Capítulo 1 - Syrus Corps.

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Após o conhecido como Século De Sangue, a humanidade foi dominada pelas grandes corporações. Os governos, esgotados de recursos, tiveram que ceder para as multinacionais até um ponto onde perderam sua autonomia. Syrus se apossou de tudo que um dia fora conhecido como América. Com uma sede em cada cidade do continente, monitoravam e tinham influência direta em tudo que os habitantes eram permitidos de fazer.

Devido ao avanço abusivo do capitalismo, as metrópoles entraram em ascensão meteórica e a superpopulação virou uma realidade cotidiana nas principais cidades do mundo. Por consequência, a diferença social cresceu ao ponto de pobres e ricos viverem em realidades completamente opostas. Em Nova Vera Cruz, como ficou conhecida após influência da Syrus, a divisão acontecia por zonas. Mais ao sul, prédios caindo aos pedaços entupidos de gente. Constantes problemas de violência, depredação de bens públicos e abuso de poder. Enquanto ao extremo norte, onde residia pouco mais de dez por cento da população, altos executivos e suas famílias viviam tranquilamente com seus carros de luxo e robôs que lhes auxiliavam em qualquer serviço manual. Uma frase muito repetida em propagandas da região era "venha para a Zona Norte, onde o ultimo crime registrado ocorreu há cinco anos".

Estes dois locais eram divididos pela Central (ou Formigueiro como fora apelidado). Com prédios que arranhavam as nuvens, frequentes dias nublados pelos poluentes liberados pelas industrias Syrus, um trânsito infernal e outdoors e propagandas holográficas jogados em sua cara de forma tão agressiva que faziam com que até seus pensamentos fossem suprimidos. Lá era onde estava o comercio de Nova Vera Cruz. Mais de dois terços da população viviam naquela que era menor zona da megalópole. Uns amontoados em cima dos outros e trabalhando nos empregos que ainda necessitavam da capacidade humana. Isso porque com o avanço da mecanização muitas profissões deixaram de existir. Recepcionistas, motoristas públicos e garçons são exemplos de ofícios abolidos há mais de trinta anos. Em compensação a área da mecânica e empregos home-office alcançavam picos nunca vistos antes na sociedade humana.

Frank estava no meio de tudo isso, mais especificamente num canto ao sul de Nova Vera Cruz. Ele fazia parte de uma gangue de rua chamada Demônios do Bueiro. Formada em sua maioria por jovens problemáticos de dezesseis a vinte e três anos que vinham de castas mais baixas da sociedade. Bastante deles haviam sido criados em orfanatos e passado por escolas reformatórias durante a infância. Seu rito de iniciação era a implantação de um chip no globo ocular que servia para o reconhecimento facial. Frank tinha se juntado a essas pessoas depois da morte de seus pais por um filho de um executivo da Syrus. O playboy havia abusado das drogas naquela noite. Em um surto psicótico, ele dirigiu até a Zona Sul e atirou nas duas primeiras pessoas que viu. A situação toda foi encoberta dando dinheiro nas mãos certas. 

Não tendo para onde ir, Frank desde então vivia nos esgotos com aquela gangue. Seus afazeres usuais iam de contrabando de peças e drogas até implantações clandestinas de membros robóticos. Os Demônios do Bueiro cobravam menos de um quarto que as empresas para seus procedimentos. Muitos de seus participantes o tinham por vontade própria, alguns diziam até terem se mutilado apenas para implantar essa melhoria. Esta que passou a ser uma pratica comum para fins bélicos desde que a tecnologia de próteses evoluiu ao ponto de conseguir reproduzir todas as ações de um membro humano.

Naquela noite, Frank tinha terminado algumas entregas e iria para uma festa. Seu amigo Maike havia conseguido convites para um evento na Zona Norte. Tomaram algumas pílulas e partiram em um carro para o endereço combinado. Na Zona Norte haviam mais maquinas do que gente. As ruas eram seguras e limpas todas as noites. Tudo brilhava como se tivesse acabado de sair de fábrica, nenhuma das lâmpadas apresentava defeito e as pistas eram administradas de forma para que não houvesse engarrafamentos. Pichação era uma pratica terminantemente proibida naquela área, qualquer tentativa nas paredes de seja qual for o local tornava o infrator passível de dez anos de prisão.

Mil câmeras filmavam cada movimento dos cidadãos com objetivo de impedir atividades tidas como ilegais. Nos faróis de trânsitos, dentro das lojas e até no interior dos prédios, tudo era registrado e usado contra a população. Toda essa estrutura só era possível graças as maquinas que ali estavam.

- Olha aquela lixeira com rodas, Maike – Frank cutucava seu amigo enquanto gargalhava de um robô vigilante da Syrus, aquele modelo fazia rondas frequentes e alertava a polícia de qualquer delito.

Fez questão de buscar alguma coisa no interior do carro. Pegou uma lata de refrigerante vazia e a arremessou contra a máquina. Os dois deram risada da situação, enquanto Maike acelerava. Chegando na boate pode perceber nos rostos que não era comum dois arruaceiros daquele tipo por ali. Frank e Maike tinham cabelos coloridos, andavam com roupas surradas e implantes evidentes de ferro. Enquanto na Zona Norte, toda e qualquer aproximação estéticas aos robôs era repudiadas. Pele sintética recobria qualquer necessidade de membros e implantes metálicos. Esse padrão estético era levado tão a sério dentro daquela região que apenas androides eram permitidos dentro de lugares privados. Robôs eram barrados e serviam exclusivamente como utilidade publicas nas ruas da Zona Norte.

Ao entrarem o ambiente não fugia muito de uma balada comum: luzes coloridas, refletores, bebidas e mais pílulas. A música eletrônica tocava no volume mais alto e não deixava espaço para nenhum tipo de diálogo. O local havia sido feito para que fossem ouvidas apenas as ininterruptas batidas do som. Tomaram anfetamina e receberam alguns alucinógenos de um grupo de playboys. Com o passar do tempo, as luzes dos refletores e os copos com drinks coloridos pareciam ainda mais luminosos para Frank. Um brilho começou a perpassar o ambiente inteiro, sentia sua boca seca e seu coração em uníssono com as batidas do DJ. Ficaram acordados pelo resto da noite, Frank só voltou a si horas depois. Estava encharcado de suor na calçada com Maike e na companhia de duas androides. Dispensou elas com o dia amanhecendo e no caminho ao carro encontrou com um grupo de rapazes dali.

- Querem tirar um racha? – falou um deles.

Frank tinha a impressão que conhecia.

- O que? O patinete da minha prima é mais rápido que esses seus carros da Norte - ironizou Maike. – Seus pais colocaram aquelas travas de velocidade?

- É o que veremos.

Os modelos dos veículos eram bem diferentes. Frank e Maike estavam dentro de "Frank Stein", peças dos mais variados carros que eles arranjavam e tinham conseguido trocar entre participantes do comercio ilegal. O motor havia sido turbinado e a superfície toda pichada, uma delas era um círculo com as inicias "DB" em alusão a sua gangue em cima do capô. O dos outros era um carro esportivo do ano corrente. 

As pistas vazias da Zona Norte eram perfeitas para esse tipo de pratica. Só havia de se tomar cuidado para que as placas dos veículos não fossem identificadas. O que era feito através de um camuflador holográfico, o dispositivo embaralhava os sinais dos radares e impedia os infratores de serem pegos. Executivos trabalhavam duro para tentar impedir essas artimanhas, mas o mercado negro se movia em ritmo ainda maior. Os dois carros passaram a mais de trezentos quilômetros por hora. Som dos motores estourava madrugada a fora. Maike ganhou a corrida e o seu adversário, Chris, resolveu adicionar os dois em sua rede social para socializarem em outras oportunidades. Enquanto voltavam para os esgotos onde moravam, Frank repara que aquele rapaz era da família Piccoli. Uma influente família dentro da Syrus e a do assassino de seus pais. 

Como Lágrimas na Chuva - Uma Aventura CyberpunkOnde histórias criam vida. Descubra agora