Capítulo 4 - Passado, Motivações e Famílias

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Sentiu um alivio imenso quando a mulher que o parou só pediu seu contato para o levar em próximas reuniões. Frank não a deu muita atenção. Apenas passou um número falso, acenou com a cabeça e foi embora. Havia sido um grande sucesso. Na terça feira da semana seguinte, tinha o local aonde Tony Piccoli estaria. Voltando ao QG, Maike esperaria os próximos dias para descobrir o que o dispositivo implantado por Samira daria de retorno.

Os três retornavam para suas rotinas normais por um breve momento. Frank não sabia se isso era algo bom ou ruim. Não tinha grandes aspirações profissionais e nem expectativas de que poderia chegar a ter um apartamento na Zona Norte algum dia. Restava se contentar em conviver em bueiros e com outros delinquentes. Com a morte do seus pais, não havia para onde regressar e tentar ser um cidadão comum. Estava perdido no mundo e tentava se apegar aos Piccoli para não ter de lidar com isso tão cedo.

Sua relação com seus pais nunca passou de um contato superficial. Os dois trabalhavam a maior parte do dia desde que tiveram um filho. Por consequência, Frank mal os conhecia. Quando entrou na adolescência, começou a arranjar confusões e cair pelos reformatórios. Aqueles lugares de nada adiantaram além de lhe dar contatos com mais outros jovens problemáticos de áreas diferentes da cidade. Aos treze anos e nessas idas e vindas dessas instituições, teve a sua primeira conversa mais profunda com seus pais. Disseram que ele estava sendo um peso para a família e ameaçaram o entregar para um orfanato. Frank sumiu de casa por uma semana depois daquilo e começou a se associar aos Demônios do Bueiro para conseguir uma renda própria.

Esse tipo de episódio passou a se tornar rotineiro no decorrer dos anos seguintes, Frank sumia da casa dos pais por dias e não lhes avisava. A ausência dos seus progenitores não era o que lhe atormentava naquele turbilhão de emoções que foi inserido. Sentia que tinha sido roubado. Os Piccoli lhe tomaram o ultimo fio que o mantinha próximo de pessoas que tentavam andar dentro da lei.

Desde todo o ocorrido, Frank dormia no sofá da casa de Maike. Seu amigo tinha um apartamento alugado ali por perto do QG e o liberou para Frank passar alguns meses enquanto arrumava outra moradia. Comparado com outros lugares que tinha visitado, aquele estava ótimo. Maike tinha um robô ajudante doméstico e uma inteligência artificial para preparar as comidas. Artigos que havia conseguido realizando serviços para algumas empresas. Os dois mantinham a casa um lugar bem agradável. No domingo, convocaram Samira para uma reunião dentro daquele apartamento.

- É o seguinte, esqueçam achar que podemos fazer o mesmo da última vez com o Piccoli. Contatei alguns conhecidos e nenhum deles conseguiu chegar nem perto de uma decodificação desse tal prédio na Zona Norte. Apesar disso, consegui a localização de onde vai ser a reunião – Maike entregou um papel com o nome da rua do local. – Uma ligação interceptada pelo chip e temos algo que podemos usar.

- O que exatamente queremos nessa reunião? Podíamos plantar um rastreador no carro dele. Serviria para o emboscar em outro momento – disse Samira.

- Muito difícil. O prédio tem estacionamento interno, não conseguiríamos invadir – falou Maike.

- A ideia da Samira vai servir, mas faremos de um jeito melhor. Com a localização do prédio, armaremos tocaias em pontos estratégicos. Esperaremos Tony Piccoli chegar, retornar para casa e o seguiremos. O objetivo é descobrir onde ele mora. Depois disso poderemos elaborar uma forma de o emboscar.

Frank teve que usar suas economias para alugar um carro mais condizente com a Zona Norte, pois o dinheiro que havia conseguido no caixa ainda não estava disponível  e o veículo de Maike destoava muito daquela gente. Chamaria atenção demasiada. Ninguém hesitaria em contatar a polícia vendo aquele amontoado de peças desconexas em sua traseira. Um modelo esportivo como daqueles playboys que tinham apostado corrida serviria. Frank nunca tinha entrado num daqueles antes. O assento era feito de uma espuma de alta densidade e revestimento em poliuretano, além de almofaçada removível na cabeça. Todos esses novos modelos não tinham mais marchas e ainda havia a opção de piloto automático, aonde o motorista poderia marcar o destino no mapa e deixar uma inteligência artificial o levar até o local indicado. Eram confortos demais e nem teria tempo para aproveita-los.

Os três não ficariam juntos para essa missão. Com um óculo binoculo na avenida principal da Zona Norte, Maike identificaria qual é o veículo de Tony Piccoli. Samira estaria num restaurante em frente ao edifício Syrus, observando quando o chefe de divisão iria embora da reunião. A perseguição ficaria ao encargo de Frank que estava com seu carro alugado uma quadra depois do edifício.

Apesar da reunião só ocorrer pela tarde, eles se prontificaram de sair bem cedo pela manhã para se habituar a localização. Se separaram a partir do momento em que entraram na Zona Norte, não queriam ser vistos juntos. Frank passou de carro pela frente do prédio que seria a reunião. A diferença para o que tinham invadido era nítida. Aquele era um arranha-céus que mal conseguia se enxergar o topo. Lá dentro estavam os mais variados graus de importância dentro da empresa Syrus, eram onde as coisas realmente aconteciam. Nesse breve vislumbre, Frank percebeu algumas câmeras e uma quantidade anormal de robôs vigilantes. Quase uma zona restrita.

Chegou ao local onde esperaria, era o estacionamento de um supermercado. Poucos humanos frequentavam aquele tipo de serviço na Zona Norte. As compras da casa geralmente eram feitas por androides ou por via entrega domicilio. Por isso aquele lugar havia sido escolhido. Não tinham grandes possibilidades de serem perturbados.

Às duas horas da tarde, Maike comunicou que Tony Piccoli estava dentro de uma Ferrari cinza. O carro entrou direto no estacionamento e Samira ficou esperando para dar o sinal. Pouco mais de trinta minutos depois, Samira avistou o veículo saindo do prédio. A informação foi repassada para Frank que saiu do seu esconderijo, quando viu o carro de Tony Piccoli passar na rua. Ficou alguns metros atrás do chefe de divisão, o executivo parecia ocupado demais para perceber qualquer elemento a sua volta. Frank conseguiu se aproximar numa sinaleira e Tony parecia bem irritado discutindo em seu aparelho eletrônico, mas a perseguição não estava nem perto de acabar. O doutor Piccoli era um homem atarefado. Entrou e saiu de meia dúzia de prédios resolvendo assuntos pendentes. Frank se mantinha por perto, entretanto não o suficiente para ser detectado. Apenas próximo da meia noite que Tony Piccoli começou a rumar para sua casa.

Era um condomínio de casas de alto gabarito. Todas elas com jardins perfeitamente cuidados, portões em excelente estado e câmeras de segurança. Algumas tinham uma quadra de esportes particular, outras piscinas enormes que tomavam parte da área de lazer. Frank ficou assustado ao perceber o quão grande era aquele lugar. Tinha por volta de dez quilômetros de comprimento. Um rapaz do Sul só conseguiria pensar como em tanto espaço viviam menos pessoas do que na ocupação sem teto que conhecia. Quando voltou se novamente para seu objetivo, Frank viu Tony Piccoli começar a estacionar e parou seu carro duas casas antes. Agora tinha a localização dos assassinos.

Como Lágrimas na Chuva - Uma Aventura CyberpunkOnde histórias criam vida. Descubra agora