Tanto janeiro como fevereiro eram meses chuvosos, e os ventos que vinham de noroeste varriam a ilha, provocando uma baixa de temperatura maior do que o habitual, para esta época do ano. A chuva não caía como em Londres, dias seguidos, mas caia em torrentes que podiam ensopar uma pessoa em segundos. A água escorria dos telhados, os riachos transbordavam e os caminhos estavam cheios de lama. A ilha parecia diferente debaixo daquele aguaceiro, mas Charlotte tinha aprendido a gostar dela sob qualquer aspecto. Ela dava uma caminhada todos os dias, exercitando a cadelinha cocker, a que deu o nome de Suki. Seu afeto desinteressado pela cadelinha era uma válvula de escape para a emoção contida de Charlotte, e suas brincadeiras uma fonte constante de divertimento.
Charlotte passava agora a maior parte de seu tempo dentro ou próximo da casa. Desde a partida de Alex tinha visto Eleni raras vezes e sabia que a velha senhora a culpava pelo fracasso de seu casamento. Nas raras ocasiões em que Charlotte fez a caminhada pela ilha tinha percebido a censura nos olhos de Eleni, esfriando assim o relacionamento entre ambas. Charlotte sentiu muito, pois realmente gostava da velha senhora. Mas talvez ela estivesse certa. Não havia sentido um envolvimento maior quando dentro de alguns meses, no máximo, ela estaria deixando a ilha para sempre.
Os piores momentos eram à noite, quando vagueava pelos corredores da casa, temendo a hora em que devia ir para a cama. Dr. Leonides, o médico da família Faulkner, fazia agora visitas periódicas para verificar o seu estado e tinha lhe dado pílulas para dormir. Mas algo dentro dela rejeitava esses sedativos artificiais e ela preferia ficar lendo até a madrugada, quando adormecia exausta, muitas vezes ainda com o livro entre as mãos. Maria desaprovava estes hábitos, mas nada podia fazer.
Apesar de tudo, a saúde de Charlotte era boa. Comia porque precisava, fazia exercícios e, embora estivesse ganhando peso, estava engordando somente nos lugares certos. Charlotte tinha a impressão de estar sonhando ao ver seu ventre crescer daquele jeito. Não acreditava que fosse ter um filho! Então a criança mexeu e ela não mais questionou o fato.
Havia horas em que sentia saudade intolerável de Alex. Embora tentasse evitar, sua imagem não saía de seus pensamentos, o que não era absurdo, dentro das circunstâncias. Estava vivendo em sua casa, em sua ilha. Como poderia esquecer, perguntava a si mesma, com amargura. Dormindo na mesma cama onde ele tinha revelado a ela sua própria e íntima natureza emocional.
Entretanto, suspeitava que onde quer que fosse seus sentimentos seriam os mesmos. Particularmente depois que o bebê começou a se mexer e a despertar para a sua própria vida, dentro dela.
Lá pelo fim de março, quando os ventos estavam mais fracos e a ilha começava a desabrochar com todas as flores da primavera, recebeu uma visita. De tempos em tempos Vittorio ou Dimitrios apareciam para verificar se tudo estava em ordem e trazer notícias de Alex e de suas viagens. Mas aparentava calma, sentada no terraço quando o helicóptero baixou. Não escondeu seu desapontamento ao ver George sair do aparelho.
Estava inconsciente de sua mudança até o comentário de George. Em três meses sua pele estava mais viçosa, os cabelos mais brilhantes e uma generosa camada de carne cobria seu corpo. A bata leve que usava com uma calça jeans mal escondia sua barriga, mas George comentou que nunca a vira tão bonita.
Depois que Tina serviu chocolate e que Charlotte lhe assegurou que tudo ia bem com ela, perguntou, muito preocupada:
— Por que você veio, George? Alguma coisa não vai bem?
— Eu podia interpretar mal a sua pergunta, sabe? — respondeu George evasivamente. — Será que não sou bem-vindo aqui?
— Você sabe muito bem que é. É... é maravilhoso ver uma cara nova depois de semanas aqui sozinha. Mas...
— Quer saber como vai Alex?
— É lógico! — sua resposta revelava todo o seu ímpeto.
— Alex... bem, ele está em Londres — falou depois de alguma hesitação. Ele não está doente se é isto o que você quer dizer.
— O que você está querendo dizer? — perguntou Charlotte preocupada.
— Quero dizer que não estou muito satisfeito com o que está acontecendo com ele.
— Continue — pediu Charlotte agitada.
— Acho que está trabalhando demais. E não há necessidade disso. Ele sempre emprega homens para se preocuparem por ele, mas acaba querendo fazer tudo sozinho. Não está comendo uma comida saudável e não sei quando descansa. E ele parece estar... bem, parece estar exausto.
— Por que está me dizendo tudo isso? — perguntou Charlotte, que a esta altura tinha se levantado e andava agitadamente pelo pátio. — Por que não diz tudo isso a Alex?
— E você acha que eu não disse?
— Ele sabe que você está aqui?
— Sim. Ele quer notícias suas de primeira mão.
— Mas... ele não pediu que você me dissesse tudo isto, pediu?
— O que você acha?
— Então por que me contou tudo? — perguntou, voltando para sua cadeira.
— Você poderia pedir-lhe para voltar — replicou George calmamente.
— Para cá? — perguntou Charlotte, enrubescendo.
— Para onde mais? Aqui é o único lugar onde ele se acalma. Sem telefones, sem qualquer tipo de comunicação. Ele precisa disto, Charlotte. Alguma coisa o está atormentando e desconfio que é você.
Charlotte torcia as mãos. Depois tomou fôlego e falou:
— George, Alex não liga para mim. Eu não sei o que lhe contou sobre a razão do nosso casamento, mas... bem, não foi uma união por amor.
— Sei exatamente por que vocês se casaram — falou George com firmeza. — Eu também conheci seu pai.
— Então pode entender como me sinto.
— De certo modo. Mas você não sabe a verdade toda, sabe? Ou poderia entender melhor Alex.
— O que quer dizer? A verdade toda? É lógico que eu conheço a verdade toda. Ou não estaria aqui!
— Estou duvidando — respondeu George, franzindo as sobrancelhas — que você saiba a verdade toda. Alex não é deste tipo de homem. Ele não lhe contaria. É muito... orgulhoso.
— De que está falando? — perguntou Charlotte muito agitada. — O que eu não sei?
— Você conhecia seu pai muito bem?
— Se conhecia meu pai muito bem? Como uma filha conhece o pai muito bem?
— Estou falando sério. Você ficava no colégio a maior parte do tempo, não é? Você não poderia, muito provavelmente, saber de seu vício de jogo, poderia?
— Não acredito que meu pai fosse um jogador — falou, muito tensamente. — Ele jogava cartas, sim. E tinha azar. Mas existem
milhares de pessoas assim. E elas não pagam suas dívidas com suas vidas!
— Oh, sim, se isto é como você pensa.
— George, George, você não pode começar a falar numa coisa desta e depois encerrar o assunto. Se sabe alguma coisa sobre meu pai que eu ainda não saiba, deveria me contar!
— Acreditaria em mim? Você não acreditou em Alex, não foi?
— Alex queria alguém para lhe dar um filho, com um mínimo de esforço!
— Se você acreditasse nisso, Charlotte, se você realmente acredita nisto... Bem, então eu tenho muita pena de você, Charlotte, realmente tenho. E tenho pena de Alex também. Tinha pensado que você tinha percebido que espécie de homem é seu marido.
— Pois então me diga!
— Não. Não tenho o direito de explicar as ações de Alex. Ele não me agradeceria por isso. Mas, algum dia, acho que você deveria entrar em contato com seus advogados em Londres e lhes perguntar o que aconteceu oito anos atrás.
As semanas após a partida de George foram as mais longas da vida de Charlotte. A despeito do que lhe tinha dito, não podia acreditar que a saúde de Alex tinha alguma coisa a ver com ela. Se estava se esforçando demais era porque assim o queria e se pensava nela, às vezes, deveria estar com um certo grau de impaciência por ela lhe ter negado o direito de usar sua ilha.
Mas assim mesmo, preocupava-se com ele, e esperava impaciente pela próxima viagem de Vittorio, a fim de saber notícias de Alex.
Com relação à sugestão de George, sobre entrar em contato com o senhor Falstaff, seu advogado, não estava muito decidida. Como poderia escrever e pedir esclarecimentos sobre uma declaração tão esquisita? A única coisa importante que tinha acontecido naquela época fora a morte de sua mãe e seu pai certamente não tinha nada a ver com isso. A não ser que... a não ser que a morte de sua mãe o tivesse abalado tanto que o tivesse levado a jogar desesperadamente, o que tinha finalmente resultado em sua própria morte.
Iria com certeza conversar com o senhor Falstaff sobre o assunto quando voltasse a Londres, mas achava que não devia pedir explicações dessa natureza numa carta.
O tempo estava cada vez mais quente, e agora ela podia passar horas deitada ao sol. Sua pele estava bronzeada e não mais sofria com o calor de seus raios. Chegou até a usar uma roupa de banho, quando estava certa de que ninguém poderia vê-la, embora sua imagem ao espelho não lhe desse muito prazer. O bebê estava muito ativo, agora, mantendo-a acordada noites com seus pontapés e murros. Mas também era muito mais real, e ela não se sentia tão sozinha. Uma tarde, no começo de maio, achou que deveria fazer um esforço e visitar Eleni. Não tinha tido mais notícias dela, desde a visita de George. Não tinha mais sabido nada de Vittorio, e pensava, desesperada, se Eleni tinha algum contato com Alex.
Há muitas semanas não fazia tão longa caminhada e agradecia à brisa por lhe refrescar o rosto, evitando assim que sentisse muito calor. Eleni estava cuidando do jardim, e ficou muito assustada quando viu a esposa de seu neto.
— Charlotte, você não devia andar a pé até aqui em seu estado. Charlotte suspirou e chamando Suki a prendeu na corrente, do lado de fora da casa; depois respondeu, acompanhando Eleni para dentro de casa:
— Estou muito bem, yaya. E, depois, o exercício me faz bem!
Eleni não respondeu e indicou um lugar para que ela se sentasse, chamando depois Betina e pedindo um suco de laranja gelado. Então, depois de se sentar, falou:
— Estava pretendendo visitar você por estes dias. Dentro de três semanas o doutor e a enfermeira vão chegar, não é?
— Acredito que sim — concordou Charlotte. Ela estremeceu, apesar do calor. O parto estava agora muito próximo, e não tinha ninguém em quem se apoiar, ninguém a quem confiar seus naturais receios e ansiedades.
— Alex estará aqui quando a criança nascer? — perguntou.
— Não sei. Será que vai estar?
— Certamente você vai querer que ele esteja a seu lado. Posso entender, ou pelo menos procurar entender sua surpresa ao saber que ia ser mãe. Alex nos contou como você se sentia, que era muito jovem, e que ele foi descuidado. Mas receia não poder perdoar seu procedimento nestes últimos meses.
Charlotte nada respondeu. Então era isto o que Alex havia dito a seus parentes, que ela se revoltava por estar grávida! Bem, é uma razão tão boa quanto qualquer outra.
— A senhora tem... tem sabido de Alex? — perguntou e o olhar de Eleni não era agradável quando respondeu.
— Não, nada. Nem uma palavra desde que George voltou. Pelo jeito você também não recebeu nenhuma notícia.
— Eu... George me disse que Alex estava trabalhando demais. Fiquei pensando se ele tinha falado também com a senhora.
— Conheço meu neto, Charlotte. Ele está trabalhando demais por que está infeliz. E você é a causa da infelicidade dele!
— Não — interrompeu Charlotte, que queria protestar.
— Deixe-me terminar! Quando ele me contou que ia se casar eu fiquei encantada. Desde a morte de seus pais que ele tem vivido muito sozinho. Tive minhas dúvidas quando soube como era jovem, mas era óbvio que Alex estava apaixonado por você, senão, por que teria esperado tanto tempo?
— Esperado tanto tempo? — Charlotte estava completamente confusa. — O que quer dizer com isto?
— Não quero mais falar nisto. Me deixa muito zangada — exclamou Eleni. — Aqui está Betina com nosso suco de laranja. Vamos falar de coisas menos irritantes.
Charlotte recusou a oferta de Eleni para que Yanni a levasse para casa. A idéia de sacolejar dentro da charrete não a agradou muito e o ar mais fresco da tarde era muito revigorante.
Enquanto caminhava, com Suki correndo à sua frente, lembrou do que Eleni dissera. O que a avó de Alex tinha em mente quando falara dele ter esperado tanto tempo? Só podia ser por ele demorar tanto para escolher uma esposa. E o que mais poderia ser, afinal? Ela nem ao menos tinha ouvido falar no nome de Alex Faulkner, oito meses atrás!
Charlotte estava exausta ao chegar em casa e, recusando o chá que Maria lhe ofereceu, foi diretamente para o quarto. Foi maravilhoso tirar as sandálias e recostar-se nos travesseiros macios, sentindo os músculos doloridos das costas começarem a relaxar. As sombras do sol se alongavam no quarto e ela fechou os olhos, caindo imediatamente num sono pesado.
Quando acordou já era noite, e sentia uma dor desagradável num ponto de suas costas. Esticando o braço, alcançou a tomada do abajur e viu que eram mais de dez horas. Maria devia ter resolvido não acordá-la para o jantar, mas a velha criada, provavelmente, ainda não teria ido dormir. Charlotte gostaria de um pouco de chá. Pondo as pernas para fora da cama, levantou-se, e calçou suas sandálias. As costas ainda estavam doloridas com o esforço que fizera, mas fora isso sentia-se muito bem.
Quando abriu a porta do quarto, viu que a luz estava acesa no hall e, ao caminhar pelo corredor e descer os degraus, viu que o salão estava todo iluminado. Preocupada, chegou até a soleira. Maria não costumava deixar tudo aceso daquele jeito. Então estremeceu!
Alex estava sentado no meio de um dos sofás de couro, os cotovelos apoiados nos joelhos, a cabeça enterrada nas mãos. Vestia ainda a roupa com que devia ter chegado, terno escuro, camisa clara e a gravata pendurada, sem o nó.
Charlotte parou na soleira, sem saber o que fazer. Então ele levantou os olhos e a viu. Uma expressão estranha tomou conta de seu rosto moreno. A intensidade de seu olhar, o modo como seus olhos a observaram fez com que ficasse satisfeita em estar vestindo a bata cor de mel que Sophia tinha adaptado de um de seus antigos vestidos. Sophia tinha muito jeito para a costura, e agora que aceitava a presença de Charlotte na ilha, e sabendo de sua gravidez, se desdobrava em gentilezas. Pelo menos nisto, Eleni tinha razão.
— Charlotte! — Alex levantou-se imediatamente, as mãos caindo ao lado do corpo. — Você estava dormindo quando eu cheguei. Disse a Maria para não acordar você.
A dor nas costas de Charlotte parecia aumentar, mas ela resolveu não tomar conhecimento dela.
— Eu... eu não ouvi você chegar. Veio de helicóptero?
— Não, vim com Vittorio, na lancha. — Charlotte então constatou que George não exagerara quando disse que Alex estava muito abatido. — Sinto que minha visita a aborreça, mas achei que precisava ver a minha avó. Eu acho que ela deve estar muito preocupada comigo.
— Está mesmo. Por coincidência, estive lá ainda esta tarde.
— A pé? — perguntou Alex sério.
— Sim, a pé — Charlotte respirou fundo, incapaz de evitar que seus dedos esfregassem vigorosamente a parte das costas que estava doendo. — Você jantou? Maria sabe que você está aqui?
— Naturalmente. Comi um sanduíche, estava sem fome. Mas você deve estar. Maria me disse que não comeu nada desde a hora do almoço.
— Uma xícara de chá seria o bastante — admitiu Charlotte, impaciente por sua fraqueza. — Mas eu mesma vou fazer.
Alex estava observando atentamente seus gestos; então aproximou-se dela e, tirando a mão dela do lugar dolorido das costas, pôs a sua.
— O que há? — falou tão perto que ela sentia o seu hálito. — Está sentindo alguma dor?
Charlotte negou com a cabeça. A sensação que aqueles dedos fortes lhe causavam provocou-lhe lembranças dolorosas. Sua respiração ficou mais rápida a despeito do controle que procurava manter.
— Dói um pouco, só isso. Provavelmente andei demais, hoje.
Alex começou a massagear a região da espinha. Sentiu então que movia seu corpo sensualmente contra seus dedos, absorvida pelas sensações que ele inconscientemente lhe despertava. Então, sem interromper, murmurou:
— Assim não, Charlotte — com uma voz curiosamente rouca. Estas palavras trouxeram-na à realidade e seu rosto ficou vermelho de vergonha:
— Muito obrigada — falou sem jeito. — Já... já parou de doer.
Os dedos de Alex pararam de se mover, mas ficaram onde estavam, seus olhos presos aos dela, com a mais profunda paixão. Ainda olhando para ele, Charlotte sentiu a mão de Alex em seu ventre, revelando sua grande emoção quando a criança se mexeu. Mal sabendo o que fazia, ela põs sua mão sobre a dele, segurando-a contra si, fazendo com que ele sentisse do mesmo modo que ela a criança que estava entre os dois.
Os olhos de Alex fitaram sua boca, que se entreabriu convidativamente. Com um gemido, Alex segurou o rosto de Charlotte entre suas mãos e colou sua boca à dela, gentilmente a princípio e depois com paixão crescente, quando percebeu que ela correspondia.
— Por Deus, Charlotte! — ele murmurou entre os lábios dela. — Não me mande embora. Por favor, não me mande embora! Deixe que eu fique!
O grito involuntário de Charlotte separou-os. Ele a olhou com os olhos magoados e perguntou-lhe:
— O que foi? Machuquei você?
Ela negou, balançando a cabeça sem falar, pós a mão no abdome. A dor estava agora mais forte, era, sem dúvida, uma contração. Molhando os lábios, olhou indefesa para Alex.
— Eu... eu acho... não sei porque não tenho experiência nestas coisas, mas parece que a criança vai nascer — falou firme.
— Naturalmente que vai nascer...
— Não, acho que é... agora!
— Mas você não pode! — Alex estava tão desorientado que Charlotte teve vontade de rir. — Quero dizer, isto deve ser para daqui a seis semanas!
— Eu sei — falou Charlotte. — Mas eu acho que pode ser agora!
— Deus! — falou Alex, que a esta altura tinha tirado o paletó e passava as mãos pelos cabelos. — Onde está Maria?
Saiu apressadamente da sala e Charlotte apoiou-se contra as costas do sofá. Seria possível? Será que o bebê iria nascer antes do tempo? Será que seu passeio pela ilha afetara demais seu estado?
Mordeu ansiosamente o lábio inferior, surpresa por verificar que não estava mais assustada. Sua maior preocupação era Alex e suas reações. Não queria que ele se preocupasse tanto.
Alex voltou com Maria, que andava depressa atrás dele.
— Vamos, kyria — falou com delicadeza. — Será que não está imaginando?
— Não sei — falou Charlotte encolhendo os ombros. — Tive uma contração há alguns minutos e minhas costas estão doendo desde que voltei da casa de Kyria Elení.
— Sabia que não devia ir tão longe — exclamou a criada.
— Então por que não a impediu? — perguntou Alex com impaciência. E, voltando-se para Charlotte, falou com muita ternura: — Não acha melhor se sentar?
— Estou bem, realmente — falou sacudindo a cabeça —, mas gostaria de tomar uma xícara de chá.
Alex e Maria trocaram um olhar e a criada saiu resmungando. Alex olhou para a esposa longa e perturbadoramente e depois comentou contrariado:
— Por que fez isto, Charlotte? Andar desse jeito! Devia saber que o que fez foi tolice!
Charlotte afastou-se dele, magoada com as razões de sua preocupação:
— Você não precisa se preocupar. Mesmo se o bebê nascer, tudo vai dar certo. Muitas mulheres têm filhos de sete meses!
— Você está pensando que eu estou preocupado com... — calou-se por um momento e depois continuou: — Charlotte, por favor, sente-se um pouco que preciso conversar com você.
Charlotte deixou que ele a fizesse sentar no sofá onde estivera sentado antes. Mas, antes que pudesse falar, ela sentiu outra contração, desta vez mais forte. O médico tinha lhe ensinado que durante o trabalho de parto ela deveria respirar como um cachorrinho tomando fôlego e assim fez, segurando o braço do sofá até que a contração passasse.
— E o que mais posso fazer? — perguntou arrebatadamente. — Nunca devia ter concordado em deixar o bebê nascer aqui. Devia ter providenciado uma boa maternidade no continente, para você se internar bem antes.
— Mas ainda não estaria lá — falou Charlotte com muita lógica. — Alex, Maria tem tudo pronto. E garanto que ela já pôs no mundo tantos bebês quanto a enfermeira que você contratou.
— Você não pode estar pensando seriamente que eu deixaria que Maria...
— E o que mais pode fazer? — perguntou ela calmamente. — Alex, não estou assustada, honestamente. Sou jovem, saudável. E você pode segurar a minha mão.
— Oh, Charlotte! — Ele estava ao seu lado e pegando suas mãos começou a beijá-las. — Você sabe que eu faria qualquer coisa por você, não sabe? Você vai deixar que eu fique aqui depois que o nosso filho nascer, não vai?
— Se é isso o que você quer...
— Claro que é isso! E se depender de mim nunca mais vou deixar você.
Maria chegou com o chá, e Charlotte não teve nem tempo de pensar no que ouvira. Além disto, teve outra contração, e Maria deu um suspiro resignado.
— Será que devo buscar Eleni? — perguntou Alex olhando para as duas, mas Charlotte sacudiu a cabeça:
— Por que preocupá-la? — perguntou, um pouco trêmula porque Alex ainda segurava sua mão. — Nós nos arranjamos, não é?
O filho de Charlotte nasceu às sete da manhã seguinte. Era um garoto saudável, com mais de três quilos, e não perdeu tempo em mostrar a todos que tinha um forte par de pulmões. O próprio Alex estava presente na hora do nascimento, e foi ele quem pôs o filho nos braços de Charlotte.
Charlotte olhou para o bebê, com imenso orgulho, tocando suas bochechas cor-de-rosa e acariciando os cabelos negros que cobriam a cabecinha.
— Olhe, ele parece com você — murmurou, levantando os olhos para Alex, que fez uma careta.
— E o que esperava? — perguntou brincando. Depois chegou mais perto dela e, olhando para o filho, disse: — Realmente, você acha? — e franzindo o nariz: — Eu torço minha cara como ele, e não tenho cílios?
— Isto é porque nasceu algumas semanas antes do tempo — falou Maria, parando um pouco de limpar a cama.
— Sabe — falou Charlotte olhando bem dentro dos olhos de Alex, sombreados por espessos cílios —, você parecia mais cansado ontem à noite. E não dormiu um minuto!
— Nem você — lembrou Alex carinhosamente.
— Mas eu dormi a tarde toda. Acho que inconscientemente estava me preparando para o trabalho do parto.
— Então? Quero dizer, foi muito doloroso? — Alex olhava para ela com dúvida. Ela então balançou a cabeça colocando seu dedo entre os dedinhos do bebê e rindo sentiu que ele o agarrava.
— Não foi nada tão horrível — admitiu com um suspiro. — Oh, sinto-me cansada agora mas foi uma experiência maravilhosa. Não queria perdê-lo por nada deste mundo.
— Você acha mesmo isso? — disse Alex, que ainda a olhava.
— Acho sim! — E olhando mais uma vez para ele: — Você foi maravilhoso, também. Muito obrigada. Não sei como conseguiu aguentar tudo.
— Devo admitir — falou com uma cara marota — que numa certa hora eu pensei que não fosse dar conta. Mas valeu a pena. E quando vi que estava nascendo... — e encolheu os ombros expressivamente — Meu filho! Oh, sim, valeu a pena.
— Já é tempo de dormir um pouco, kyria — falou então Maria e, olhando para o patrão: — O senhor também precisa de um bom sono!
Inclinou-se e levantou o bebê, tirando-o dos braços de Charlotte, que com um sorriso conformado deixou que ele fosse. Maria acomodou-o num berço improvisado. Alex inclinou a cabeça e encontrou os lábios entreabertos de Charlotte e os beijou. Ele a pegou desprevenida e, quase sem pensar, ela levantou os braços e os enlaçou em seu pescoço, abraçando carinhosamente o marido.
— Charlotte! — exclamou com emoção, tendo que levantar os seus braços para se libertar — Por favor!
Charlotte afundou nos travesseiros, momentaneamente feliz, mas um traço de ansiedade brilhou em seus olhos quando, depois de olhar mais uma vez seu filho, ele deixou o quarto. Ele podia se dar ao luxo de ser generoso, pensou insegura. Tinha todos os motivos para estar encantado com ela. Logo na primeira tentativa tinha concebido o filho que ele queria tão desesperadamente. Era preciso que ele não esquecesse que sua parte no contrato fora cumprida a contento.
Mas o que seria dela? Só um monstro não sentiria nenhuma emoção ao acalentar seu filho nos braços! Seria capaz de deixar que uma outra pessoa o criasse?
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A ilha dos desejos
RomanceA morte de seu pai, Charles Mortimer, antecipa a saída de Charlotte do colégio interno. Surpresa, fica sabendo que seu pai não tivera morte natural, mas que se suicidara diante da vergonha e humilhação de ter perdido sua fortuna nas mesas de jogo. E...