Capítulo IV

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Charlotte tinha tomado banho e vestia-se, quando Tina entrou trazendo a bandeja do café. A moça grega cumprimentou-a educada­mente, como tinha feito na noite anterior, mas seus olhos curiosos repararam na cama desfeita. Charlotte pensou então que dentro de pouco tempo a ilha toda iria saber que o patrão não tinha dormido na cama de sua esposa. Ela apanhou a bandeja e dispensou a moça apressadamente, irritada por seu olhar significativo.
Desde que acordara, tinha resolvido não pensar nas razões que tinham levado Alex a preferir ficar longe dela na noite anterior, mas agora, depois de tomar o café da manhã, e com o dia todo pela frente, completamente vazio, não podia mais esconder sua curiosidade. Levantou-se e foi ate a janela e, abrindo a cortina, olhou para fora com preocupação.
A água na baía era verde e convidativa, e enquanto olhava, um barquinho com velas brancas saía do abrigo nos recifes. Era um estreito barco de corrida, o tipo de embarcação para ser dirigido por uma só pessoa e semelhante ao que seu pai estava pilotando no dia do acidente. Sentiu um nó na garganta. Não podia nunca esquecer aquela tragédia, e o papel que seu marido tinha desempenhado nela.
Afastou-se um pouco da janela. Aquele era seu marido, tinha a certeza, e não havia razão para que ela não desse umas voltas pela casa, sozinha. Hesitou um pouco sobre o que fazer com a bandeja, depois decidiu deixá-la ali mesmo. Não queria chamar a atenção de Maria e dos outros sobre os seus movimentos.
Deixando o quarto, foi até ao hall principal. As portas duplas da entrada estavam abertas; pôde ver um caminho que levava até os recifes. Sentindo-se como uma prisioneira que subitamente vê um jeito de escapar e não sabe bem o que fazer desta liberdade, saiu da casa, caminhou pelo gramado até a beirada do penhasco. Lá, viu que poderia descer até a praia, mas não querendo bancar a criança travessa, procurou um caminho. Realmente viu um caminho à sua direita, que serpenteava e acompanhava as rochas, evitando assim o perigo de escorregar.
Quando chegou à praia de areia fina, olhou à sua volta com interesse. Viu então escavadas na rocha uma porção de cavernas, algumas que desapareciam sob a água, no ponto onde a praia encontrava o cabo escarpado. Havia uma casa para barcos, construída sobre estacas, no fim da praia, e uma plataforma de madeira entrava pelo mar. Da praia também se avistava uma pequena baía, no meio do promontório, onde havia um amontoado de casinhas. Alguns barcos estavam ancorados entre os recifes e algumas crianças brincavam na água, mas não havia meio de acesso para chegar até lá. Para alcançar a aldeia seria preciso subir outra vez pela rocha e dar a volta por cima do promontório.
Tirando as sandálias, Charlotte andou pela beira da água e deixou que as pequenas ondas molhassem seus pés. Abaixou-se para enrolar a bainha das calças, quando quase desmaiou de susto ao ouvir Alex bem atrás dela:
— Bom dia, Charlotte.
Ela virou-se e, assustadíssima, deu com ele há alguns metros dela, na praia. Sua única roupa era um calção, que deixava nus o peito cabeludo e as pernas musculosas.
Então seus olhos procuraram o veleiro e Alex, percebendo o que Charlotte pensara, disse irônico;
— Sinto desapontar você, mas aquele é Dimitrios. Ele também gosta de velejar.
Charlotte olhou em volta, procurando pelas sandálias, não porque precisasse, mas para fazer alguma coisa. Depois respondeu:
— Não precisava ficar atrás de mim. Estava dando um passeio, só isto!
— Estava consertando o carburador da lancha. — Ao perceber sua dúvida, mostrou a mão suja de óleo. Charlotte sentiu-se envergonhada, mas ele fingiu não perceber e continuou. — Dormiu bem?
— Eu... bem. Muito bem, obrigada — respondeu com as faces em fogo.
— Bom. Você parece... mais calma esta manhã.
— Você... isto é... você não... — começou a dizer tirando a areia da sandália.
— ... Não foi para a cama? — terminando a sentença para ela. — Não. Pelo menos para a sua cama.
— E por que não? — perguntou com fisionomia preocupada. E uma louca esperança de que ele pudesse ter mudado de idéia aliviou o peso em seu coração.
— Por que você acha? — perguntou rindo cinicamente. Depois ficou muito sério e concluiu. — Já disse para você, Charlotte. Não sou um monstro. Sei que você sofreu um terrível golpe, e que precisa de tempo até se acostumar à situação, a mim!
— E quanto tempo? — falou Charlotte, a boca seca. 
— O tempo necessário — respondeu simplesmente. — E agora pare de agir como se eu fosse saltar sobre você e tirar sua roupa aqui na praia e possuir você aqui na areia.
— Se isto é...  Alguma espécie de desculpa — falou a jovem estremecendo.
— Desculpa? — repetiu ele meio irritado. — Para o diabo com uma desculpa! É um prazo para a execução, só isto! — E virando as costas voltou para a casa de barcos.
Charlotte perdeu a vontade de ficar na praia e subiu o caminho escarpado, chegando em casa despenteada e com calor. Encontrou Maria no hall com um olhar de reprovação.
— Tem algum problema? — perguntou Maria.
— Não, tudo bem — respondeu Charlotte. Fui até a praia, só isto.
— Ah! Estava procurando por Kyrios Alexandros.
— Não, não estava! — retrucou Charlotte —, e agora, com licença, preciso tomar um banho.
Charlotte passou o resto da manhã no quarto, recusando-se a admitir que esta era uma atitude muito tola. Afinal, Alex não estava na casa, ela poderia tomar banho de sol no pátio ou passear entre as oliveiras, mas preferiu isolar-se do resto das pessoas.
A cama fora arrumada durante sua ausência, e atirando longe as sandálias, estirou-se, olhando fixamente para o teto, com um senti­mento de revolta. Seus pensamentos estavam confusos depois do que Alex tinha dito. Enquanto sentia um certo alívio com o adiamento da execução, como ele dissera, sentia uma grande insegurança. Por quanto tempo ela deveria viver neste suspense, constantemente esperando a aproximação da tragédia?
Apesar do turbilhão de pensamentos, foi dominada pelo sono, pois por volta de meio-dia acordou de repente, certa de que havia alguém no quarto. Piscou os olhos, olhou para a porta, mas não viu ninguém. Então uma sombra na janela atraiu sua atenção, era Alex olhando distraído para fora.
Charlotte ergueu-se nos cotovelos, ressentida por ele ter entrado em seu quarto sem ser convidado. Será que não podia ter ali nenhuma liberdade?
— O que você quer? — perguntou, e Alex voltou-se calmamente.
— Ah... então acordou. — Este comentário foi feito secamente. — É hora do almoço. Vim chamar você.
— Sofia podia ter vindo me chamar. Ou você quer provar com isto que não abdicou de todos os direitos de marido?
— É melhor não entrar em luta comigo, Charlotte! Você não tem armas o bastante — parou um pouco e olhou pela janela, depois prosseguiu —, e, no futuro, espero que não fique mofando neste quarto o dia todo.
— E o que devo fazer? Ficar feito boba sentada no terraço?
— Você sabe muito bem as vantagens de morar aqui — respondeu calmamente.
— Que vantagens? Eu devo ter perdido alguma coisa? Charlotte recusava-se a ser dominada, mesmo que seu coração parecesse querer saltar do peito.
— Charlotte, você sabe o que está provocando, não sabe? — sugeriu Alex secamente, e todo o desejo de responder sumiu dela.
Pondo as pernas para fora da cama, alisando a calça amassada, falou erguendo a cabeça para ele:
— Se... Se sair do quarto, eu não demorarei. — E ficou aliviada ao ver que ele se dirigia para a porta.
— Muito bem, já que insiste. E use alguma coisa verde. Fica mui­to bem para você. — Disse Alex, deixando o quarto.
Quando Charlotte apareceu na sala de jantar, tinha tomado um banho, e vestia um vestido azul bem claro, de seda, que lhe modelava muito bem o corpo. O estilo era bem mais adulto do que tudo o que usara antes, contrariando as instruções anteriores de Alex.
Alex já estava na mesa, observando a bebida do copo que segurava, mas quando Charlotte chegou, levantou-se e polidamente afastou a cadeira para que ela se sentasse. Quando ambos estavam sentados, pegou um sininho a seu lado e tocou.
Tina serviu melão gelado, e quando estavam mais uma vez sozinhos falou:
— Hoje à tarde eu lhe mostrarei a ilha. Assim não terá mais motivos para se sentir aborrecida.
Charlotte ficou calada, olhando fixamente para seu prato. Não era verdade que ela se sentia aborrecida. Na verdade, a grande tentação era de ficar fora e tomar um pouco de sol, mas a indignação e o ressentimento a tinham feito ficar dentro de casa. Não tinha motivos para contar isto a ele, mesmo que sua consciência a perturbasse de algum modo. Entretanto, por que deveria, se ele parecia não se importar muito?
— Você sabe nadar, espero — perguntou. Charlotte não fez nenhum comentário, apenas concordou com um movimento de cabeça. — Ótimo! Existe uma enseada que tem uns seis metros de profundidade.
Charlotte engoliu um pedaço de melão. Depois disse secamente:
— Você não precisa se preocupar comigo. Eu sei cuidar muito bem de mim!
— Charlotte — falou pacientemente —, eu sei que não preciso me preocupar com você. Mas como tenho tempo e você é uma estranha aqui... — ele afastou o prato meio cheio e exclamou impaciente­mente: — Pelo amor de Deus, menina! Será que você não aguenta nem me ver?
— E você esperava o quê? Não fui eu quem criou esta situação, foi você! Por que eu deveria...
— Seu pai criou esta situação! Nunca se esqueça disto! — retorquiu friamente.
— E você acha que eu poderia me esquecer?
Charlotte estava a ponto de se levantar e sair correndo para o quarto, quando a mão forte dele segurou seu pulso, fazendo com que continuasse sentada. Depois disse numa voz automática:
— Não levante. Muito bem, se não quer passar a tarde comigo... eu não vou forçar você.
Charlotte encarou-o com um olhar misto de dor e compaixão. Ela se livrara dele. Mas era isto mesmo que queria? Não conseguia en­tender o turbilhão de emoções que sentia. Quando ele soltou seu pulso, esfregou a pele machucada, quase inconscientemente, e assim permaneceu, até quando Tina veio retirar os pratos.
Quando a refeição terminou, Alex levantou-se e disse secamente:
— Com licença. O jantar é às oito. Espero que você esteja presente.
— Sim — respondeu Charlotte com voz baixa.
Durante três dias, Charlotte só via seu marido na hora das re­feições. Eram dias longos e solitários, e ela raramente se aventurava longe da casa. Fazia sua primeira refeição no quarto, e depois ou tomava um banho de sol no pátio ou dava um pulo até a praia para andar um pouco à beira do mar. Não tinha nadado nem uma vez, nem encontrado Alex como no primeiro dia.
O almoço era invariavelmente às duas horas. Depois ia para seu quarto com um livro tirado da biblioteca, que Maria com muito orgulho tinha lhe mostrado. O chá era servido no pátio as cinco, e Alex vinha sempre lhe fazer companhia; o jantar era as oito e terminava por volta das nove, nove e meia, e embora soubesse que depois Alex ia para o salão ouvir música, ele nunca a convidara. Por isso, ia para a cama às dez horas, embora nem sempre com sono.
Às vezes encontrava Vittorio e Dimitrios na casa. Maria tinha lhe contado que os dois moravam em uma vila do outro lado do cabo, mas como Alex estava permanentemente na ilha, suas presenças não eram muito requisitadas.
Charlotte estava levando uma existência muito solitária. As palavras trocadas entre ela e Alex poderiam dificilmente ser chamadas de conversação. Falava apenas com os criados. Na manhã do quarto dia teve uma visita inesperada, quando Sofia veio avisar que Kyria Eleni Faulkner tinha chegado e esperava por ela no saloni.
— Kyria Eleni? — repetiu Charlotte confusa, levantando-se estabanadamente da cadeira — Quem... Quem é ela?
Kyria Eleni? Ine i yaya — exclamou, como se Charlotte deves­se ter obrigação de saber a resposta.—A... avó, senhora!
— A avó de Alex! — Charlotte quase perdeu o fôlego, de susto. Naturalmente, Alex tinha dito que a avó morava na ilha. Mas o que estava fazendo ali? E agora? Onde estaria Alex?
— Você sabe onde... Onde está meu marido?
Ohi, Kyria.
Charlotte, mesmo com seu pouco conhecimento da língua, não precisava que Sofia sacudisse a cabeça para perceber que ela não sabia.
— Oh, não faz mal — falou rapidamente, dispensando a moça e, respirando fundo, entrou na casa.
Eleni Faulkner era uma figura impressionante. Alta, mais alta do que Charlotte e não era magra. Com a pele morena, como seu marido, Eleni tinha os cabelos quase que completamente brancos, o que contrastava fortemente com sua pele. Charlotte calculou que ela tivesse entre setenta e oitenta anos; não era curvada, e não havia traços de fraqueza em seu porte. Vinda de fora, Charlotte ficou momentaneamente em desvantagem, pois a velha senhora pôde observá-la até que seus olhos se acostumassem à luz interior.
— Ah, então você é Charlotte! — Eleni Faulkner falou primeiro com voz forte e decidida. — E por que meu neto não trouxe você para me visitar?
— Hã... Não quer se sentar, Kyria Faulkner? — falou muito timidamente.
Eleni olhou para ela desconfiada, por um momento, e depois se sentou numa poltrona de costas retas. Após instalar-se perguntou novamente:
— Bem? Você ainda não respondeu à minha pergunta! — Charlotte estava entrando em pânico, quando percebeu Maria na porta, aguardando ordens. Voltando-se para a visitante disse:
— Posso oferecer à senhora um pouco de café?
— Eu não bebo café. Prefiro um pouco de chocolate,
— Podemos oferecer a Kyria Faulkner um pouco de chocolate? — Como Maria concordasse com a cabeça, ela prosseguiu. — Então para nós duas, por favor.
— Não sei onde Alex está — disse Charlotte como se ele tivesse saído há uns poucos minutos. — É pena que não esteja aqui. Tenho a certeza que vai sentir muito não vê-la. Quem sabe poderia vir al­moçar conosco algum dia. Ou jantar...
— Pare de gaguejar, minha filha — certamente Eleni era dessas pessoas que se aproveitam da idade para falar o que querem. — Eu não perguntei onde estava meu neto. Conhecendo-o como eu conheço, sei que deve estar por aí, mexendo num barco. Perguntei por que ele não levou você para me conhecer.
— Eu estou aqui somente há quatro dias... Não, não houve ainda tempo.
— Bobagem! Alex me conhece. Ele sabe que estava ansiosa para conhecer você. Depois de eu ter esperado por quase vinte anos que ele se casasse, será uma coisa assim tão absurda querer conhecer a esposa de meu neto?
— Lógico que não. — E Charlotte juntou as mãos entre os joelhos. — É só que...  bem, a senhora compreende estas coisas...
— Não, eu não compreendo nada. E é por isto que estou perguntando para você.
Eleni não estava se convencendo com as desculpas, e então Charlotte lembrou-se do dia em que Alex a tinha convidado para conhecer a ilha. Não havia dúvida de que ele pretendia incluir no programa apresentá-la à sua avó, mas ela havia se recusado a ir com ele.
— Sinto muito — falou, quando percebeu que não estava conseguindo nada —, não tinha imaginado que pudesse ter tanto interesse em mim.
— E por que não? Como eu poderia não estar interessada em minha nova neta? — perguntou Eleni, olhando firmemente.
— O que Charlotte está querendo dizer é que na Inglaterra os avós não estão sempre tão interessados na vida dos netos.
Nunca Alex, com sua voz insinuante, foi tão bem recebido, e Charlotte soltou um suspiro de alívio ao ver seu marido encostado no ba­tente da porta.
Alex entrou no salão e galantemente beijou a mão de sua avó, que ralhou com ele suavemente, depois de olhar não com muita aprovação as roupas que vestia:
— Alexandros! Por que você está me evitando?
— Minha querida avó — disse —, nós somos recém-casados. Será que a senhora e o meu avô ficaram muito ansiosos por companhia durante sua lua-de-mel?
— É muito diferente. Nós não passamos a lua-de-mel junto da família. Alexandros, você tinha prometido vir me visitar!
Charlotte ouviu esta conversa com uma crescente sensação de mal-estar. De um lado se sentia responsável pelo fato de Alex não ter ido ver sua avó, mas por outro não concordava com a impressão totalmente falsa que ele estava dando à sua avó. Mas o que ele pode­ria dizer? Como poderia explicar àquela arrogante senhora que a única razão daquele casamento fora uma aposta de jogo, aliada a sua vontade de ter um herdeiro?
Maria chegou neste momento com o chocolate e, encontrando Alex com as senhoras, ofereceu-se para ir buscar mais uma xícara.
Ohi, ten pirazi, Maria! — respondeu Alex meneando a cabeça, e Charlotte adivinhou que ele tinha recusado. Voltou-se mais uma vez para a sua avó: — Espero que nos faça companhia para o almoço. Vou trocar de roupa e já volto.
— Não, Alexandros — falou olhando para ele com firmeza. — Não vim aqui para me intrometer na vida de vocês. Vim para conhecer sua esposa e já conheci. É muito bonita. Posso entender sua vontade de guardá-la só para você. Mas espero que venham me visitar, logo!
Charlotte olhou para o marido, percebendo que ele esperava alguma coisa dela. Sem saber bem o que ele queria, arriscou:
— Por favor, fique. A senhora é bem-vinda aqui.
— Muito obrigada, querida, mas sei muito bem quando sou de­mais — indicando o chocolate que Maria havia colocado na mesinha em frente de Charlotte. — Depois de tomar meu chocolate, vou para casa,
— Chocolate? Oh, sim — falou Charlotte, que a esta altura tinha até se esquecido do chocolate.
Você está abatido, meu filho — disse Eleni olhando para Alex. E observando Charlotte, continuou: — E sua esposa está nervosa comigo, o que você andou contando a ela?
— Está imaginando coisas, vovó. E chamar atenção para o nervo­sismo de uma pessoa não é a melhor maneira de colocá-la à vontade.
Eleni encolheu os ombros e recebeu a xícara que Charlotte lhe oferecia.
— Ela está muito magra, naturalmente. — A velha senhora mudava de assunto com incrível velocidade. — Mas uma vez que os bebês comecem a chegar isto vai mudar.
— Espero que não — retrucou Alex. — Gosto dela do jeito que é.
Eleni tomou seu chocolate lentamente, e Charlotte tentou desesperadamente engolir o dela. Como sua avó tinha recusado o convite para o almoço, Alex não tinha ido trocar de roupa, e Charlotte deu graças a Deus, mesmo porque isto queria dizer que iria desaparecer outra vez, mal sua avó virasse as costas.
Finalmente, Eleni levantou-se para partir, e Charlotte e Alex a levaram até a porta. Para encanto de Charlotte, uma pequena charrete, puxada por um burro, esperava lá fora. Dando um grito de admiração ela afastou-se de seu marido e da senhora e aproximou-se do burrinho, acariciando seu pescoço. Até então não tinha pensado como Eleni tinha atravessado a ilha para chegar até ali. Desde que chegara não tinha visto carros, e como a maior parte dos lugares era acessível a pé, tinha pensado que ali não havia nenhum meio de locomoção.
Alex ajudou a velha senhora a subir, e ela pegou as rédeas e um pequeno chicote.
— Qual é o nome dele? — perguntou Charlotte sem perceber o repentino calor de sua voz, ao se referir ao animal.
— Pepe — respondeu Eleni, olhando para ela de modo estranho. — Você gosta muito de animais?
— Gosto muito. Uma vez tivemos um cachorro... — e depois de alguma hesitação continuou — depois que minha mãe morreu não havia ninguém para cuidar dele, porque fui para o colégio. Papai disse que tínhamos que nos livrar dele.
Eleni e Alexandros trocaram um olhar e depois Eleni, estalando o chicote, despediu-se do casal:
— Eu preciso ir andando. Espero ver vocês muito em breve. Não se esqueça, Alexandros.
A charrete seguiu pelo caminho que levava à aldeia e Charlotte sentiu-se subitamente abandonada. Apesar da tensão que sentiu ao conversar com a avó de Alex, foi uma coisa muito estimulante, e ago­ra que ela se fora as coisas iam voltar à mesma monotonia.
Não havia nem sinal de Alex, quando Charlotte entrou na sala e calculou que deveria ter ido para o quarto. Havia descoberto, por processo de eliminação, que ele ocupava um quarto algumas portas adiante do dela.
Olhou as horas. Era ainda meio-dia; teria, portanto ainda duas horas para passar até a hora do almoço. Sentia-se suada, depois da tensão de seu encontro com a avó de Alex, e pensou naquela lagoa que Alex tinha se oferecido para lhe mostrar. Ficou imaginando onde ela ficaria e se conseguiria encontrá-la sozinha, mas logo abandonou tal idéia. Estava muito quente para andar pela ilha sem destino, e não estava nada interessada em acrescentar uma insolação a todos os seus problemas.
Estava hesitante, na porta, quando mãos firmes em seu tórax a puseram de lado, e Alex passou por ela caminhando pelos ladrilhos brancos e encostou-se em um dos grossos pilares de pedra que havia na entrada da casa.
— Bem — disse, provocando: — Em que está pensando?
— Estou com muito calor e suada — respondeu Charlotte.
— O que achou de Eleni? — perguntou, ignorando o apelo que havia em suas palavras.
— É muito simpática — falou Charlotte encolhendo os ombros.
— Mas muito curiosa.
— Eu não disse isto.
— Não. Mas ela é. — Alex desviou o olhar. — Eu pretendia apresentar você a ela outro dia, mas... Imaginei que ela apareceria mais cedo ou mais tarde.
— Você podia ter me avisado.
— Por quê? Não percebi de sua parte nenhuma vontade em con­versar comigo.
Charlotte colocou as palmas das mãos úmidas em seus bolsinhos nos quadris. Depois disse, um pouco relutante:
— Não. Bem, talvez eu tenha sido muito precipitada. Eu... Quem sabe nós... Deveríamos falar um com o outro. Quero dizer... Como eu vou me... Acostumar com você?
— Continue — falou Alex voltando-se para ela.
— Bem, você não acha que nós... Devíamos nos comportar co­mo... Gente civilizada?
— Concordo. Mas fico imaginando o que mudou sua opinião. Muitas horas sem companhia, talvez. Mal posso acreditar que você tenha algum interesse em minha companhia.
— Se você vai ficar sarcástico... — respondeu Charlotte mordendo os lábios.
— Que diabo espera de mim? Você fica aí e me diz que talvez tenha sido precipitada, que talvez fosse melhor falarmos um com o outro. Quem sabe eu não queira falar com você?
Charlotte estava abismada com a facilidade com que ele conseguia feri-la. Segurando a cabeça entre as mãos disse: — Gostaria de nunca ter falado nisto!
— Ah, vamos então voltar às nossas briguinhas infantis? Vai en­tão retirar sua oferta tão generosa? — perguntou Alex impaciente­mente.
— Você é um bruto, sabe disto? — desabafou, tremendo.
— E você é uma doce menininha incompreendida. Eu sei. Desculpe se eu acho muito difícil acreditar nisto.
Charlotte engoliu em seco e inclinou-se para pegar o livro e ir embora, mas os dedos firmes de Alex seguraram seu braço.
— Vamos parar com este jogo, está bem? — sugeriu ele, e estavam tão próximos um do outro que ela sentia seu hálito. — Vou levar você para nadar, se é isto que quer. E não negue. Poderia levar suas palavras ao pé da letra!
Charlotte livrou-se de Alex, não querendo admitir a confusão que sentia sempre que ficava muito próxima a ele. Podia ainda sentir a pressão da mão em seu braço. E esfregou a pele impacientemente. Estava lutando dentro dela contra os impulsos que a atiravam para ele. Mas a fraqueza venceu!
— Muito bem — admitiu finalmente —, gostaria muito de ir na­dar.
— Você tem uma roupa de banho, não? — falou Alex andando pelo pátio e depois virando-se para ela. — Vá buscar. Está perdendo tempo.
Charlotte hesitou só mais um instante, e então, punhos cerrados, caminhou decididamente para dentro.
Estava quente agora; bem mais quente do que quando Eleni saíra na charrete. Seguindo Alex pelo terreno acidentado, logo as pernas de Charlotte começaram a doer. Sentia-se cansada, pois não estava acostumada a fazer exercícios.
Alex estava acostumado com o lugar e subia facilmente na frente, parando de vez em quando para esperar que ela o alcançasse. Ele não dizia nada, mas Charlotte estava satisfeita. Desconfiava que não teria fôlego para conseguir falar.
Finalmente ele parou e apontou, embaixo, um rochedo muito escarpado, divertindo-se por causa das faces coradas da jovem, e disse:
— Olhe, lá está. Venha, me dê a mão porque aqui é muito íngreme. — Charlotte deixou que seus dedos se entrelaçassem.
Com os olhos fixos nas costas largas de Alex, ela deixou que ele a precedesse escarpa abaixo, não ousando pensar no que aconteceria se ele escorregasse. Abaixo deles, a água batia nos recifes, fazendo muita espuma, e, quando chegavam perto, respingava neles; molhando-os. Finalmente chegaram a um platô que servia de trampolim natural, e Charlotte pôde ver a ponta recurvada que formava a enseada.
Charlotte tentou agir naturalmente ao tirar as calças compridas e ficar só de maiô, andando depois até a plataforma.
Ela pôs a ponta do pé na água, primeiro. Como seu corpo estava quente teve a impressão de que a água estava muito fria, mas logo tomou coragem e sentou-se na borda, com as pernas balançando dentro da água.
Decidindo que devia ser agora ou nunca, Charlotte escorregou pela plataforma, mergulhando sob as ondas, e abrindo os olhos num mundo todo verde, cheio de algas ondulantes.
Quando voltou à superfície para tomar um pouco de ar, estava no meio da enseada e Alex estava de pé na beirada, seus olhos mostrando ansiedade. Ela nadou de volta para perto dele, tirando o cabelo dos olhos.
Charlotte deu um suspiro e preguiçosamente voltou a nadar. Estava retornando à plataforma, quando alguma coisa mergulhou bem no meio da piscina natural e levantou pouca água ao cair. Tudo aconteceu muito depressa para que ela sentisse medo e, quando a cabeça morena de Alex apareceu perto dela, sentiu alívio por ele ter resolvido vir fazer-lhe companhia.
— Prometo não tirar vantagem de você, se você também não tirar vantagem de mim — disse ele com um sorriso maroto. — Você que­ria que eu lhe fizesse companhia, não é?
— Sim, oh sim! —respondeu prontamente a jovem.
A meia hora seguinte voou. Charlotte nunca fora muito boa em esportes aquáticos, mas logo Alex a pôs nadando e mergulhando e apostando corrida, gozando a liberdade da natureza, plenamente. Ele era ótimo nadador, e Charlotte percebeu que controlava a velocidade pelo fôlego dela. Ensinou-a a prender o fôlego por mais tempo, como controlar a respiração, nadando com ela até a abertura da rocha por onde entrava a água do mar, através das cavernas subterrâneas que ele explorava quando era menino.
Mas chegou a hora de voltar, e Alex ficou boiando enquanto Charlotte se enxugava e punha outra vez a roupa por cima do biquíni. Desviou os olhos quando Alex saiu da água e pediu sua toalha para se enxugar também. Curiosamente, não estava se sentindo embaraçada. Afinal de contas, pensou ela, este homem é meu marido! E então ficou chocada ao perceber que estava começando a aceitar a situação.
Viram Maria procurando por eles ao se aproximarem da casa. Sua fisionomia contraída mostrava preocupação, e Charlotte percebeu que Maria estava com medo de ter acontecido alguma coisa com eles. Falou alguma coisa a Alex em sua própria língua e então ele insistiu para que ela falasse em inglês.
Charlotte percebeu muito bem o que a velha criada estava pensando e ficou muito sem jeito. Naturalmente Maria sabia que Alex gostava de nadar lá e devia estar imaginando cenas de amor ao lado da piscina.

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