Capítulo XI

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Tanto janeiro como fevereiro eram meses chuvosos, e os ventos que vinham de noroeste varriam a ilha, provocando uma baixa de temperatura maior do que o habitual, para esta época do ano. A chu­va não caía como em Londres, dias seguidos, mas caia em torrentes que podiam ensopar uma pessoa em segundos. A água escorria dos telhados, os riachos transbordavam e os caminhos estavam cheios de lama. A ilha parecia diferente debaixo daquele aguaceiro, mas Charlotte tinha aprendido a gostar dela sob qualquer aspecto. Ela dava uma caminhada todos os dias, exercitando a cadelinha cocker, a que deu o nome de Suki. Seu afeto desinteressado pela cadelinha era uma válvula de escape para a emoção contida de Charlotte, e suas brincadeiras uma fonte constante de divertimento.
Charlotte passava agora a maior parte de seu tempo dentro ou próximo da casa. Desde a partida de Alex tinha visto Eleni raras vezes e sabia que a velha senhora a culpava pelo fracasso de seu ca­samento. Nas raras ocasiões em que Charlotte fez a caminhada pela ilha tinha percebido a censura nos olhos de Eleni, esfriando assim o relacionamento entre ambas. Charlotte sentiu muito, pois real­mente gostava da velha senhora. Mas talvez ela estivesse certa. Não havia sentido um envolvimento maior quando dentro de alguns meses, no máximo, ela estaria deixando a ilha para sempre.
Os piores momentos eram à noite, quando vagueava pelos corredo­res da casa, temendo a hora em que devia ir para a cama. Dr. Leonides, o médico da família Faulkner, fazia agora visitas periódicas pa­ra verificar o seu estado e tinha lhe dado pílulas para dormir. Mas algo dentro dela rejeitava esses sedativos artificiais e ela preferia fi­car lendo até a madrugada, quando adormecia exausta, muitas ve­zes ainda com o livro entre as mãos. Maria desaprovava estes hábi­tos, mas nada podia fazer.
Apesar de tudo, a saúde de Charlotte era boa. Comia porque preci­sava, fazia exercícios e, embora estivesse ganhando peso, estava engordando somente nos lugares certos. Charlotte tinha a impressão de estar sonhando ao ver seu ventre crescer daquele jeito. Não acre­ditava que fosse ter um filho! Então a criança mexeu e ela não mais questionou o fato.
Havia horas em que sentia saudade intolerável de Alex. Embora tentasse evitar, sua imagem não saía de seus pensamentos, o que não era absurdo, dentro das circunstâncias. Estava vivendo em sua casa, em sua ilha. Como poderia esquecer, perguntava a si mesma, com amargura. Dormindo na mesma cama onde ele tinha revelado a ela sua própria e íntima natureza emocional.
Entretanto, suspeitava que onde quer que fosse seus sentimentos seriam os mesmos. Particularmente depois que o bebê começou a se mexer e a despertar para a sua própria vida, dentro dela.
Lá pelo fim de março, quando os ventos estavam mais fracos e a ilha começava a desabrochar com todas as flores da primavera, recebeu uma visita. De tempos em tempos Vittorio ou Dimitrios apareciam para verificar se tudo estava em ordem e trazer notícias de Alex e de suas viagens. Mas aparentava calma, sentada no terra­ço quando o helicóptero baixou. Não escondeu seu desapontamento ao ver George sair do aparelho.
Estava inconsciente de sua mudança até o comentário de George. Em três meses sua pele estava mais viçosa, os cabelos mais brilhan­tes e uma generosa camada de carne cobria seu corpo. A bata leve que usava com uma calça jeans mal escondia sua barriga, mas Geor­ge comentou que nunca a vira tão bonita.
Depois que Tina serviu chocolate e que Charlotte lhe assegurou que tudo ia bem com ela, perguntou, muito preocupada:
— Por que você veio, George? Alguma coisa não vai bem?
— Eu podia interpretar mal a sua pergunta, sabe? — respondeu George evasivamente. — Será que não sou bem-vindo aqui?
— Você sabe muito bem que é. É... é maravilhoso ver uma cara nova depois de semanas aqui sozinha. Mas...
— Quer saber como vai Alex?
— É lógico! — sua resposta revelava todo o seu ímpeto.
— Alex... bem, ele está em Londres — falou depois de alguma hesitação. Ele não está doente se é isto o que você quer dizer.
— O que você está querendo dizer? — perguntou Charlotte preo­cupada.
— Quero dizer que não estou muito satisfeito com o que está acontecendo com ele.
— Continue — pediu Charlotte agitada.
— Acho que está trabalhando demais. E não há necessidade dis­so. Ele sempre emprega homens para se preocuparem por ele, mas acaba querendo fazer tudo sozinho. Não está comendo uma comida saudável e não sei quando descansa. E ele parece estar... bem, pa­rece estar exausto.
— Por que está me dizendo tudo isso? — perguntou Charlotte, que a esta altura tinha se levantado e andava agitadamente pelo pá­tio. — Por que não diz tudo isso a Alex?
— E você acha que eu não disse?
— Ele sabe que você está aqui?
— Sim. Ele quer notícias suas de primeira mão.
— Mas... ele não pediu que você me dissesse tudo isto, pediu?
— O que você acha?
— Então por que me contou tudo? — perguntou, voltando para sua cadeira.
— Você poderia pedir-lhe para voltar — replicou George calma­mente.
— Para cá? — perguntou Charlotte, enrubescendo.
— Para onde mais? Aqui é o único lugar onde ele se acalma. Sem telefones, sem qualquer tipo de comunicação. Ele precisa disto, Charlotte. Alguma coisa o está atormentando e desconfio que é você.
Charlotte torcia as mãos. Depois tomou fôlego e falou:
— George, Alex não liga para mim. Eu não sei o que lhe contou sobre a razão do nosso casamento, mas... bem, não foi uma união por amor.
— Sei exatamente por que vocês se casaram — falou George com firmeza. — Eu também conheci seu pai.
— Então pode entender como me sinto.
— De certo modo. Mas você não sabe a verdade toda, sabe? Ou poderia entender melhor Alex.
— O que quer dizer? A verdade toda? É lógico que eu conheço a verdade toda. Ou não estaria aqui!
— Estou duvidando — respondeu George, franzindo as sobrance­lhas — que você saiba a verdade toda. Alex não é deste tipo de homem. Ele não lhe contaria. É muito... orgulhoso.
— De que está falando? — perguntou Charlotte muito agitada. — O que eu não sei?
— Você conhecia seu pai muito bem?
— Se conhecia meu pai muito bem? Como uma filha conhece o pai muito bem?
— Estou falando sério. Você ficava no colégio a maior parte do tempo, não é? Você não poderia, muito provavelmente, saber de seu vício de jogo, poderia?
— Não acredito que meu pai fosse um jogador — falou, muito tensamente. — Ele jogava cartas, sim. E tinha azar. Mas existem
milhares de pessoas assim. E elas não pagam suas dívidas com suas vidas!
— Oh, sim, se isto é como você pensa.
— George, George, você não pode começar a falar numa coisa des­ta e depois encerrar o assunto. Se sabe alguma coisa sobre meu pai que eu ainda não saiba, deveria me contar!
— Acreditaria em mim? Você não acreditou em Alex, não foi?
— Alex queria alguém para lhe dar um filho, com um mínimo de esforço!
— Se você acreditasse nisso, Charlotte, se você realmente acredi­ta nisto... Bem, então eu tenho muita pena de você, Charlotte, real­mente tenho. E tenho pena de Alex também. Tinha pensado que vo­cê tinha percebido que espécie de homem é seu marido.
— Pois então me diga!
— Não. Não tenho o direito de explicar as ações de Alex. Ele não me agradeceria por isso. Mas, algum dia, acho que você deveria en­trar em contato com seus advogados em Londres e lhes perguntar o que aconteceu oito anos atrás.
As semanas após a partida de George foram as mais longas da vida de Charlotte. A despeito do que lhe tinha dito, não podia acreditar que a saúde de Alex tinha alguma coisa a ver com ela. Se estava se esforçando demais era porque assim o queria e se pensava nela, às vezes, deveria estar com um certo grau de impaciência por ela lhe ter negado o direito de usar sua ilha.
Mas assim mesmo, preocupava-se com ele, e esperava impaciente pela próxima viagem de Vittorio, a fim de saber notícias de Alex.
Com relação à sugestão de George, sobre entrar em contato com o senhor Falstaff, seu advogado, não estava muito decidida. Como poderia escrever e pedir esclarecimentos sobre uma declaração tão esquisita? A única coisa importante que tinha acontecido naquela época fora a morte de sua mãe e seu pai certamente não tinha nada a ver com isso. A não ser que... a não ser que a morte de sua mãe o tivesse abalado tanto que o tivesse levado a jogar desesperadamente, o que tinha finalmente resultado em sua própria morte.
Iria com certeza conversar com o senhor Falstaff sobre o assunto quando voltasse a Londres, mas achava que não devia pedir explica­ções dessa natureza numa carta.
O tempo estava cada vez mais quente, e agora ela podia passar horas deitada ao sol. Sua pele estava bronzeada e não mais sofria com o calor de seus raios. Chegou até a usar uma roupa de banho, quando estava certa de que ninguém poderia vê-la, embora sua ima­gem ao espelho não lhe desse muito prazer. O bebê estava muito ativo, agora, mantendo-a acordada noites com seus pontapés e murros. Mas também era muito mais real, e ela não se sentia tão sozinha. Uma tarde, no começo de maio, achou que deveria fazer um esfor­ço e visitar Eleni. Não tinha tido mais notícias dela, desde a visita de George. Não tinha mais sabido nada de Vittorio, e pensava, de­sesperada, se Eleni tinha algum contato com Alex.
Há muitas semanas não fazia tão longa caminhada e agradecia à brisa por lhe refrescar o rosto, evitando assim que sentisse muito calor. Eleni estava cuidando do jardim, e ficou muito assustada quando viu a esposa de seu neto.
— Charlotte, você não devia andar a pé até aqui em seu estado. Charlotte suspirou e chamando Suki a prendeu na corrente, do lado de fora da casa; depois respondeu, acompanhando Eleni para dentro de casa:
— Estou muito bem, yaya. E, depois, o exercício me faz bem!
Eleni não respondeu e indicou um lugar para que ela se sentasse, chamando depois Betina e pedindo um suco de laranja gelado. En­tão, depois de se sentar, falou:
— Estava pretendendo visitar você por estes dias. Dentro de três semanas o doutor e a enfermeira vão chegar, não é?
— Acredito que sim — concordou Charlotte. Ela estremeceu, ape­sar do calor. O parto estava agora muito próximo, e não tinha nin­guém em quem se apoiar, ninguém a quem confiar seus naturais re­ceios e ansiedades.
— Alex estará aqui quando a criança nascer? — perguntou.
— Não sei. Será que vai estar?
— Certamente você vai querer que ele esteja a seu lado. Posso en­tender, ou pelo menos procurar entender sua surpresa ao saber que ia ser mãe. Alex nos contou como você se sentia, que era muito jo­vem, e que ele foi descuidado. Mas receia não poder perdoar seu pro­cedimento nestes últimos meses.
Charlotte nada respondeu. Então era isto o que Alex havia dito a seus parentes, que ela se revoltava por estar grávida! Bem, é uma razão tão boa quanto qualquer outra.
— A senhora tem... tem sabido de Alex? — perguntou e o olhar de Eleni não era agradável quando respondeu.
— Não, nada. Nem uma palavra desde que George voltou. Pelo jeito você também não recebeu nenhuma notícia.
— Eu... George me disse que Alex estava trabalhando demais. Fiquei pensando se ele tinha falado também com a senhora.
— Conheço meu neto, Charlotte. Ele está trabalhando demais por que está infeliz. E você é a causa da infelicidade dele!
— Não — interrompeu Charlotte, que queria protestar.
— Deixe-me terminar! Quando ele me contou que ia se casar eu fiquei encantada. Desde a morte de seus pais que ele tem vivido mui­to sozinho. Tive minhas dúvidas quando soube como era jovem, mas era óbvio que Alex estava apaixonado por você, senão, por que teria esperado tanto tempo?
— Esperado tanto tempo? — Charlotte estava completamente confusa. — O que quer dizer com isto?
— Não quero mais falar nisto. Me deixa muito zangada — excla­mou Eleni. — Aqui está Betina com nosso suco de laranja. Vamos falar de coisas menos irritantes.
Charlotte recusou a oferta de Eleni para que Yanni a levasse para casa. A idéia de sacolejar dentro da charrete não a agradou muito e o ar mais fresco da tarde era muito revigorante.
Enquanto caminhava, com Suki correndo à sua frente, lembrou do que Eleni dissera. O que a avó de Alex tinha em mente quando falara dele ter esperado tanto tempo? Só podia ser por ele demorar tanto para escolher uma esposa. E o que mais poderia ser, afinal? Ela nem ao menos tinha ouvido falar no nome de Alex Faulkner, oito meses atrás!
Charlotte estava exausta ao chegar em casa e, recusando o chá que Maria lhe ofereceu, foi diretamente para o quarto. Foi maravi­lhoso tirar as sandálias e recostar-se nos travesseiros macios, sentin­do os músculos doloridos das costas começarem a relaxar. As som­bras do sol se alongavam no quarto e ela fechou os olhos, caindo ime­diatamente num sono pesado.
Quando acordou já era noite, e sentia uma dor desagradável num ponto de suas costas. Esticando o braço, alcançou a tomada do aba­jur e viu que eram mais de dez horas. Maria devia ter resolvido não acordá-la para o jantar, mas a velha criada, provavelmente, ainda não teria ido dormir. Charlotte gostaria de um pouco de chá. Pondo as pernas para fora da cama, levantou-se, e calçou suas sandálias. As costas ainda estavam doloridas com o esforço que fizera, mas fora isso sentia-se muito bem.
Quando abriu a porta do quarto, viu que a luz estava acesa no hall e, ao caminhar pelo corredor e descer os degraus, viu que o salão estava todo iluminado. Preocupada, chegou até a soleira. Maria não costumava deixar tudo aceso daquele jeito. Então estremeceu!
Alex estava sentado no meio de um dos sofás de couro, os cotovelos apoiados nos joelhos, a cabeça enterrada nas mãos. Vestia ainda a roupa com que devia ter chegado, terno escuro, camisa clara e a gra­vata pendurada, sem o nó.
Charlotte parou na soleira, sem saber o que fazer. Então ele levan­tou os olhos e a viu. Uma expressão estranha tomou conta de seu rosto moreno. A intensidade de seu olhar, o modo como seus olhos a observaram fez com que ficasse satisfeita em estar vestindo a bata cor de mel que Sophia tinha adaptado de um de seus antigos vesti­dos. Sophia tinha muito jeito para a costura, e agora que aceitava a presença de Charlotte na ilha, e sabendo de sua gravidez, se desdo­brava em gentilezas. Pelo menos nisto, Eleni tinha razão.
— Charlotte! — Alex levantou-se imediatamente, as mãos caindo ao lado do corpo. — Você estava dormindo quando eu cheguei. Disse a Maria para não acordar você.
A dor nas costas de Charlotte parecia aumentar, mas ela resolveu não tomar conhecimento dela.
— Eu... eu não ouvi você chegar. Veio de helicóptero?
— Não, vim com Vittorio, na lancha. — Charlotte então consta­tou que George não exagerara quando disse que Alex estava muito abatido. — Sinto que minha visita a aborreça, mas achei que preci­sava ver a minha avó. Eu acho que ela deve estar muito preocupada comigo.
— Está mesmo. Por coincidência, estive lá ainda esta tarde.
— A pé? — perguntou Alex sério.
— Sim, a pé — Charlotte respirou fundo, incapaz de evitar que seus dedos esfregassem vigorosamente a parte das costas que estava doendo. — Você jantou? Maria sabe que você está aqui?
— Naturalmente. Comi um sanduíche, estava sem fome. Mas você deve estar. Maria me disse que não comeu nada desde a hora do almoço.
— Uma xícara de chá seria o bastante — admitiu Charlotte, im­paciente por sua fraqueza. — Mas eu mesma vou fazer.
Alex estava observando atentamente seus gestos; então aproxi­mou-se dela e, tirando a mão dela do lugar dolorido das costas, pôs a sua.
— O que há? — falou tão perto que ela sentia o seu hálito. — Está sentindo alguma dor?
Charlotte negou com a cabeça. A sensação que aqueles dedos for­tes lhe causavam provocou-lhe lembranças dolorosas. Sua respira­ção ficou mais rápida a despeito do controle que procurava manter.
— Dói um pouco, só isso. Provavelmente andei demais, hoje.
Alex começou a massagear a região da espinha. Sentiu então que movia seu corpo sensualmente contra seus dedos, absorvida pelas sensações que ele inconscientemente lhe despertava. Então, sem in­terromper, murmurou:
— Assim não, Charlotte — com uma voz curiosamente rouca. Estas palavras trouxeram-na à realidade e seu rosto ficou vermelho de vergonha:
— Muito obrigada — falou sem jeito. — Já... já parou de doer.
Os dedos de Alex pararam de se mover, mas ficaram onde esta­vam, seus olhos presos aos dela, com a mais profunda paixão. Ainda olhando para ele, Charlotte sentiu a mão de Alex em seu ventre, re­velando sua grande emoção quando a criança se mexeu. Mal saben­do o que fazia, ela põs sua mão sobre a dele, segurando-a contra si, fazendo com que ele sentisse do mesmo modo que ela a criança que estava entre os dois.
Os olhos de Alex fitaram sua boca, que se entreabriu convidativamente. Com um gemido, Alex segurou o rosto de Charlotte entre suas mãos e colou sua boca à dela, gentilmente a princípio e depois com paixão crescente, quando percebeu que ela correspondia.
— Por Deus, Charlotte! — ele murmurou entre os lábios dela. — Não me mande embora. Por favor, não me mande embora! Deixe que eu fique!
O grito involuntário de Charlotte separou-os. Ele a olhou com os olhos magoados e perguntou-lhe:
— O que foi? Machuquei você?
Ela negou, balançando a cabeça sem falar, pós a mão no abdome. A dor estava agora mais forte, era, sem dúvida, uma contração. Mo­lhando os lábios, olhou indefesa para Alex.
— Eu... eu acho... não sei porque não tenho experiência nestas coisas, mas parece que a criança vai nascer — falou firme.
— Naturalmente que vai nascer...
— Não, acho que é... agora!
— Mas você não pode! — Alex estava tão desorientado que Char­lotte teve vontade de rir. — Quero dizer, isto deve ser para daqui a seis semanas!
— Eu sei — falou Charlotte. — Mas eu acho que pode ser agora!
— Deus! — falou Alex, que a esta altura tinha tirado o paletó e passava as mãos pelos cabelos. — Onde está Maria?
Saiu apressadamente da sala e Charlotte apoiou-se contra as cos­tas do sofá. Seria possível? Será que o bebê iria nascer antes do tem­po? Será que seu passeio pela ilha afetara demais seu estado?
Mordeu ansiosamente o lábio inferior, surpresa por verificar que não estava mais assustada. Sua maior preocupação era Alex e suas reações. Não queria que ele se preocupasse tanto.
Alex voltou com Maria, que andava depressa atrás dele.
— Vamos, kyria — falou com delicadeza. — Será que não está imaginando?
— Não sei — falou Charlotte encolhendo os ombros. — Tive uma contração há alguns minutos e minhas costas estão doendo desde que voltei da casa de Kyria Elení.
— Sabia que não devia ir tão longe — exclamou a criada.
— Então por que não a impediu? — perguntou Alex com impa­ciência. E, voltando-se para Charlotte, falou com muita ternura: — Não acha melhor se sentar?
— Estou bem, realmente — falou sacudindo a cabeça —, mas gos­taria de tomar uma xícara de chá.
Alex e Maria trocaram um olhar e a criada saiu resmungando. Alex olhou para a esposa longa e perturbadoramente e depois co­mentou contrariado:
— Por que fez isto, Charlotte? Andar desse jeito! Devia saber que o que fez foi tolice!
Charlotte afastou-se dele, magoada com as razões de sua preocu­pação:
— Você não precisa se preocupar. Mesmo se o bebê nascer, tudo vai dar certo. Muitas mulheres têm filhos de sete meses!
— Você está pensando que eu estou preocupado com... — calou-se por um momento e depois continuou: — Charlotte, por favor, sen­te-se um pouco que preciso conversar com você.
Charlotte deixou que ele a fizesse sentar no sofá onde estivera sen­tado antes. Mas, antes que pudesse falar, ela sentiu outra contração, desta vez mais forte. O médico tinha lhe ensinado que durante o tra­balho de parto ela deveria respirar como um cachorrinho tomando fôlego e assim fez, segurando o braço do sofá até que a contração passasse.
— E o que mais posso fazer? — perguntou arrebatadamente. — Nunca devia ter concordado em deixar o bebê nascer aqui. Devia ter providenciado uma boa maternidade no continente, para você se internar bem antes.
— Mas ainda não estaria lá — falou Charlotte com muita lógica. — Alex, Maria tem tudo pronto. E garanto que ela já pôs no mundo tantos bebês quanto a enfermeira que você contratou.
— Você não pode estar pensando seriamente que eu deixaria que Maria...
— E o que mais pode fazer? — perguntou ela calmamente. — Alex, não estou assustada, honestamente. Sou jovem, saudável. E você pode segurar a minha mão.
— Oh, Charlotte! — Ele estava ao seu lado e pegando suas mãos começou a beijá-las. — Você sabe que eu faria qualquer coisa por você, não sabe? Você vai deixar que eu fique aqui depois que o nosso filho nascer, não vai?
— Se é isso o que você quer...
— Claro que é isso! E se depender de mim nunca mais vou deixar você.
Maria chegou com o chá, e Charlotte não teve nem tempo de pen­sar no que ouvira. Além disto, teve outra contração, e Maria deu um suspiro resignado.
— Será que devo buscar Eleni? — perguntou Alex olhando para as duas, mas Charlotte sacudiu a cabeça:
— Por que preocupá-la? — perguntou, um pouco trêmula porque Alex ainda segurava sua mão. — Nós nos arranjamos, não é?
O filho de Charlotte nasceu às sete da manhã seguinte. Era um garoto saudável, com mais de três quilos, e não perdeu tempo em mostrar a todos que tinha um forte par de pulmões. O próprio Alex estava presente na hora do nascimento, e foi ele quem pôs o filho nos braços de Charlotte.
Charlotte olhou para o bebê, com imenso orgulho, tocando suas bochechas cor-de-rosa e acariciando os cabelos negros que cobriam a cabecinha.
— Olhe, ele parece com você — murmurou, levantando os olhos para Alex, que fez uma careta.
— E o que esperava? — perguntou brincando. Depois chegou mais perto dela e, olhando para o filho, disse: — Realmente, você acha? — e franzindo o nariz: — Eu torço mi­nha cara como ele, e não tenho cílios?
— Isto é porque nasceu algumas semanas antes do tempo — falou Maria, parando um pouco de limpar a cama.
— Sabe — falou Charlotte olhando bem dentro dos olhos de Alex, sombreados por espessos cílios —, você parecia mais cansado ontem à noite. E não dormiu um minuto!
— Nem você — lembrou Alex carinhosamente.
— Mas eu dormi a tarde toda. Acho que inconscientemente estava me preparando para o trabalho do parto.
— Então? Quero dizer, foi muito doloroso? — Alex olhava para ela com dúvida. Ela então balançou a cabeça colocando seu dedo entre os dedinhos do bebê e rindo sentiu que ele o agarrava.
— Não foi nada tão horrível — admitiu com um suspiro. — Oh, sinto-me cansada agora mas foi uma experiência maravilhosa. Não queria perdê-lo por nada deste mundo.
— Você acha mesmo isso? — disse Alex, que ainda a olhava.
— Acho sim! — E olhando mais uma vez para ele: — Você foi maravilhoso,  também. Muito obrigada. Não sei como conseguiu aguentar tudo.
— Devo admitir — falou com uma cara marota — que numa certa hora eu pensei que não fosse dar conta. Mas valeu a pena. E quan­do vi que estava nascendo... — e encolheu os ombros expressiva­mente — Meu filho! Oh, sim, valeu a pena.
— Já é tempo de dormir um pouco, kyria — falou então Maria e, olhando para o patrão: — O senhor também precisa de um bom sono!
Inclinou-se e levantou o bebê, tirando-o dos braços de Charlotte, que com um sorriso conformado deixou que ele fosse. Maria acomo­dou-o num berço improvisado. Alex inclinou a cabeça e encontrou os lábios entreabertos de Charlotte e os beijou. Ele a pegou despreve­nida e, quase sem pensar, ela levantou os braços e os enlaçou em seu pescoço, abraçando carinhosamente o marido.
— Charlotte! — exclamou com emoção, tendo que levantar os seus braços para se libertar — Por favor!
Charlotte afundou nos travesseiros, momentaneamente feliz, mas um traço de ansiedade brilhou em seus olhos quando, depois de olhar mais uma vez seu filho, ele deixou o quarto. Ele podia se dar ao luxo de ser generoso, pensou insegura. Tinha todos os motivos pa­ra estar encantado com ela. Logo na primeira tentativa tinha conce­bido o filho que ele queria tão desesperadamente. Era preciso que ele não esquecesse que sua parte no contrato fora cumprida a conten­to.
Mas o que seria dela? Só um monstro não sentiria nenhuma emo­ção ao acalentar seu filho nos braços! Seria capaz de deixar que uma outra pessoa o criasse?

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