Capítulo XII

127 6 1
                                    

Eleni chegou na hora do almoço para ver seu bisneto, logo depois que o dr. Leonides e a enfermeira chegaram de helicóptero. Vittorio havia sido mandado de lancha, durante a noite, para buscar o médi­co e sua assistente, e depois deles desembarcarem sem problemas, voltou rapidamente ao continente a fim de retirar os móveis e de­mais acessórios para o bebê, reservados numa grande loja de Atenas.
A enfermeira era uma mulher de meia-idade, com um ar simpáti­co e eficiente. Depois que o dr. Leonides examinou Charlotte e o be­bê, assegurando que ambos estavam em boas condições, ela tomou conta das coisas, cuidando da jovem mãe com delicadeza e compe­tência. Quando Eleni chegou, Charlotte já tinha tomado seu banho e trocado de roupa.
Alex apareceu logo depois, enquanto Eleni se certificava de que Charlotte se recuperava do parto. Tinha dormido um pouco, e Char­lotte ficou impressionada com a diferença de sua aparência em rela­ção à noite anterior. Tinham desaparecido do rosto aquele olhar an­gustiado e a expressão de fracasso, assim como as rugas de cansaço e exaustão. Ele parecia vibrante e másculo, e o olhar que trocou com a mulher era de confiança nascida da experiência que ambos tinham passado, juntos.
— Você está ciente de que seu passeio a pé, até a minha casa, foi o responsável por isto, não está? — comentava Eleni, quando Alex entrou. E voltando-se para o neto: — Eu bem que disse que não devia ter ido!
Alex chegou perto da cama, olhando para o filho, aconchegado nos braços da mãe e já procurando com a boca o seio para se alimentar:
— Devia estar muito orgulhosa, yaya — respondeu, um pouco au­sente, pondo um dos dedos na mãozinha do filho. — Não é toda mo­ça que andaria mais de seis quilómetros, nas condições de Charlotte, só para visitar uma mulher velha...
— E você deveria estar aqui para impedir que ela fizesse uma coisa destas! — respondeu indignada, e continuou impulsivamente: — Espero que agora você fique!
— Oh, sim! — concordou Alex, tocando o queixo do bebê com o dedo. — Agora vou ficar, não é, Charlotte?
Charlotte não sabia o que responder. Não sabia realmente o que ele estava querendo dizer. A não ser que, como ela deveria partir, ele teria que ficar. Pelo menos até que fosse contratado alguém para tomar conta do bebê. Seu coração apertou de dor. Oh! Deus, ela não queria partir! Queria desesperadamente ficar! Apesar de tudo o que ele tivesse dito, tudo o que tivesse feito, apesar de suas razões ao concordar com o contrato, ela queria ficar! Lá era seu lar! Aquele homem era o seu marido! E ela o amava!
— Bem, Charlotte — falou Eleni positivamente —, Alex fica ou não fica?
— Eu... ele é quem decide — falou, com os lábios secos. — Ele é quem tem que resolver, não eu.
— Pois acho que vocês dois têm responsabilidade com seu filho — respondeu, irritada. — Vou deixar vocês, agora. É evidente que estão em boas mãos. Parabéns aos dois. — E tocando a cabecinha do bebê, saiu.
Alex acompanhou a avó até fora, onde Yanni a esperava com a charrete, e, ao voltar, encontrou a enfermeira com sua mulher. Ob­viamente, sua presença não era muito desejada, naquele momento, e com uma careta despediu-se de Charlotte.
Na verdade, Charlotte ainda estava muito cansada e dormiu a maior parte do dia. Depois de uma ceia leve, a enfermeira deu-lhe um sedativo e ela dormiu calmamente o resto da noite. Por isso, so­mente na manhã seguinte Charlotte descobriu que Alex dormira no quarto de vestir.
A enfermeira estava muito preocupada em fazer com que Charlot­te desejasse amamentar o filho, embora Charlotte tivesse dúvidas sobre se devia ou não fazê-lo dependente dela desta maneira. Mas não pôde deixar de sentir uma grande emoção quando sentiu a bo­quinha dele sugando avidamente seu seio. Foi uma experiência dolo­rosa, e mais ainda quando Alex veio vê-la, com uma expressão de curiosa satisfação.
Nos dias seguintes, não ficaram muito tempo a sós, e mesmo nes­sas ocasiões, Alex parecia não querer abordar assuntos pessoais. Charlotte estava preferindo mesmo que ele adiasse a conversa, pois não se sentia com forças para enfrentar discussões.
Depois de uns dois dias, ela já estava de pé e andando, para gran­de espanto do marido. Certamente, ele tinha pensado que Charlotte deveria ficar ao menos uma semana na cama, e sua independência obviamente não lhe agradou.
Depois de uma semana de acompanhamento médico, o dr. Leonides voltara ao continente. Tinha que cuidar de outros clientes, já que Charlotte e o menino estavam passando muito bem. A enfermei­ra ainda ficaria. Fora contratada por um mês e Charlotte estava con­tente com a sua ajuda. Havia muito que fazer, e embora Maria esti­vesse se encarregando da roupa extra, ela sempre se ocupava de vá­rias outras coisas. Amamentar o bebê tomava a maior parte de seu tempo, e a mamada da meia-noite e a da madrugada faziam com que Charlotte não tivesse mais do que três ou quatro horas de sono seguidas. Aquilo estava abalando sua saúde, mas ficou muito choca­da quando ouviu a discussão entre Alex e a enfermeira, no quarto que tinham destinado à criança.
— Acho que a criança já deve ser amamentada com mamadeira
— falava contrariado.
— Se a senhora Faulkner puder amamentá-lo por mais três ou quatro semanas, será o bastante — insistia a enfermeira. — Não há substituto para...
— O leite materno, não precisa me dizer! — interrompeu Alex. —— Pois eu não acredito. Testes provaram que, em alguns casos, crianças alimentadas com mamadeira são mais saudáveis!
— Eu não ia dizer leite materno — replicou calmamente a enfer­meira. — O que não tem substituto é o sentimento de proteção que o bebê recebe nos braços da mãe. E também foi devidamente prova­do que as crianças alimentadas no peito são, em geral, muito mais bem ajustadas.
Charlotte não esperou para ouvir mais. É lógico que Alex queria que a criança tivesse alimentação artificial. Enquanto ela o estivesse amamentando, sua presença ali seria obrigatória, e não era isto o que ele desejava. Mas por que não dizer isto a ela, em vez de falar com a enfermeira?
Na próxima vez que a enfermeira trouxe a criança, enquanto desa­botoava a blusa, disse à enfermeira:
— Não acha que já é tempo de começar a dar a mamadeira para ele?
— Seu marido falou com a senhora? — aquela perguntou com im­paciência.
— Não. — E estava realmente falando a verdade. — Por quê?
— Ele disse a mesma coisa para mim. Muito bem, se é isso o que ambos desejam... A criança já tem dezesseis dias. Não acho que vai lhe fazer mal.
Charlotte sentiu que as lágrimas estavam prestes a cair, ao olhar a expressão satisfeita no rostinho do filho. Suas pequenas mãozinhas estavam sobre seus seios, os olhos meio fechados, enquanto sorvia gulosamente seu leite. Era verdade que ela estava se esgotando, mas também iria renunciar a momentos como este. Havia horas em que quase se convencia de que ele não poderia sobreviver sem ela.
A criança ajeitou-se muito bem com a mamadeira, assim Charlot­te poderia dormir a noite inteira. A enfermeira se encarregava da mamada da noite. Até então, Charlotte só tinha conversado com Alex sobre assuntos banais. George tinha chegado há alguns dias, e desde a sua chegada Charlotte mal tinha visto o marido. Dois dias antes de a enfermeira ir embora, uma outra mulher chegou. Seu no­me era Glenda Francis, era inglesa, e Charlotte ficou aterrada quan­do Alex a apresentou como a nova governanta. Uma governanta! Pa­recia confirmar sua crença de que, gradualmente, Alex estava tor­nando a sua presença na ilha desnecessária.
Mas o que seria dela? Será que não havia pensado em seus senti­mentos? Nem mesmo em relação à criança? Não tinha nem discuti­do qual seria o seu nome, pois ainda não fora registrada. Sua parte no negócio parecia ter terminado, e, vagarosa mas firmemente, esta­va sendo colocada em segundo plano. Em parte ela desejava se rebe­lar, desejava insistir em ficar na ilha pelo menos enquanto o bebê fosse pequeno. Mas a razão lhe mostrava que era tolice. Quanto mais ficasse, mais difícil seria partir. Estava convencida de que o bebê já a conhecia, e uma vez que começasse a se sentar e conhecer as coisas...
Andava agoniada pelo quarto, dilacerada por sentimentos que não sabia existirem dentro dela. Pensar que tinha falado tão descuidadosamente em abandonar a ilha depois do nascimento do bebê, pensar que realmente tinha pensado em partir!
Com uma determinação que só o desespero dá, foi procurar Alex. Encontrou-o na biblioteca. George estava com ele, mas levantou-se quando Charlotte entrou, e dando uma desculpa qualquer, deixou-os sozinhos. Os olhos de Charlotte vagueavam incertos pela mesa em que estavam trabalhando, e subitamente seus olhos caíram num do­cumento que estava descuidadosamente ao lado. Era uma cópia do contrato que o sr. Falstaff tinha dado a ela, e a sua franqueza transformou-se em indignação.
— O que está fazendo? Escrevendo o acordo final? A cláusula que me liberta deste contrato? E o que George tem a ver com isto? Você discute o nosso caso com ele?
— George é um advogado — respondeu Alex, contrariado —, pen­sei que sabia disto.
— Você está me dizendo — perguntou Charlotte boquiaberta — que foi ele quem redigiu aquele contrato? Ele sabe todos os detalhes?
— Sim — concordou Alex, abaixando a cabeça. — Ele é a única pessoa que sabe.
— Ah, sim, certamente! — E Charlotte apertou os lábios.
— O que quer, Charlotte? Estou procurando resolver todos estes casos rapidamente. Quero ficar livre de negócios pelo menos por umas quatro semanas.
— Por quê? — E olhando fixamente para ele: — É este o tempo que se leva para conseguir um divórcio?
— Divórcio? — Alex deu a volta pelo lado da mesa e se aproximou dela. — Do que você está falando?
— Divórcio! O nosso divórcio — disse Charlotte, recuando. — Não finja que se esqueceu, com esse papel bem na sua frente!
— Você quer... o divórcio? — perguntou Alex, muito pálido e surpreso.
— Você quer!
Alex encarou-a fixamente, e depois, com uma exclamação, agar­rou-a, apertou-a de encontro a seu corpo com toda a violência. Então perguntou com voz apaixonada:
— Isto parece coisa de quem quer um divórcio? Charlotte, tentei ficar longe de você, controlar meus sentimentos, mas você me provo­ca demais!
Sua boca abafou qualquer protesto que ela pudesse ter feito, e a paixão de seus beijos tirou dela qualquer resistência. Ele a beijava profundamente, com tanto ímpeto que parecia tirar o próprio cora­ção do peito. Afinal ela correspondeu com o mesmo ardor, sentindo-se incapaz de deixá-lo afastar-se. Alex então perguntou:
— E agora? Você ainda quer me deixar?
— Você não quer que eu vá? — perguntou angustiada.
— Não, não quero que você vá embora. Eu amo você, Charlotte. Eu amo você há muito tempo. Antes mesmo que você soubesse que eu existia.
— Quer dizer que...
— Quero dizer que eu casei com você porque a amava, porque queria tomar conta de você, porque não podia pensar em deixar você abandonada, deixar que alguém se apaixonasse por você antes de mim.
Charlotte mal podia acreditar no que ouvia.
— Quer dizer que casaria comigo de qualquer maneira? E para que esses testes? Mas... mas por que você não podia me dizer o que sentia? Meu pai...
— Você teria me levado a sério? Um homem da minha idade?
— Poderia, por que não?
— Não queria arriscar. E, além disto, não precisava.
— E meu pai sabia?
— Eu sabia que íamos acabar falando nele — disse, afastando-a gentilmente.
— Alex, o que aconteceu há oito anos?
— O que você sabe de oito anos atrás? — falou Alex, muito sério.
— Nada. É por isso que estou perguntando a você. Oh, George falou alguma coisa sobre...
— George! Devia ter imaginado!
— E por que não me contar se tem a ver comigo?
— Mas não tem nada a ver com você. Pelos menos diretamente.
— Oh, Alex!
— Me responda só uma coisa — disse ele, aproximando-se dela e levantando-lhe o queixo, para poder olhar bem dentro de seus olhos.
— Você deve saber que sim!
Alex pareceu satisfeito com a resposta. Depois falou:
— Então... você concorda com o que tenha acontecido há oito anos, isto não vai abalar o amor que temos um pelo outro? Nossa vida juntos está apenas começando. É por isso que estava resolvendo estes casos. Quero ter pelo menos quatro semanas. Quero levar você para longe, para algum lugar onde possamos ficar juntos e sozinhos. Onde possa provar que meu amor por você supera tudo, até mesmo meu grande amor por nosso filho! O contrato é nulo e sem valor. Vai ser destruído. Admito que eu o usei para conseguir o que queria. Posso ser impiedoso, às vezes, e você provavelmente concorda. Mas meus objetivos não eram inteiramente egoístas.
Charlotte respirou fundo, e depois de um minuto de silêncio, per­guntou:
— Mas você... você disse que teve dúvidas sobre se deveria ou não voltar depois, depois...
— Eu sei que disse. E era verdade. Charlotte, não sei o que você esperava, mas tencionava que você viesse morar na ilha e que nós dois nos conhecêssemos melhor. Possuir minha mulher à força não fazia parte de meus planos. Mas você foi tão... — Fez uma pausa e depois continuou: — Pode imaginar como me senti? Sobretudo de­pois que você me mandou embora daquele modo? Eu não sabia se, quando voltasse, você não cometeria algum gesto desesperado. Você tem que admitir que estava com medo de mim.
— No começo — murmurou Charlotte, tocando a mão dele. — Mas depois estava com medo de mim mesma...
— Eu sabia — falou ele carinhosamente. — Mas, mesmo assim, não poderia ter certeza de como realmente você se sentia. Foi só quando voltei desta vez, quando correspondeu a mim espontanea­mente, que tive a certeza absoluta, ou pelo menos esperava...
— Mas o que quis dizer sobre me amar antes que eu soubesse que você existia? Meu pai nunca mencionou seu nome.
— Não sei disto. — Pensou um pouco e continuou: — Charlotte, eu vi você pela primeira vez quando tinha doze anos. Uma garota de escola, magricela, com rabo-de-cavalo, em companhia de um ho­mem que devia ser mais responsável.
— Por favor, pediu Charlotte, muito séria —, não fale de meu pai dessa maneira.
— Está certo, está certo — concordou Alex, controlando-se com esforço. — Eu tinha, então, o quê? Uns trinta e três anos. Por dez anos eu tinha dirigido a organização Faulkner. Me achava cínico e amargurado. Mas senti que não era feliz.
— Não fazia muito tempo que minha mãe tinha morrido — expli­cou Charlotte. — Papai e eu estávamos ambos infelizes com isso!
— Estavam? Está certo, acredito nisso. Bem, acho que comecei tendo pena de você. Mas quando você foi ficando mais velha, meus sentimentos mudaram. Mas, mesmo assim, você ainda era muito nova. Você ainda é. Mas sou um homem, não um santo! Desejava você e ainda desejo.
— Mas não havia outras mulheres?
— Casos passageiros — falou, indiferente —. nada mais.
— E... e o que há com Irena?
— Irena? — Por um momento, Alex pareceu espantado. Depois deu um sorriso de pena: — Ora, Irena! Você certamente não pensou que eu estava interessado nela!
— Mas você dançou com ela. Deixou que ela flertasse com você!
— Eu sei. E você teve ciúmes. — Ele colocou-lhe o dedo nos lábios para que ela não protestasse. — Objetivo alcançado?
— Quer dizer... — falou Charlotte, empurrando o dedo dele — Oh, Alex!
— Bem — falou ele, pousando nela uns olhos incrivelmente cari­nhosos —, agora que o caso do bebê está resolvido, qual a próxima pergunta?
— Você não percebeu que ele ainda não tem nome?
— Provisoriamente será Nicholas Alexander — respondeu Alex calmamente. — A não ser que você tenha outra sugestão.
— Oh, não, não tenho nenhuma. Acho esses nomes perfeitos.
— Esperava que você gostasse.
Charlotte sabia que a hora da verdade tinha soado. Então falou:
— Você está me pedindo que confie em você. Que esqueça da morte de meu pai, de seu provável suicídio, e que ame você apesar de tudo?
— A decisão é muito difícil? — perguntou Alex, inclinando a ca­beça.
— Não deveria ser. Uma decisão fácil, quero dizer — falou, fazen­do um gesto de desânimo. — Mas... Alex, não adianta. Não posso deixar você. Eu amo você demais para poder fazer isso.
— Oh, Charlotte!
Esta frase foi abafada na massa sedosa de seus cabelos, ao puxá-la para junto de si, e enterrar o rosto em seu pescoço. Para seu grande espanto, ele estava tremendo, e descobriu, sentindo que seu amor por ele aumentava ainda mais, que ele tinha tido medo da resposta que ela poderia ter dado. Mas não importava quanto ela se auto-recriminasse, sabia que ali era o seu lugar e fez a prece silenciosa a seu pai para que a entendesse onde quer que estivesse.
Nenhum dos dois ouviu quando bateram na porta, e George en­trou encontrando-os abraçados. Ele deu um pigarro, e com relutân­cia Alex afastou-se da esposa.
— O que aconteceu? — perguntou Alex, com uma ponta de impa­ciência.
— Vittorio está aqui. Você disse que ele viesse combinar quando poderá levar a enfermeira para o continente.
— Diabo, é mesmo — e Alex passou a mão pelos cabelos. — Ti­nha-me esquecido. — Afastando-se relutante Charlotte, falou ca­rinhosamente: — Espere aqui por mim. Não vou demorar.
Quando Alex saiu e fechou a porta, George perguntou se ela não queria se sentar. Charlotte concordou satisfeita, pois suas pernas es­tavam bambas, tanto por sua fraqueza como pelo amor que sentira em Alex.
— Tenho a impressão de que você vai ficar — comentou com gen­tileza. — Estou satisfeito.
— Eu o amo — falou Charlotte, encolhendo os ombros.
— E agora não pode mais ter dúvidas se ele a ama — continuou George veementemente. — Meu Deus, quando penso em todos estes meses em que poderia ter-lhe contado e não o fiz somente para prote­ger a memória de seu pai! Eu lhe disse que era um tolo!
Charlotte ficou tensa. Era evidente que George pensava que Alex tinha lhe contado toda a verdade. Mas que verdade era esta? Ela não seria humana se não o encorajasse a falar mais.
— Você... você então não achava que ele devia agir assim?
— Não — e George caminhou para perto da janela. — Charles Mortimer está morto, talvez por suas próprias mãos ou não, isto não é importante. Por que permitir que ele continue a interferir na vida dos vivos?
— Ele... ele era meu pai — viu-se forçada a lembrar.
— E a sua mãe? Será que ela não merece também a sua piedade?
Felizmente George não estava olhando para ela naquele momento, ou veria imediatamente a angústia que tomou conta de seu rosto. Então perguntou:
— Minha... mãe?
— Sim. Agora que sabe que foi o egoísmo de seu pai que causou o seu ataque do coração. Não sente nenhuma pena dela?
— Eu... eu... você acha mesmo isso? — falou Charlotte incré­dula.
— Eu não acho, eu tenho... — E George subitamente percebeu o que ela havia dito e se voltou assustado. — Oh, Deus! Ele não ti­nha contado nada, não é? Você me deixou falar e não sabia nada disto, sabia? Alex! Alex, seu idiota!
— Não, por favor — e Charlotte se levantou, agarrando-o pelo bra­ço. — Por favor, não fique zangado comigo! Mas não pude deixar de ficar curiosa.
— Quer dizer... quer dizer... que você tinha decidido viver com Alex sem saber a verdade?
— Se há alguma coisa que eu não sabia, então sim. Sim, estava resolvida. — George balançou a cabeça, incrédulo.
— Alex disse que você faria isso. Disse que não haveria razão para feri-la ainda mais. E eu arrumei tudo!
— George, você não poderia saber — falou Charlotte, torcendo as mãos. — É tanto minha culpa quanto sua. Você vê, eu não sou assim tão inocente, afinal de contas. E... agora que começou precisa ir até o fim.
— Como poderia? — falou George respirando pesadamente.
— E como não poderia? Por favor, George, de que maneira meu pai foi responsável pelo ataque de coração de minha mãe? Eu... eu tenho que saber!
— Eu acho que não tenho escolha. Mas, se Alex descobrir...
— Não vai. Não por enquanto, pelo menos. Por favor, continue. — George estendia as mãos, num gesto muito típico.
— Muito bem. Seu pai era, você acredite ou não, um jogador com­pulsivo. Hoje em dia o jogo é considerado uma doença, tanto quanto as drogas ou o alcoolismo. Mas há oito anos atrás era menos grave. Os homens jogavam e não achavam nada disto. Seu pai era um de­les.
— E minha mãe?
— Há oito anos, seu pai perdeu tudo. A casa, o negócio, tudo. Foi então que Alex se envolveu com ele. Anos antes, seu avô tinha negó­cios com a Corporação Faulkner. Baseando-se nisto, seu pai veio nos procurar para pedir um empréstimo. A princípio, Alex recusou. E por que não? Primeiro e antes de tudo, Alex era um homem de negó­cios. Seu pai não podia dar garantia. Mas eventualmente ele cedeu e concedeu a seu pai o empréstimo pedido. Infelizmente, no que diz respeito à sua mãe, era muito tarde. Ela acabou descobrindo dívidas de seu pai e você sabe o que aconteceu.
— Oh, não! — Charlotte estava gelada.
— Receio que sim. De qualquer modo o empréstimo saiu. Seu pai contou uma história sobre sua filhinha que teria que abandonar a escola e outras coisas. Alex concordou que daria o empréstimo com a condição de que ele não jogasse mais.
— Mas ele não parou?
— Não. Alex encontrou com ele em Cannes, em Montecarlo, em Saint-Moritz. Onde quer que houvesse cassinos, seu pai podia ser encontrado. Era óbvio que ele estava hipotecando propriedades que de fato não lhe pertenciam. O inevitável aconteceu. Seu pai era um perdedor, Charlotte. Ficou sem nada pela segunda vez na vida e seus débitos eram imensos. Então voltou rastejando para Alex. Pode ima­ginar como Alex se sentiu! Você consegue? Nessa época ele já sabia de tudo sobre você e tinha começado a se importar com o que poderia lhe acontecer. Foi então que assumiram o contrato. Um contrato in­fame, sem dúvida, mas realmente a culpa não cabia a Alex. Ele sim­plesmente queria protegê-la, e não havia outra maneira. Ele não queria adotá-la. Não era assim que ele gostava de você. E qualquer outra atitude daria margem a comentários os mais desagradáveis. Mas por fim seu pai não conseguiu aguentar isto, aparentemente. Ninguém nunca saberá. Somente aquele seguro de vida ficou como testemunha.
— Mas como foi possível para ele fazer um seguro de vida destes em tais circunstâncias?
— Que circunstâncias? Oh, Charlotte, seu pai sabia quando veio procurar Alex. Alex tinha feito todos os contratos e empréstimos par­ticularmente. Ninguém na cidade sabia que ele possuía a Seguros Mortimer. Seguros Mortimer! — e deu um sorriso amargo. — Que nome irônico!
Charlotte afundou na poltrona outra vez. E pensar que durante todos estes meses ela culpara Alex pela morte de seu pai. George tinha razão, ele devia ter lhe contado.
Mas será que devia mesmo? Se ela tivesse sabido da verdade antes de se apaixonar por ele, poderia sempre imaginar que o que sentia por ele não era amor e sim... gratidão. Estava contente por saber a verdade desse jeito, mas mais feliz ainda por confiar em Alex e aceitá-lo como era. A porta se abriu e Alex entrou na biblioteca.
— Muito bem. Ele está esperando para falar com você, George. George assentiu com a cabeça e deixou a sala. Depois que a porta
fechou, Alex olhou interrogativamente para Charlotte e perguntou:
— Bem — falou —, você mudou de idéia?
— Uma, duas, três vezes! —respondeu Charlotte, levantando da cadeira e atirando-se em seus braços. — Oh, Alex, darei minha vida para fazer você feliz — e encostou o rosto contra seu peito, adorando sentir seus músculos fortes.
— Ei — e Alex olhou ternamente para ela. — O que eu fiz para merecer tudo isto?
— Oh, nada — disse ela, tentando enxugar as lágrimas e beijando seu pescoço. — Mas me conte mais uma coisa: por que você quis que eu parasse de amamentar Nicholas? — e o nome do filho soou muito doce a seus ouvidos.
— Quem disse isso a você? — perguntou franzindo a testa.
— Ninguém precisou me dizer. Eu ouvi você conversando com a enfermeira.
— Você escutou?
— Eu não fiquei sem fazer nada enquanto você esteve fora — res­pondeu com os olhos brilhantes. — Agora deixe de perguntas e me responda. Por que fez isto?
— Podia dizer que foi por ciúme, mas não vou — e riu-se divertido com o seu rubor. — Meu bem, como eu podia ter você para mim se estava cheia de obrigações? E além disto estava muito cansada e eu estava preocupado com você.
— E a senhorita Francis?
— Você gosta dela?
— Eu a conheço muito pouco. Parece eficiente.
— Ela tem excelentes referências — concordou Alex muito sério.
— Foi babá dos filhos de um amigo meu. Nunca concordaria em dei­xar nosso filho nas mãos de qualquer pessoa. Mas se você não estiver satisfeita...
— Oh, estou — e Charlotte deu um suspiro de felicidade. — Mas por que você não me falou antes?   
— Acho... acho que tive medo — falou Alex sacudindo a cabeça.
— Doçura, você parecia ainda estar me odiando e eu não teria aguentado isso.
Charlotte chegou-se mais a ele e sentiu sua imediata resposta. Quanto ela amava este homem. Imaginar a vida sem ele era agora uma coisa impossível!
— Bem, em todo o caso, estou contente que a gravidez tenha acabado — comentou Charlotte.
— E eu também — falou Alex ardentemente em seu ouvido. — Já estava ficando cansado de dormir no quarto de vestir...
Charlotte sorriu, colocando sua mão atrás da cabeça dele e trazendo sua boca para a dela. Algum dia ela diria a ele o que George lhe tinha contado. Mas não agora. Por enquanto era bastante terem um ao outro, e seu filho ter o amor de ambos. A lenda da ilha voltava mais uma vez a se repetir!

F I M

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Dec 31, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

A ilha dos desejos Onde histórias criam vida. Descubra agora