XXXV - Minho

174 23 20
                                    

Se aproveitando da ausência de cortinas, vários feches de luz iluminavam o cômodo, forçando os olhos do detetive a se estreitarem, mas o calor do sol não parecia querer aquecer sua pele gelada. Seus ossos pareciam mais pesados do que podia suportar para que tentasse se mover e sair da posição que estava há horas. Não que tivesse alguma pretensão de fazer isso, afinal.

O colchão velho cheirava a mofo e a umidade tomava tudo ali, tornando sua respiração incômoda. Tentou se virar uma ou duas vezes, sentindo seu abdômen queimar. Tocou o curativo que cobria o local e lembrou que já havia passado da hora de tomar outro analgésico e os anti-inflamatórios que o estavam receitados.

Assim que recebeu alta e soube que poderia deixar o hospital na manhã seguinte, por já estar bem tarde, Minho não conseguiu pensar em mais nada. Recolheu seus pertences e documentos, chamou um táxi que demorou um pouco a chegar por já ser de madrugada, e sem perceber já havia dado aquele endereço que há tempos não deixava seus lábios, mas que nunca deixaria suas memórias.

Mesmo tendo passado anos, nada parecia muito diferente. Os poucos móveis que restavam estavam encardidos e empoeirados. A cama pequena, uma cômoda empenada e um baú eram suficiente para tornar o pequeno quarto apertado. Com um esforço falho, se esticou para alcançar os frascos com os remédios que tinha de tomar, acabando por derrubar tudo debaixo da cama. O pequeno vão entre o estrado e o chão parecia mínimo agora, mas quando era menor era ali seu maior refúgio, onde ele e Kwan se escondiam e passavam horas conversando baixinho. Eram incontáveis as noites em que o mais velho entrava escondido pela janela do quarto, e lia histórias com a lanterna de acampamento que havia ganhado de uma tia em um de seus aniversários, na tentativa de distrair o pequeno do medo constante.


"Onde você se vê no futuro, Min?"  questionava o maior, em uma daquelas noites.

"Eu não sei. Não sei se consigo me ver no futuro. Acho que mal consigo me ver agora. Não parece real pra mim, Kwan. Parece real pra você?"

"Ás vezes. Não que isso seja algo bom"

"O que você quer dizer?"

"Ás vezes eu preferiria que não fosse real. Seria mais fácil assim."

"Seria" concordou triste, entendendo o que o amigo queria dizer.

O estrondo no cômodo ao lado e a gritaria que se iniciava novamente faziam o corpo do mais novo tremer e seu coração acelerar. Sentia os braços de Kwan o cercarem e sua voz entrecortada preencher o pequeno espaço mais uma vez.

"Você é real, e eu estou aqui. Não vou a lugar algum."



Sendo desperto de suas antigas memórias, Minho sentiu o celular vibrar próximo ao seu corpo, o ecrã estampando o nome do amigo, junto a outras inúmeras chamadas perdidas. Pensou por alguns instantes se deveria ou não atender, mas como bem conhecia Byeongkwan, ele não desistiria tão fácil e era capaz até de dar um jeito de rastrear o mais novo aonde quer que ele estivesse enfiado, então era melhor já poupá-lo do trabalho.

Como já esperava, o mais velho não perguntou muita coisa, apenas se ele estava bem, se havia comido e o que estava o incomodando. Depois de anos, tendo crescido juntos, a amizade dos dois havia se fortalecido de tal forma, que um sempre sabia quando algo estava errado. Minho não disse muita coisa, apenas onde estava, e que não, não havia comido nada desde que deixou o hospital.

"Certo, te vejo em algumas horas", declarou o policial, prestes a desligar.

"O que? Não precisa, Kwan, mesmo. Você sequer já recebeu alta também?"

"Até logo, Min", respondeu impaciente, encerrando a ligação.


Já passava da hora do almoço fazia tempo, e por mais que a fome começasse a incomodar, Minho apenas bebeu o resto de uma garrafa de água que havia levado consigo e se sentou do lado de fora da construção antiga, a espera de Kwan. Seu antigo bairro agora era pouco movimentado, e a casa que morava ficava de frente para um pequeno parquinho, que de primeiro momento parecia vazio, mas algo chamara a atenção do detetive. De uma caixa de papelão largada perto de algumas lixeiras, escutou um ronronar baixinho, e seus olhos brilharam ao ver a bola de pêlos branco e caramelo, enroscada em seu próprio corpo, tentando se aquecer. Ao mesmo tempo que seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso com a adorável gatinha, seu coração ficou apertado por vê-la ali abandonada, passando fome e frio por sabe-se lá quanto tempo.

" Oi, pequena. Você deve estar com fome, não é? "  disse preocupado, se agachando para olhar mais de perto o animalzinho " Vamos arrumar algo pra você comer. "

" E quem vai arrumar algo pra você comer? "

A voz repentina atrás de si assustou Minho, que tropeçando nos próprios pés, acabou por cair sentado, xingando os quatro cantos e fazendo o mais novo rir. 

A pele beijada pelo sol, de Jisung, contrastava com o cabelo desbotado e seu sorriso fazia suas bochechas parecerem ainda mais redondas. Observar Han sempre mexia com algo dentro de Lee Minho, algo que não sabia o que era, e nem se queria descobrir.

" Como você chegou até aqui? "

" Eu estava com o Chris e o Kwan quando ele ligou pra você. Ele já estava prestes a vir correndo pra cá, e, bem. Eu me ofereci pra vir no lugar dele. " Jisung concluiu envergonhado, encarando as sacolas em suas mãos, e se surpreendeu ao levantar o olhar e ver o sorriso ladino do mais velho, que o encarava.  " Que foi, eu sou tão bonito assim? " 

O tom acusatório em sua voz fez o mais velho gargalhar, e voltando sua atenção pra gatinha, a tomou nos braços, examinando se estava machucada. Apesar de estar fraca, ela parecia bem e o carinho de Minho em sua cabeça fez com que se aconchegasse ainda mais, miando baixinho. Depois de se levantar, segurou a pequena em um dos braços e estendeu a outra mão em direção ao Han, que os observava apreensivo.

" Vem comigo, quero te levar em um lugar. "

Hellevator - MinsungOnde histórias criam vida. Descubra agora