Capítulo II

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Uma onda de pânico invadiu Charlotte ao ouvir essas palavras.
— Faulkner? Tem certeza?
— Absoluta! — respondeu Laura, olhando espantada para a moça. — Por quê? Quem é ele? Ele veio num lindo automóvel preto. Parece que não é nenhum pobretão! — parou um minuto e depois perguntou: — Quer recebê-lo?
Charlotte passou a mão pela testa, meio zonza. Se ela queria recebê-lo? Sim. Mas não deste modo. Não assim... Precipitadamente. Será que foi por isto que ele tinha vindo? Acrescentar o elemento surpresa ao ataque?
— Eu... Sim, quero vê-lo, Laura — e Charlotte olhou frustrada para sua roupa. Se ele estava esperando no hall, ela não poderia pas­sar para trocar de roupa.
— Bem, leve-o para o escritório de papai. Preciso trocar a roupa. Não posso receber ninguém deste jeito.
— E por que não?
A profunda voz masculina, bem atrás delas, assustou-as, e Laura arregalou seus já imensos olhos castanhos. Para Charlotte foi um momento de surpresa total. Encarou-o com indignação infantil. As palavras "Como ousou!" se formaram e desintegraram em sua boca, quando o sentimento de espanto que a invadiu se transformou em choque. Se este era Alex Faulkner, não tinha qualquer semelhança com a figura que tinha formado dele.
Sua fantasia tinha imaginado uma criatura obesa e repugnante, e o corpo denunciando os excessos em que tinha se afundado. Um homem cuja aparência repelisse as mulheres por quem se interessas­se e que tivesse de recorrer à chantagem para conseguir uma esposa. A realidade foi para ela quase um alivio.
Este homem era alto, medindo por volta de um metro e noventa, e com uma constituição atlética. Sua pele era mais escura que a dos ingleses comuns, e ela calculou que ele devia ter um pouco de sangue grego. Os cabelos eram negros e cortados rente à cabeça. Não era bonito, mas seus traços fortes tinham uma certa atração. Estava impecavelmente vestido, com um terno de listras finas, azul-marinho o casaco aberto, mostrando o colete, e as calças modelando pernas firmes e musculosas.
Naqueles primeiros momentos Charlotte sentiu uma profunda dúvida. Aquele não podia ser Alex Faulkner! Nenhum homem que tivesse esta aparência, que tivesse esta soberba auto-suficiência, que tivesse olhos que conseguissem penetrar até o fundo de seu ser, poderia seriamente pensar em comprar para si uma esposa! Poderia?
Controlando-se com dificuldade, percebeu que ele estava esperando que ela falasse. Laura também o observava com curiosidade e Charlotte sentiu um calor subindo da garganta para o rosto. Oh, sim, este devia ser Alex Faulkner. Este era um tipo de coisa que faria para desconcertá-la.
— Eu. O senhor é o senhor Faulkner? — perguntou Charlotte friamente.
— Isto mesmo — seus olhos brilhavam insolentemente — e você deve ser Charlotte.
Charlotte! A indignação de Charlotte aumentou. Por alguns mo­mentos ela tinha permitido que sua aparência a descontrolasse, e agora ele pensava estar levando vantagem! Mas estava enganado. Este ainda era o homem que tinha forçado seu pai a assinar o contra­to, que tinha levado seu pai à morte! A amargura ressurgiu nela.
— O que o senhor está fazendo aqui, senhor Faulkner?
— Uma pergunta desnecessária, não acha? Desde que você pediu para me ver. — Então voltou-se para Laura: — Você pode ir. Quero falar com a senhorita Mortimer a sós.
— Eu dispensarei Laura quando achar necessário — exclamou Charlotte muito irritada, segurando o braço da mulher.
— Se prefere discutir nossos problemas na frente de sua emprega­da está muito bem para mim — disse com ligeira inclinação de cabeça. — Mas não acha que ela poderia achar um pouco embaraçoso?
Charlotte apertou os lábios frustradamente. Depois inclinou a cabeça, desconsolada. Largando o braço da criada ordenou a Laura que se retirasse. Laura saiu indecisa em direção à porta da sala. En­tão Alex Faulkner, dirigindo-se a ela, disse:
— Laura, é este seu nome, não? Traga para nós um pouco de café. Assim você poderá se assegurar de que não sou um maníaco ou coisa pior...
Laura abriu a boca de espanto, mas não disse nada, enquanto Charlotte com um gesto indicava que ela devia fazer o que o homem dissera. Assim, ficaram sozinhos, e o coração de Charlotte não parava de bater descompassadamente. Alex Faulkner voltou-se e olhou para ela, depois apontou para a porta:
— Vamos entrar? — sugeriu friamente. — Espero que você não queira que alguém ouça o que vamos dizer.
— Você quer dizer que você não quer que a conversa seja ouvida? — retrucou Charlotte impetuosamente, expressando no rosto toda a sua raiva.
— Minha querida Charlotte, se você quiser discutir os negócios de seu pai aqui mesmo, não faço a menor objeção.
Charlotte olhou em volta apreensivamente. Embora sua voz fosse grave, era muito clara, mas, mesmo assim, tinha falado um pouco mais alto de propósito.
— Oh, entre — exclamou Charlotte, zangada, e passou apressada por ele em direção ao salão.
Ele a seguiu vagarosamente, olhando em volta com evidente interesse, e a moça, incapaz de controlar-se, disse ironicamente:
— Avaliando sua propriedade? Acho que ela vale um bom dinheiro nos dias de hoje.
— Ah, você então decidiu vender? — perguntou Alex calmamente, fechando a porta e encostando-se.
— Eu decidi? Não é melhor dizer que você decidiu?
— Não — respondeu Alex abanando a cabeça. — Esta casa é sua, assim como a companhia. Elas não têm valor para mim.
— O que está querendo dizer? — perguntou Charlotte com os olhos pregados nele.
— Exatamente o que ouviu. Para que eu haveria de querer mais uma casa em Londres? Mas eu acharia melhor que você vendesse a companhia. Poderia sempre investir o dinheiro em outra coisa. Penso que as ações Faulkner seriam um bom negócio.
— O que quer dizer com isto? Do que está falando? — e Charlotte sentia que o pânico tomava conta dela. — Você sabe que tudo isto é seu!
— Não. Tudo isto é seu. Você é que é minha!
— Não pode estar falando sério! — exclamou Charlotte com um riso histérico.
— Espero não começar a discutir tudo outra vez. Pensei que seu advogado tivesse deixado tudo muito claro — disse Alex com expressão carregada.
— Muito claro? Muito claro? — Charlotte estava quase sem fôlego. — Eu não vou casar com você! Eu... Eu não conheço você! E além de tudo, eu nunca me casaria com quem levou meu pai a se matar!
— Ah! Então acabou descobrindo! — respondeu, enquanto colocava as mãos nos bolsos do casaco.
— O que significa "acabou descobrindo"?
— Que a morte de seu pai não foi um acidente, naturalmente.
— Então você consegue ficar aqui em minha frente e me dizer friamente que meu pai se suicidou, sabendo muito bem que foi diretamente responsável...
— Eu não fui diretamente responsável — interrompeu ele, com frieza. — Será que seu pai era uma máquina? Um autômato controlado por manipuladores? Não! Ele não era! Era um indivíduo livre que podia pensar por si. O jogo era para ele uma segunda natureza.
— Não!
— ... e as apostas não eram nunca bastante altas para ele!
— Por que diz isto?
— Não tem importância. — Respirou profundamente e continuou — Então, como eu dizia, ele escolheu o jogo. Sabia das regras, tão bem como todo mundo.
— Oh, isto é muito fácil para você dizer, não é? — e os seios de Charlotte arfavam. — Será que todos os assassinos se desculpam com esta facilidade?
— Não sou um assassino. Não escolhi os termos.
— O que está querendo dizer?
— Como todos os viciados, seu pai necessitava sempre de mais uma rodada, mais uma chance de ganhar. Ele já não tinha mais na­da, por isto ele apostou você!
— Eu não acredito em você!
— Nunca esperei mesmo que acreditasse. Entretanto, quando me conhecer melhor, vai perceber que não costumo falar mentiras. Nem faço declarações que não posso manter. Você me pertence, Charlotte, goste ou não goste, e vai casar comigo.
— Mas por quê? Por que eu? — A testa e as mãos de Charlotte estavam úmidas, e ela podia sentir um suor frio escorrendo atrás de seu pescoço. — Será que eu sou tão desejável? Ou você é daquele tipo que gosta de menininhas?
Se ela pensava que conseguiria provocar a raiva dele, ficou desapontada. Um ligeiro sorriso irônico aflorou nos lábios de Alex, e tardiamente ela percebeu o que o Sr. Falstaff havia querido dizer sobre enfrentar este homem.
— Não tenho preferência — respondeu ele, olhando-a de tal maneira que aumentou a insegurança de Charlotte. — Desde que não seja repulsiva e tenha condições de dar à luz uma criança, eu não tenho objeções.
— Você... Você está dizendo... — gaguejou a jovem — que está pronto para fazer amor com qualquer mulher só para ter um filho?
— Oh, não, não qualquer mulher. Você me pareceu muito convincente. Mas dificilmente eu chamaria "fazer amor" ao que vamos fazer.
— Mas deve haver dúzias de mulheres que agarrariam esta oportunidade... — começou Charlotte a dizer, espantada com o cinismo dele.
— Você me lisonjeia! Entretanto, as mulheres que agarrariam esta oportunidade não são as que eu escolheria para uma delas ser a mãe de meu filho.
— Como sabe que tipo de mulher eu sou?
— O próprio fato de você estar se rebelando contra seu destino mostra certa independência de caráter. E eu gosto disto.
— Então... Se eu tivesse me atirado em seus braços — falou um pouco ressentida — você teria mudado de idéia?
— Estas perguntas hipotéticas não merecem respostas. Estamos perdendo tempo. Há alguma coisa que deseja me perguntar?
— Eu... eu...
Charlotte ainda estava com os olhos pregados nele, quando Laura bateu na porta que ficara aberta. Alex voltou-se, viu a mulher esperando, indicou com um gesto a mesinha ao lado do sofá, para que ela colocasse a bandeja.
— Mais alguma coisa, Charley? — Laura olhava ansiosamente para a moça, que mal parecia perceber sua presença. Charlotte ouviu es­sas palavras como se viessem de muito longe, e depois, penosamente, respondeu:
— Desculpe, Laura. Não. Não. Está tudo bem, obrigada.
— A que horas quer o almoço? — perguntou Laura, obviamente relutante em deixar os dois sozinhos, mas Alex respondeu com voz muito firme:
— A senhorita Mortimer não vai almoçar em casa.
— Não vai almoçar? Está certo, Charley?
Charlotte balançou a cabeça, tentando afastar a impressão de ir­realidade que a tinha envolvido com incrível rapidez, desde a chega­da de Alex. Então, encarando-o como uma sonâmbula, respondeu:
— Eu... O quê? Eu não sei, Laura. Vou almoçar fora?
— Sim, vamos almoçar em meu apartamento — respondeu Alex, ignorando os protestos de Laura. — Oh, a propósito — lançou um breve olhar a Charlotte e depois se dirigiu à empregada: — A senhorita Mortimer vai se casar nos próximos dias. Ela poderá desejar que você fique aqui, se decidir não vender a casa. Em todo o caso, ela lhe avisará.
— O quê? O que é isto? — Laura olhava incrédula para a jovem que ela conhecia tão bem, fazia cinco anos. — Isto é verdade, Charley? E por que não me falou nada?
— Não é assim tão simples, Laura. — Charlotte lançou um olhar furioso para Alex. — Nada está ainda decidido. Nada está devidamente preparado.
— Bem ao contrário, tudo já está preparado — retrucou Alex suavemente. — Sua... Hum... patroa está um pouco confusa, é só isto.
— Oh, você... — mas Charlotte voltou atrás no que ia dizer, pois uma negativa a esta altura poderia ter consequências. Realmente tu­do aquilo era realidade, e ele na verdade esperava que ela levasse adiante o que lhe fora dito. O momento da decisão tinha chegado!
Laura esperou que Charlotte continuasse, mas, diante de seu silêncio, acrescentou muito apreensiva:
— Charley, não consigo entender o que está havendo. Você nunca me disse uma palavra — e olhando Alex de alto a baixo, continuou: — Eu nunca vi este homem antes e não acredito que você também o tenha visto.
Charlotte estava quase sem forças e para ela foi um alivio quando Alex deu uma explicação:
— Nós temos... nos correspondido. Sabe? Amigos por correspondência, este tipo de coisa. O pai da senhorita Mortimer estava a par de tudo. Ele, ele... aprovaria.
Charlotte agarrou os pulsos e ficou de costas para Laura, pois não podia enfrentar o olhar acusador da criada. Era evidente que não tinha acreditado na história de Alex, mas também não tinha nenhuma prova em contrário. Além disto, mais cedo ou mais tarde, teria que acreditar. Seria um fato irremediável!
Após dispensar a criada, Alex voltou-se para a bandeja de café e falou muito friamente:
— Gosto de meu café puro, com açúcar, duas colheres. É melhor começar a aprender seus deveres de esposa aqui e agora.
— Você realmente espera que eu vá adiante nisto tudo, não? — perguntou enquanto afundava no sofá, muito assustada.
— Eu sei que vai — respondeu ele, sentando-se na poltrona em frente.
Charlotte tomou o café sem sentir o gosto. Depois, levantou-se, seguida por ele. Olhou então para Alex apreensivamente e disse que precisava trocar de roupa.
— Muito bem, eu espero aqui — e sentando-se novamente acrescentou: — Não se demore muito!
Charlotte não respondeu nada, os lábios apertados, e ao sair da sala bateu a porta. No hall, respirou profundamente. Queria desesperadamente fugir, livrar-se daquela situação que estava tomando rumo contrário à sua vontade. O que ele faria se ela desaparecesse? Contrataria detetives para encontrá-la, sem dúvida. Onde, no mundo ela estaria livre de um homem como ele? Não havia resposta pa­ra isto!
Laura pôs a cabeça para fora da cozinha. Tinha ouvido a porta bater e quando viu Charlotte veio decididamente ao seu encontro.
— O que este homem está fazendo aqui? — sussurrou a emprega­da, com certo descaso. — O que está acontecendo? Não acredito que ele conhecia seu pai!
— Ah, conhecia sim! — confirmou Charlotte muito preocupada, percebendo que não podia confiar nem em Laura. Se ela precisasse mesmo levar esta história adiante, ninguém precisaria saber a que custo. Ela não poderia aguentar a piedade dos outros, além de tudo. De algum modo iria em frente, embora ele não fosse encontrar o caminho tão fácil quanto provavelmente imaginara.
— E você está mesmo pensando em se casar com ele? — perguntou Laura espantadíssima.
— Sim — o tom de voz de Charlotte era apático.
— E o que vai acontecer comigo? Você vai vender a casa?
— Não, não! — respondeu Charlotte abanando a cabeça. — Eu acho que não, Laura, você não deve se preocupar, de qualquer modo. Vou providenciar para que você fique protegida. Você, Jessy e Billy. Eu, bem, é bem possível que eu conserve esta casa. Quer dizer, tal­vez seja conveniente conservar a casa. Você poderia ficar como uma espécie de... caseira, se quiser. Eu lhe pagarei, naturalmente.
— Aí tem mais coisa do que parece — exclamou Laura cruzando os braços. — Charley, você sabe muito bem disto. Eu não nasci ontem, menina. Não sou tão verde assim!
Laura — disse ela —, eu disse a verdade. O que mais quer que eu diga?
— Muito bem, faça o que quiser. Só que eu nunca pensei que iria chegar o dia em que a minha pequena Charley iria me pregar mentiras!
— Não são mentiras, Laura — disse Charlotte abrindo os braços —, juro por Deus, não vou para um harém ou coisa parecida. Ele — e apontou com o polegar — quer se casar comigo. O que há de tão estranho? Será que sou assim tão sem graça?
— Você está me embrulhando de propósito, Charley. Você sabe que é a moça mais bonita que conheço. Você vai ser feliz, querida? Este homem é cheio de dinheiro? Ele vai tratar você bem?
— Eu... Espero que sim — e baixou a cabeça para que Laura não visse as lágrimas em seus olhos. — Agora me deixe, preciso trocar de roupa.
Charlotte estava consciente do olhar de reprovação de Laura acompanhando-a enquanto subia a escada, mas não havia mais na­da a dizer para diminuir sua preocupação. E depois ela não podia pôr fim às preocupações de Laura, já que tinha bastante com que se preocupar.
O carro estava à espera de Alex Faulkner, era um Mercedes, com motorista, e um outro homem estava sentado ao lado do motorista e ambos saíram do carro quando eles se aproximaram.
— Vittorio Santos, meu motorista — apresentou Alex. — E seu irmão, Dimitrios, meu... guarda-costas.
Um guarda-costas! Quando o luxuoso carro se pôs em movimento, Charlotte lançou um rápido olhar para o homem que se sentava tão displicentemente a seu lado, no banco traseiro, tão largo que entre eles devia ter no mínimo uns sessenta centímetros. Até aí ela não havia pensado na possibilidade deste homem ser alvo de sequestradores inesperados, interessados em um resgate. E... quando... ela se tornasse sua esposa? Será que também precisaria de um guarda-costas?
Sua esposa! Estas palavras eram impressionantes! Senhora Faulkner! Não parecia real. Não para ela. E então outros pensamentos mais íntimos vieram à sua mente. Ser a esposa deste homem significava submeter-se a todas as suas vontades. Ele teria o direito de compartilhar sua cama, fazer amor com ela sempre que quisesse, negar a ela o menor desejo de independência.
Ela sentiu o corpo tremer. As intimidades entre homem e mulher eram ainda, para ela, completamente desconhecidas. Tinha ouvido suas colegas no dormitório da escola fazerem confidências. Além disso, tivera aulas de biologia, nas quais o ato sexual fora explicado com detalhes. Mas o que era uma coisa contada ou lida em comparação com a experiência real? Embora tivesse tido alguns namorados e tivesse chegado a beijá-los e a consentir em pequenos carinhos, nunca tinha sentido a necessidade de ir mais além. A simples idéia do contato físico mais íntimo lhe parecia levemente indecente. Imaginar este homem, este estranho, olhando para ela despida. Encolheu-se um pouco mais em seu canto. Se tivesse que chegar a fazer aquilo, e imaginava que algum dia isto iria acontecer, só o faria vestida de pijama ou com uma camisola e debaixo das cobertas.
Ao chegar ao apartamento de Alex, esqueceu temporariamente suas preocupações, admirada com o tamanho e o luxo das salas.
Um senhor idoso recebeu-os. Alex apresentou-o: Potter, e logo ficou evidente que morava lá, cozinhando para o patrão se necessário, apesar de existir um ótimo restaurante no andar térreo do prédio, e tomando conta da casa em sua ausência. Alex apresentou Charlotte como sua noiva, para grande surpresa da moça, e foi Potter quem perguntou se ela gostaria de ver o apartamento.
Para seu alívio, Alex disse que tinha que dar alguns telefonemas, desaparecendo em um aposento, que Potter informou ser seu escritório. Então, Charlotte, em sua companhia, foi conhecer a casa. O apartamento era bonito, mas isto era tudo. Não passava de uma casca, que só ocasionalmente abrigava seu ocupante!
Voltou ao salão sozinha, pois Potter a deixou, dizendo que precisava ir até a cozinha. Encontrou Alex no salão recostado confortavelmente em um sofá, examinando alguns papéis que tinha retirado de uma pasta. Mas, quando Charlotte entrou, Alex imediatamente pôs os papéis de lado e se levantou.
— Mandei servir o almoço — disse Alex, calmamente.
— Acho que não vou conseguir comer nada — respondeu Charlot­te muito tensa.
— Bobagem! — disse Alex, e encolheu seus largos ombros. — Comida pode ser um prazer, assim como uma necessidade, e o restaurante aqui é de primeira qualidade. Suas roupas mostram que você emagreceu consideravelmente. Quem sabe podemos comprar outras mais adequadas esta tarde.
— O que há de errado com o que estou vestindo? — perguntou ressentida, olhando para o vestido azul-marinho, que ela tinha usa­do para o funeral de seu pai... Fique sabendo que esta roupa foi desenhada por mim e feita na butique onde eu... Onde eu trabalhava... Antes.
— Você não está trabalhando desde a morte de seu pai — declarou Alex calmamente, revelando um conhecimento de sua vida maior do que ela imaginara. — E muitas das roupas vendidas lá são ordinárias e muito mal-acabadas.
Charlotte reteve a respiração. Depois exclamou:
— Você não entende disto.
— Pois lhe asseguro que entendo. Além disto, este tom de azul-escuro não fica bem para você. Azul-real ficaria muito melhor!
— Você... você andou me espionando?
— Não. Pessoalmente não. Deixei meus binóculos na Grécia.
— Não fale comigo como se eu fosse uma boba — reclamou Charlotte. — Bem, você mandou alguém me vigiar?
— Na minha posição — falou Alex pacientemente — é necessário investigar todas as pessoas com quem entro em contato...
— Oh, Deus, mas é terrível!
— Mas necessário, eu lhe garanto!
— Eu nunca poderia ser assim — disse, mordendo os lábios.
— Talvez um dia você tenha que ser — replicou ele calmamente. Depois, ao ouvir o som de uma campainha, acrescentou: — Parece que é o almoço.
Almoçaram no salão, em uma mesa de armar mandada pelo restaurante, sentados perto das janelas. Durante a refeição, Alex falou de assuntos variados e Charlotte respondia por monossílabos. Mas ela foi se acalmando e pôde apreciar pelo menos parte da refeição, o que, desconfiou, era justamente o que Alex pretendia. Depois de um caldo de legumes foi servido rosbife e, para terminar, mousse de chocolate. Alex sorriu quando Charlotte recusou a sobremesa e serviu-se de mais uma.
— Você me desculpe — disse Alex enquanto derramava cuidadosamente o creme de leite por cima —, mas esta mousse sempre foi minha sobremesa favorita e é minha grande fraqueza quando estou de passagem por Londres.
— Acredito que você tenha um provador profissional — comentou Charlotte.
— Talvez eu vá mesmo precisar de um — respondeu secamente. — Você é tão venenosa quanto aparenta?
— Bem... — suspirou Charlotte desanimada — investigadores profissionais, guarda-costas! Isto é arcaico! Estou admirada de que também não morem no apartamento.
— Mas eles moram — replicou Alex.
— Como... Se nós os deixamos lá embaixo!
— Não queria assustar você — respondeu, tomando o último gole de vinho e levantando-se da mesa, enquanto limpava a boca com o guardanapo. — Achei melhor que fosse se acostumando aos poucos com os costumes.
— Aos poucos! Aos poucos! — Charlotte encarou-o furiosa. — E você acha que obrigar uma pessoa a se casar repentinamente é "aos poucos"?
— Eu queria sugerir que começasse a aceitar a situação e pesasse o aspecto vantajoso que ela lhe oferece. — Disse Alex, levantando-se.
— Aspecto vantajoso? Qual? — Depois, voltou à mesa onde ela ainda estava sentada, segurando o copo nas mãos.
— Vamos falar sobre Lidros, hein? — Calou-se um minuto. De­pois prosseguiu: — É uma ilha a aproximadamente oitenta quilômetros do continente da Grécia, no arquipélago das Cidades. Nós temos sorte em Lidros. Há bastante água e podemos plantar muita coisa para comer. O velho Spiro Santos, pai daqueles dois irmãos e também meu empregado, faz um vinho rico e doce, como as uvas do qual é extraído.
— Realmente não estou interessada — retorquiu Charlotte, e Alex sorriu calmamente, de um jeito que enfurecia Charlotte a ponto de ter vontade de esbofeteá-lo.
— Mas vai ficar — assegurou. — Você estará vivendo lá em pouco menos de duas semanas. Vou ter que viajar para Nova Iorque amanhã. Ficarei fora uns dez dias. Espero estar de volta à Inglaterra no dia 14 e nos casaremos no dia 15.
— Mas por quê? — Charlotte mal podia falar. Parecia estar com a alma na garganta, o pânico tomando conta dela. — Não há nada que eu possa dizer, nada que eu possa fazer para você mudar de idéia?
— Não — e sua expressão endureceu. — Você só tem uma escolha: casar comigo e me dar um filho, e possivelmente em um ano eu a deixarei livre. Se me negar este direito não serei responsável pelas consequências!
— Você é... você é um animal, um bruto! Desumano!
— Por quê? Por que estou obrigando você a honrar o compromisso de seu pai?
— Não. Não, porque... bem, porque você não precisa fazer isto. Você poderia encontrar outra mulher igualmente aceitável.
— Por que eu iria me preocupar com isto se já tenho você? — E levantou o queixo de Charlotte com a mão, mas ela esquivou-se. — Não fique assustada. Não vou incomodar você muitas vezes. Somente o tempo necessário.
— Mas... e se eu não... e se nós não pudermos... — sua voz sumiu e sua face ficou ruborizada.
— Está tudo arrumado — respondeu ele deixando cair a mão. — Enquanto eu estiver em Nova Iorque, você fará certos... testes. Eu já fiz os meus.
— Você quer dizer... quer dizer, para ver se eu posso...
— Sim.
— Bem, espero que eu não possa! — exclamou Charlotte com uma expressão horrorizada.
— Não tente fazer que eu verifique por mim mesmo, Charlotte. Como minha esposa você terá certos direitos. Como minha amante, não terá absolutamente nenhum.
Mas... Mas eu não sei nada sobre você!
— O que quer saber? Não me recusei a responder a nenhuma pergunta. Tenho quase quarenta anos, sou quase um velho. Imagino que é isto o que você acha — e acrescentou rapidamente: — Meu pai foi assassinado por terroristas quando eu tinha 24 anos e minha mãe morreu pouco tempo depois.
Charlotte disfarçou o choque que a informação dessa morte lhe causou. Até então as precauções que ele tomava lhe pareciam um tanto dramáticas e ridículas. Mas de repente viu que não era assim, e sentiu-se envergonhada de ter pensado isso.
— Sou meio inglês, meio grego — continuou. — Minha avó, do lado de meu pai, nasceu na Macedônia oriental. Ainda vive e mora comigo em Lidros.
— E vai continuar morando? — perguntou Charlotte não muito à vontade.
— Você quer dizer, depois de nosso casamento? Sim. Mas não se assuste, ela não mora em minha casa. Tem sua própria casa, do outro lado da ilha.
Charlotte estremeceu, mas não havia nada a fazer. A realidade daquilo tudo estava gradualmente tomando conta dela.
— A ilha... É grande? — perguntou em voz baixa, não querendo se aprofundar na idéia de ter que encontrar a avó.
— Não, não é muito grande. É uma ilha muito bonita. Cresci lá. Quando era menino, aprendi a nadar e a pescar naquelas praias. Explorava as cavernas e uma vez fiquei encurralado com a subida da maré. Spiro teve que vir de barco para me salvar. Meu pai me ensinou a velejar. Ele me comprou um barquinho e eu costumava lutar horas para voltar para terra quando o vento mudava. — Seu sorriso não era irônico agora. — Existem poucas pessoas na ilha, os Yannis, os Philippis e os Santos. Não somos incomodados por turistas e a costa escarpada evita que barcos maiores cheguem à praia. É muito quente, muito claro... muito bonito. O mar tem uma cor inacreditável, e é sempre quente e calmo. À noite, o único som que se ouve é o das cigarras. Uma vez ou outra, mas muito raramente, elas se calam e o silêncio é profundo.
Durante esses momentos, como ele olhasse para ela, Charlotte sentiu toda a força de seu amor pela ilha, e uma luz apareceu acender-se dentro dela. Nunca tinha estado na Grécia, nunca tinha ido mais longe do que à Bretanha no verão e à Suíça no inverno.
Então ele se moveu e todo o encanto entrevisto desapareceu. Seus olhos percorreram seu corpo musculoso e rijo e uma terrível apatia tomou conta dela. Para ver e experimentar as delícias da ilha teria que aceitar o que este homem quisesse fazer com ela. Ela nunca ha­via se entregado a ninguém antes, muito menos com um homem, e imaginar-se compartilhando o mesmo leito com ele era difícil de aceitar. Mesmo assim, se ela conseguisse suportar a humilhação de se sentir usada, ela teria ainda mais nove meses pela frente, o tempo certo de gravidez, seguida das agonias do parto, antes que pudesse finalmente escapar.

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