7. Sonhos / Manhã

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Eu tive uma boa noite de sono.

Aliás, eu tive um bom sonho. Não demorou muito para eu cair no sono, afinal eu tinha bebido um pouco mais do que o normal.

Meu sonho foi basicamente uma memória, uma bem antiga.

Eu tinha cerca de 15 anos e estava com Izabela e minhas duas irmãs mais novas, desde aquela época minha mãe tratava Iza como se fosse uma de suas filhas e ela vivia na minha casa o tempo inteiro.

– Vamos chegar atrasadas desse jeito - disse Izabela.

– Já to indo, calma aí princesa - eu disse, abri a porta e me juntei a ela na sala - Ok, temos uma festa para ir, mas não faz mal chegarmos um pouco atrasadas.

– Ei, eu já to pronta pra ir ‐ disse Alice, minha irmã do meio.

Alice era resmungona e irritante, tinha cabelos loiros trançados, usava um vestido azul e fazia cara de coitada para que lévassemos ela conosco, o que não ia acontecer nem a pau.

– Já disse que não Alice, fique com sua irmã aqui, ta bem? - eu a respondi.

– Mas não é justo Anna, vou contar pra mamãe que vocês não me levaram - ela respondeu já quase chorando.

– Não é não, e se contar pra mamãe ela vai nos achar bastante sensatas de não termos te levado - a repreendi.

– O taxi tá aqui - gritou Izabela - Vem logo, Anna.

– Relaxa irmã, a gente vai poder jogar cartas aqui - disse a minha irmã mais nova, Bianca.

– Eu não quero jogar cartas, droga - Alice respondeu e consequentemente, saiu correndo para seu quarto.

Eu respirei fundo.

– Ok Iza, vamos lá.

Essa foi provavelmente a festa mais decepcionante dos últimos tempos, e parecia que a noite tinha tudo para ser um completo tédio. Quando um cara do colégio chama metade da sala para uma festa em sua casa é de se esperar um pouco mais de emoção.

Eu e Iza estávamos sentadas em uma mesa no canto da sala discutindo sobre coisas da vida enquanto tocava música antiga, não nos serviam bebida e tinha um monte de adultos (que considerávamos velhos pra caramba naquela época) passando pela festa com roupas formais. Em que buraco eu fui me meter?

– Vou buscar alguma coisa pra gente, vê se arruma algum idoso pra você dançar enquanto isso - eu disse entre risos para Iza.

Aparentemente eu entrei na sala errada. Não tinha nenhuma bebida e nem comida lá apenas um cara sentado numa cadeira de madeira que eu atropelei sem querer quando entrei.

– Meu Deus, me desculpa - eu disse um pouco afobada para o cara.

– Não se preocupe, está tudo bem - disse ele - eu só estou aqui para fugir dessa festa chata mesmo.

– Ah sim - eu olhei bem para ele.

Ele até que era... gato? Tinha belos cabelos negros, eram lisos e iam até o ombro dele, ele meio que fazia meu tipo, eu acho. Vestia um paletó branco e sorriu para mim.

– Ah sim, meu nome é Anna, eu também queria fugir dessa festa.

– Ora, agora até que começou uma música legal. Eu sou Felipe, é um prazer.

Sentei numa cadeira próxima a dele.

– Então, quem te convidou para essa festa tediosa, Felipe?

– Bem, eu não tive muita escolha. Sou o irmão do anfitrião - nós rimos.

– Espera, você ta lendo um livro aí?

– É... Não sou tão sociável assim quando o assunto é festa dos idosos. É só um livro velho.

– Ah, claro...

– Pois bem, seria desrespeitoso o irmão do anfitrião conversar contigo e não te convidar para dançar, ainda mais quando a música boa finalmente começou.

– Hmm, ok ok eu aceito - disse um pouco ansiosa.

Ele me tomou pela mão e começamos a dançar da forma mais esquisita possível. Era bem claro que ele não levava jeito para a dança, ele tropeçou umas três vezes seguidas e eu não pude segurar meu riso, o que acabou fazendo ele rir também. Ele me rodopiou algumas vezes, o que basicamente acabou em ele me lançando como um peão para o outro lado da sala.

Passamos uma boa parte da noite sentadas no chão daquela pequena sala conversando e descobrindo coisas um sobre o outro, eu descobri que ele não tinha nascido em Brasília, mas sim que acabara de se mudar de São Paulo, e também que o irmão dele era bastante irritante e esnobe. Ele descobriu onde eu estudava, e como eu gostava de minha melhor amiga, assim como minha relação com as minhas irmãs, incluindo a irritante Alice.

Eventualmente, Izabela entrou na sala e brigou comigo por ter desaparecido, mas logo entendeu o que estava acontecendo.

– Bem, o problema é que minha mãe já me ligou umas quatro vezes e está bem irritada, ela quer que eu vá pra casa logo - disse Iza.

– Ok, foi bom te conhecer, Felipe - eu disse um pouco desapontada - já está na hora de nós irmos.

– Não, eu posso dirigir, eu levo vocês - ele respondeu - e não aceito que recusem, é cortesia da casa.

– Mas... - eu disse antes de ser cortada.

– Sem mas, é o mínimo que eu posso fazer por uma amiga.

E então eu acordei. Hoje, em Paris. E Henry não estava mais em sua cama, era uma manhã nublada e um tanto fria.

– Foi uma boa noite - murmurei para mim mesma.








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