XXXVI - Oh.

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A caminhada não durou mais que uns quinze minutos e apesar do horário, o clima estava fresco e agradável. O mais velho guiava Jisung, que aproveitava para observar as ruas do pequeno bairro, atento a cada detalhe que cruzava seu olhar.

Depois de virarem mais uma esquina, ao lado de um restaurante antigo que parecia ter sido fechado há um bom tempo, e subirem largos degraus de concreto, o loiro não pôde deixar de sorrir ao ser pego se surpresa com a ampla vista de um fragmento da cidade, uma variedade de pequenos prédios, comércios e casas que contrastavam em suas cores, mas se uniam refletindo a mistura de tons de amarelo, laranja e dourado, pincelados pela luz do sol. Enquanto o Han observava boquiaberto, Minho aproveitou pra se recostar em uma das paredes do pequeno mirante, arrumando seu moletom no chão pra acomodar sua nova companheira que ronronava em aprovação pelo calor do tecido.

"Min, posso te fazer uma pergunta?" Questionou Jisung, se sentando próximo ao detetive. "Por que escolheu o trabalho que tem?"

O mais velho pensou por alguns segundos, antes de responder.

"As investigações, as mortes, a violência... Não é algo fácil de se lidar, nem um pouco. A gente nunca se acostuma com isso, mas aprende a conviver depois de um tempo, se quiser seguir nesse ramo. Eu nunca confiei na polícia e tive meus motivos pra isso. Meu pai era um policial aposentado, e sempre foi um homem muito agressivo, comigo e com minha mãe. As coisas que ele fazia, o que tivemos de passar... Ele ainda tinha contato com alguns ex colegas, alguns ainda ativos, e eles eram muito próximos da nossa família, frequentavam nossa casa em jantares, aniversários e ocasiões especiais, e bom, apesar de não ser óbvio pra quem via de fora, eles sabiam o que acontecia, como ele era, o que ele fazia comigo e a mamãe... E nunca moveram um dedo pra tentar ajudar ou ao menos perguntavam se precisávamos de ajuda."

O Han ouvia atento, um misto de compreensão e revolta marcando suas feições, enquanto esperava que o outro prosseguisse. 

"Apesar de ser violento, ele não costumava me agredir fisicamente, ela não deixava. Durante os surtos de raiva, ela corria comigo pro quarto e me trancava lá, por mais que eu tentasse ficar com ela, ela sabia que eu tentaria defende-la e acabaria me machucando ainda mais, eu era muito pequeno. A família do Kwan era nossa vizinha, a mãe dele e a minha sempre foram muito amigas e a Sra Kim sempre apoiou muito a mamãe e oferecia todo o suporte que podia, também tentava incentivá-la a procurar ajuda e denunciá-lo de uma vez por todas, mas eu sabia que ela não o fazia porque aquele monstro ameaçava acabar comigo se ela abrisse a boca, mas eu não podia mais aturar aquilo, ver o estado da minha mãe e ele saindo impune. Então em uma certa manhã fui atrás de dois amigos da família que trabalhavam na delegacia do bairro. Contei tudo pra eles, e esperei que eles fizessem algo, que mandassem alguém até em casa pra confirmar o que eu havia acabado de dizer, mas sabe o que eles fizeram? "– riu incrédulo.

"Me levaram até em casa, aquele velho já me esperava no portão, e disseram pra ele ficar de olho nas "histórias que o pirralho andava espalhando por aí". Depois daquilo, a mamãe esperou ele sair pra beber naquelas semana e com a ajuda da Sra Kim e do Kwan, juntamos todas nossas coisas e fugimos, fomos morar com minha tia, bem longe daquele homem. Ele sabia que não podia ousar ir atrás de nós, ainda mais com mais gente sabendo daquilo, então ele acabou por nos deixar em paz. Ele adoeceu alguns meses depois, e em pouco menos de dois anos, não resistiu. Mamãe se recuperou bem depois de algum tempo, mas as marcas que esse tipo de coisa deixam são permanentes, e o que ela teve que aturar por todos aqueles anos...

Então algo que eu e o Kwan sempre quisemos, desde crianças, era tentar mudar as coisas pra pessoas como nós. Não são todos os oficiais que são honestos e justos iguais ao Kwan, e por mais que eu quisesse ajudar, eu sabia que não ia conseguir seguir o mesmo caminho que ele. Então estudei e treinei por alguns anos, e acabei me tornando detetive particular. Ainda assim, eu nunca me achei bom o suficiente pra conseguir fazer alguma diferença, eu sequer conseguia proteger a pessoa que eu mais amava dentro da minha própria casa... Mas eu não desisti, porque quando os culpados são finalmente presos, o pouco de justiça que se pode fazer pelas vítimas e o alívio no rosto daqueles que esperaram tanto tempo, isso faz valer a pena."

"Você era uma criança, Minho." Interrompeu o mais novo, segurando firme a mão do moreno. "Não tinha muito o que você podia fazer e apesar de tudo aquilo, você foi corajoso o suficiente pra tentar fazer algo e ficou ao lado da sua mãe todo o tempo. O único culpado ali era aquele homem, e eu sinto muito, mesmo, que vocês tenham sido negligenciados dessa forma pelas pessoas que deveriam ajudar, isso tudo é uma grande merda. Fico feliz que sua mãe esteja bem agora, ela sem dúvidas é uma mulher muito forte. E você puxou isso dela. Você é incrível, Min. É corajoso, determinado, e faz até além do seu alcance pra ajudar as pessoas ao seu redor. Olha aí, o que você fez pra me salvar, mesmo eu sendo quase um estranho." – disse apontando para o abdômen do mais velho, marcado pelo curativo.

"Você só entrou em perigo por minha causa" – prosseguiu ignorando o olhar de protesto do menor – "E você não é um estranho, Han. Eu sei que nos conhecemos faz pouco tempo, e nas piores circunstancias possíveis.'' Riram em concordância "Mas já passamos por muita coisa juntos e sei que não nos conhecemos bem ainda, mas não sei, talvez seja só comigo... Mas eu me sinto próximo de você de uma forma que não sei bem explicar." Terminou de falar abaixando o olhar para seus pés, envergonhado.

"Não é só com você." Jisung se aproximou mais, puxando o moreno para que deitasse em seu colo, passando a acariciar o emaranhado de fios pretos enquanto Minho fechava os olhos, aproveitando o carinho repentino.

"Por que você fugiu pra cá?"

"Ei eu não fugi! Só saí de fininho sem avisar ninguém." O tom emburrado fazia Jisung rir. "Eu não sei, não pensei muito na verdade... Depois do que aconteceu naquele porão, do que aquele idiota fez com você, por minha causa, eu fiquei assustado, Jisung. Achei que se me afastasse de alguma forma tornaria as coisas melhores. Não quero mais que as pessoas importantes pra mim se machuquem por minha causa."

"Você precisa entender que o que aconteceu não foi culpa sua, Minho. Algumas coisas estão muito fora do nosso controle e não dá pra prever como as pessoas vão agir, lembra? E agora já passou, ele está pagando pelo que fez, e nós estamos inteiros. Então larga de ser bobão."

Minho quis protestar, mas acabou por assentir. No fundo sabia que o Han estava certo, já havia passado da hora de enfrentar seus sentimentos e receios, e dar voz as suas vontades, pelo menos uma vez. E foi com esse pequeno lampejo de coragem que se sentou, tomando o rosto de Jisung em suas mãos e acariciando de leve as bochechas que tanto amava observar, examinando o olhar alheio à procura de algum protesto que não existiu, e finalmente unindo seus lábios em um beijo calmo, que foi se aprofundando pouco a pouco, fazendo o coração dos dois bater mais forte, transbordando o sentimento que nutriram durante esse tempo em toques delicados e ansiosos, e mais e mais beijos.

Depois de algum tempo ali, Jisung abraçou Minho por trás, o aninhando em seus braços assim que o moreno recostou em seu peito.

"Min?" chamou tão baixo que se a distância entre eles fosse maior, o outro não escutaria.

"Ji?"

"Eu sei que as coisas estão complicadas agora... Mas quando elas se acertarem, na verdade antes, não sei. Bom, a gente vai dar um jeito, não vai?"

"Vamos. Eu prometo." Garantiu apertando ainda mais os braços que o envolviam.

"Mas não era bem isso que eu queria dizer, na verdade..."

Parecendo saber o que o outro queria falar em meio a tantos rodeios, mesmo estando um pouco inseguro e tão tímido quanto o Han, o detetive resolveu arriscar.

"Jisung."

"Eu?"

"Namora comigo?"

O moreno sentiu o corpo do menor estremecer junto ao seu, mas antes que se levantasse preocupado de ter se precipitado, o sorriso enorme de Han fez com que todo seu medo sumisse dali.

"Posso pensar a respeito?" brincou, fazendo o mais velho rir.

"Humm, claro que pode. Só não posso garantir que não vou mudar ideia até lá."

O loiro empurrou o Lee, aumentando sua risada despertando a gatinha que caminhou até eles, querendo atenção e a recebendo no mesmo instante.


Hellevator - MinsungOnde histórias criam vida. Descubra agora