse que a deixasse ficar ao seu lado até o final de sua vida.
— O meu pai chegou a planejar a nossa lua-de-mel também? — perguntou ela, evitando com um movimento rápido se apoiar na mão dele para sair do carro.
— Ele deixou este detalhe completamente ao nosso critério. Tenho a impressão de que não pensou que nós fôssemos dar muita importância a um lugar, desde que pudéssemos estar bem juntinhos.
— Nós realmente não daríamos muita importância… desde que não estivéssemos juntos — respondeu Tisha com amargura.
— Mas isto seria um pouco problemático, considerando-se as circunstâncias, você não acha? — Repentinamente, sua voz ficara irritada e ele apertou seus dedos no braço dela.
Por quê? — Ela não deu atenção aos sinais de alarme contidos no seu olhar. — Nós poderíamos ter uma lua-de-mel muito moderna. Você vai para o seu lado e eu vou para o meu.
— E você deixaria o seu marido dormindo sozinho em plena noite de núpcias? Que vergonha, cabecinha de fogo!
— É desta maneira que você está planejando transformar em vantagem a desvantagem do nosso casamento? Você tem a intenção de cobrar os direitos que lhe foram conferidos perante a lei?
— Esta idéia nem sequer passou pela minha cabeça. Ainda não — respondeu Roarke calmamente, envolvendo-a num demorado olhar possessivo.
— Pois é bom nem deixar que ela passe por perto de você! — declarou ela, enrubescendo e sentindo que o seu corpo todo começava a pulsar violentamente só em pensar na possibilidade de manter um relacionamento mais completo com o homem que era, legalmente, o seu marido.
— Mas você parecia tão disposta a isto na semana passada — lembrou-lhe ele. — Por que este súbito ataque de consciência, agora que tudo isto seria permitido perante a moral?
— Enquanto este casamento durar, ele será válido apenas no papel! — Sua voz era trêmula quando ela disse isto com determinação.
— Agora que estamos casados, você já não me considera mais um homem atraente, não é isto?
— Não! — A negação escapara de sua boca, antes que ela pudesse evitar.
— Isto significa que continuo perturbando você de um ponto de vista físico?
— Sim… quero dizer, não!
— Afinal, o que é que você quer dizer: sim ou não? — Ela percebeu uma ponta de arrogância nos olhos dele.
— Eu… eu quero dizer… — Tisha estava lutando para manter seus pensamentos em ordem. — Quero dizer que este casamento é uma farsa e que ele não vai ser consumado. E ponto final.
— Isto significa que não está interessada em ir passar a lua-de-mel nas Bermudas.
— Exatamente — Tisha balançou a cabeça com firmeza numa negativa vigorosa.
— Suponho que a coisa mais lógica a fazer será voltar para a minha casa quando acabarmos de comer. Você concorda? — Repentinamente, ele parecia ter perdido todo o interesse em discutir com ela e Tisha ficou feliz com isto. As suas perguntas capciosas estavam começando a destruir sua resolução em não aceitar um casamento que equivalesse apenas a uma parte do que ela esperava.
— Concordo — respondeu ela.

Quando o amor é mais forte Onde histórias criam vida. Descubra agora