1. Despedida / Encontro

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Ei Anna, você se lembra da primeira vez que nos vimos? Tinhamos expectativas diferentes sobre morar naquela cidade, isso é certo. Você me ouviu falar sobre minha vida durante o voo inteiro e não disse nenhuma palavra sobre si mesma. Desabafar sobre minha vida com uma desconhecida não pareceu nada estranho para mim, é como se eu soubesse o que o destino reservava a nós duas, o que obviamente não é nada verdade.

5 de janeiro de 2012, Aeroporto Internacional de Brasília

Nesse dia em particular eu estava mais concentrada  em cruzar o oceano do que me arrumar, então eu fui para o aeroporto com uma camiseta cinza com uma estampa da unb (presente da Izabela), com um casaco preto na mochila, os jeans rasgados de sempre e all stars vermelhos. Ao passar por um espelho, reparei em como meu cabelo estava desajeitado, ele era castanho claro e não muito grande, ia até o ombro, além de uma pequena franja. Eu sei, com 21 anos, não tinha o menor senso de estilo. Minha observação foi interrompida pela voz de minha melhor amiga:

– Ok vamos lá, você não precisa ir até a Europa por causa do seu namorado, torrar o dinheiro da sua família ricassa e você sabe muito bem disso - Izabela é minha amiga desde criança e eu respeito muito ela. Sério. De verdade. Passamos uma boa parte da escola separadas só para que nos encontrassemos novamente na faculdade e ela é a minha voz da razão, deixar ela para trás vai ser díficil.

– Morar com o Henry pode ser  temporário, eu vou arrumar um emprego e posso começar a pagar aluguel sem depender do dinheiro da mamãe. Morar fora é meu sonho, você sabe disso e eu não pretendo depender da bondade do Henry por muito tempo.

Henry era muito carinhoso comigo, acho que foi o primeiro homem a realmente me tratar com respeito, ele era bem calmo e nada intenso, ao contrário de como havia sido com meus exs namorados. Ele era realmente mais do que eu merecia, quando estava com ele as coisas faziam sentido naturalmente e havia um bom tempo que eu não via ele, então as coisas se complicaram bastante. Ainda bem que tive Izabela.

– Anna, sendo bem honesta contigo, eu diria que se você sair do apartamento do Henry cedo, você vai morrer de fome. Claro, você vai conseguir viver bem por algum tempo graças a ele. Mas se você não começar a trabalhar cedo e quiser morar sozinha só com o dinheiro da sua mãe, seu tempo na França vai ser curto - Nesse dia em específico, Izabela tinha uma expressão ainda mais séria do que o comum. Ela estava linda. Ela sempre foi mais alta que eu e de que a maioria das garotas, naquela época ela tinha por volta de 1.80. Seu belo cabelo escuro - e sobre certa luz azulado - estava solto e lindíssimo. Ela sorriu para mim. - Eu sei que você vai se comportar, Anna. Afinal, eu te conheço melhor do que ninguém. Vamos continuar nos falando, ok?

Nos dirigimos até o embarque, era por volta de 16:30 e o aeroporto estava mais vazio do que ele costuma estar. Antes de eu entrar na área de embarque, abracei Izabela por alguns segundos. Durante nosso abraço eu sussurei:

– Obrigada por me trazer até aqui, você sabe o quanto você é importante para mim - ela era a única comigo naquele momento e eu não consegui me desgrudar dela por o que pareceu alguns segundos para mim, mas foram dois minutos no tempo real.

-Eu sei que sua família está meio ocupada no momento, mas pode ter certeza que eles estão orgulhosos de você, principalmente sua mãe. - Ela me segurou mais forte - Se as coisas apertarem não seja orgulhosa, pelo amor de Deus. Sua mãe pode te ajudar com um dinheiro, ela ficaria feliz de te ajudar.

-Vocês são boas demais para mim, eu amo você.

Ao fim do abraço, nos encaramos brevemente e eu pensei sobre tudo o que passamos juntas, todas as aulas que faltamos, os brigadeiros que comemos, as discussões sobre garotos que tivemos, enfim - toda uma fase que simplesmente chegou ao fim.

Depois de tudo isso eu ainda sabia que nos veríamos novamente e que meu tempo na França passaria voando, mesmo assim já sentia a falta dela. Tudo isso durabte o instante que nos encaramos.

-Tchau Izabela - disse sorrindo.

Me virei para a entrada do embarque e disse baixinho para mim mesma:

-Não voltarei por Brasília, voltarei por vocês. - pensando em Izabela, em minha mãe e minhas irmãs.

Nos despedimos e eu fui em direção ao portão de embarque do meu voo até São Paulo, onde embarcaria para Paris. 

Durante o pequeno trajeto, observei atenciosamente os aviões, as diferentes pessoas que passavam por mim e até mesmo as lojas excessivamente caras do aeroporto. Tive a impressão de que iria lever um bom tempo até que eu voltasse a Brasília, minha cidade natal. Desde criança eu sempre quis sair de lá, eu não gostava das pessoas e da cidade em si, havia algo que não me deixava confortável.

Minha vontade de sair de Brasília só aumentou quando Henry decidiu ir para Paris, onde havia recebido uma oferta para que pudesse estudar cinema lá com bolsa integral. 

Henry e eu nos conhecemos na faculdade, eu estudava letras e Izabela me arrastou para um festival de cinema do tipo que ela gosta (com filme longos e chatos), mas dessa vez eu havia tirado a sorte grande. Izabela me apresentou um amigo dela: Pedro, que nos apresentou a Henry. Ele era um pouco mais alto que eu, tinha olhos azuis claros como o céu de Brasília e o cabelo marrom mais lindo que eu havia visto, além de marrom era longo, ele era bem confiante e passava um certo ar de segurança. Naquela mesma noite, tudo aconteceu como tinha que ter acontecido, mas isso é assunto para outro momento.

A relação estava sendo melhor que todos os outros namoros que eu havia tido, e não eram poucos. Durante minha vida eu achei estar apaixonada muitas vezes, eu sempre tive uma ilusão de que um príncipe me amaria, eu cuidaria dele e nosso namoro seria perfeito. Acho que fui aproveitada muitas vezes por caras que me achavam fácil ou coisa do tipo. As coisas só foram diferentes quando conheci um verdadeiro príncipe, Henry era bom demais para mim. Pensando bem, talvez eu ignorasse os defeitos dele pelo tamanho da saudade que me corroía naquela época em que o conheci, e príncipes como os dos filmes não existem na vida real.

Meu voo até São Paulo foi tranquilo, eu tentei ler um pouco do livro que havia trazido, mas minha cabeça estava na França, mais especificamente em Henry. 

Eu tive a sensação de que não podia aguentar ficar sem ele pelo tempo que fiquei, ele me amava e me entendia, estar com ele fazia minha vida em Brasília menos complicada. Aliás tudo parecia menos complicado com ele, eu achava que quando chegasse a França e o visse, tudo faria sentido de novo.

Foi quando na fila do segundo embarque, eu tive uma surpresa.

Mentiras, desculpas e outras invençõesOnde histórias criam vida. Descubra agora