XXXII - Han

222 22 15
                                    

Era a terceira vez que Jisung acordava assustado com os sons do medidor de batimentos cardíacos. Suas costas doíam e sua perna esquerda estava dormente pela posição desconfortável em que havia adormecido.

Mesmo depois de todas as perguntas que tivera de responder aos policiais e médicos, ainda não sabia exatamente o que tinha acontecido. Minho havia o encontrado, pensou, essa era a única certeza.  Seungmin havia chamado a polícia enquanto os outros entravam lá, e eles prenderam Jae em flagrante. Aquilo tudo parecia ter acontecido décadas atrás, e sua mente se prendia em apenas uma coisa naquele momento. 

Jisung encarava o mais velho deitado na cama de hospital, coberto por diversos curativos e cercado de fios. Assim que chegaram ali, achou que seria o fim. Mesmo depois de todo o atendimento e dos médicos garantirem que o Lee estava estável e fora de perigo, nada o tranquilizava. 

O garoto que sempre havia tido um brilho misterioso no olhar, um sorriso debochado nos lábios, agora deitava imóvel e inconsciente bem ali, ao seu lado. Foi tirado de seus devaneios novamente pelo medidor cardíaco. Enquanto olhava fixamente para o monitor sentia lágrimas escorrendo de seus olhos. Não entendia por que as coisas sempre acabavam assim. Ou até por que as coisas sempre acabavam. Jisung se sentia egoísta, mas não conseguia parar de pensar em como tudo acontecera por sua causa. Na sua família, com seus amigos, tudo parecia se repetir e repetir interminavelmente. A culpa vivia consigo e vivia tão arraigada em sua mente que não sabia nem porque a sentia, como se só estivesse ali para prendê-lo parado, como uma âncora. Acontece que essa âncora era muito pesada para seu pequeno e delicado corpo, e cada dia mais ela o puxava para baixo. Jisung estava se afogando e não sabia como voltar para a superfície. Precisava que alguém o ajudasse, mas sempre que alguém se envolvia as coisas acabavam assim. Quanto mais tentava fugir de seu próprio naufrágio mais gente levava consigo. Talvez ele devesse apenas se deixar levar. Chegar ao fundo não parecia tão ruim às vezes.





"não-se-esqueças-de-mim"

"hm?" Minho murmurou, já sonolento. A cabeça apoiada em seu braço e o celular no viva a voz ao lado de seu travesseiro enquanto encarava o teto vazio de seu quarto.

"Minha flor favorita... Existe um conto em que um cavaleiro que queria demonstrar o quanto amava uma jovem, mergulhou para apanhar essas lindas flores que flutuavam em um rio, mas acabou se afogando pelo peso de sua armadura. não se esqueças de mim, ele disse antes de afundar. Desde então essa flor passou a crescer à margem dos rios para que ninguém mais precisasse morrer por sua causa." Jisung terminou de contar soltando um riso baixinho, se remexendo em meios as cobertas pensativo. Depois de alguns minutos de silêncio, pensou que o detetive tivesse se entediado com sua falação e cedido ao sono, mas a voz embargada do outro lado da linha interrompeu suas suposições.

"É assim que você sente?" questionou ele. "Não como o cavaleiro desastrado, ou a garota azarada, mas como as miosótis."

Jisung se surpreendeu com o fato do outro conhecer o nome menos comum de sua flor preferida, e até ter algum conhecimento sobre flores, e acabou por sorrir brevemente, antes que a tristeza voltasse a tomar lugar em seu semblante e as lembranças dolorosas que o acompanhavam viessem a tona.

"Não era meu plano deixar a Malásia, eu até gostava de lá... Meu irmão amava aquele lugar... " o tom vacilante na voz do mais novo fez com que Minho se endireitasse na cama, se aproximando mais do aparelho enquanto Jisung limpava as lágrimas repentinas que lavavam seu rosto sem permissão "A gente foi pra lá bem novinhos, e foi ele quem convenceu a mamãe e o papai de ficarmos mais tempo, e acabamos por nos mudar pra lá depois de alguns meses. Eu sempre tive dificuldade em me relacionar com as pessoas, mas ele sempre estava comigo, então consegui me adaptar. As pessoas tem essa mania, né? A gente acaba se habituando a alguém e ao afeto dessa pessoa, e isso cria uma espécie de raiz dentro de nós. Quando isso é arrancado da gente, nada parece ter mais sentido." O garoto cobriu o rosto com as costas da mão e respirou profundamente, como se todo o ar presente naquele cômodo não fosse o suficiente para encher seus pulmões e o salvar de se afogar em seu próprio eu.

Hellevator - MinsungOnde histórias criam vida. Descubra agora