Capítulo 3 - Sob O Teto Inimigo

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Partiram do QG antes do final da tarde para evitar pegar os vagões lotados do horário de pico. Numadas telas de LCD que passavam as notícias, estava lá o assalto da noitepassada. Tinham prendido o homem que Frank havia mandado ir embora. Eleretornou para buscar algumas notas soltas e foi pego em flagrante. "Eu te avisei, idiota" pensou quando o viu algemado.

Na saída do metro, vendedores ambulantes vinham em cima de todos que desciam da plataforma. Prometiam produtos de alta qualidade para tentar seduzir os mais inocentes. Das mentiras mais usadas, a que tinham um contato dentro das empresas e a do carregamento tombado lideravam. Além de toda essa ladainha dos ambulantes, tinha que se ficar atento aos bolsos. Sofrer furtos eram uma realidade corriqueira para quem residia na Central. Nas pistas, os carros viviam em engarrafamentos infernais. Se fazia a piada que passavam mais tempo parados do que em movimento.

A Central passou a se tornar todo esse desastre depois da Syrus viabilizar as construções de mais de cem hotéis capsulas e microapartamentos visando fortalecer o comercio local. A estratégia deu certo. Nova Vera Cruz se tornou uma das principais cidades do mundo, mas o preço foi a qualidade de vida das pessoas com menos poder aquisitivo.  

Os dois serviços atraiam indivíduos com objetivos diferentes. Os hotéis capsula tinham um público bem rotativo, geralmente estrangeiros que buscavam passar algumas noites em Nova Vera Cruz por conta de negócios ou turismo. Em apenas um longo cômodo, haviam centenas de câmaras. Dentro do "quartinho" somente uma cama para se deitar e tomadas para eletrônicos. O banheiro era compartilhado e um kit de higiene básico era dado para cada hospede. O resto do serviço se assemelhava a um hotel comum com recepção, tempo de estadia e check-in.

Como outra opção haviam os microapartamentos. Cubículos de até dez metros quadrados que continham apenas o essencial para se viver. Uma cama, um banheiro, algumas prateleiras e a porta. Alguns arranjavam espaços para pôr um pequeno freezer. As cozinhas eram comunitárias, apesar de muitos dos moradores optassem por comer em restaurantes fora. Depois dessa nova política, era comum ver prédios de três andares com mais de duzentas pessoas dentro.

Após alguns quilômetros tendo que batalhar por um espaço nas calçadas movimentadas, Frank e Samira chegaram na rua do edifício comercial Syrus. O visual por fora era de um edifício de arquitetura moderna e paredes de material reflexivo. Introduziram o cartão num feixe da porta de entrada e foram segundos de apreensão até ela abrir e devolver o cartão. O interior do prédio parecia desconexo com todo o ambiente que o cercava. Era como um pedaço da Zona Norte em meio ao Formigueiro. Não havia aglomeração, pois apenas um grupo seletíssimo de pessoas podia entrar ali. 

O recepcionista era um androide de ultima geração. Uma replica perfeita de um humano comum, por mais que suas entranhas fossem todas mecânicas.  Havia sido programado para ser simpático e formal, não podiam correr o risco de desagradar alguma figura influente. Ele solicitou o motivo da visita e encaminhou Samira e Frank para o elevador. Não haviam botões, o sistema era feito através de comando de voz. Um sensor detectava aproximação do individuo e automaticamente encaminhava um elevador para o andar. Quando o passageiro adentrava, uma inteligência artificial lhe perguntava seu destino e levava para o nível correspondente.

A sala designada para a reunião estava cheia de executivos. Agentes da Syrus, patrocinadores, membros do conselho e muito mais. Frank e Samira passavam e cumprimentavam uns e outros com firmeza, por mais que nunca os tivessem vistos. Ouvindo algumas conversas soltas perceberam que aquela reunião era a conclusão de um novo modelo de câmera vigilante. Todos os testes haviam sido feitos, restava assinar as liberações.

Frank e Samira não podiam se perder do plano original: inserir um chip em uma das maquinas e tentar arranjar informações sobre Tony Piccoli. Um homem que aparentava ter trinta anos conduzia toda a reunião. Com empolgação disse que estava muito feliz em concluir seu primeiro projeto aprovado pelos superiores, deu um abraço em um senhor de meia-idade e lhe entregou um leitor de digitais. Após passar todos os dedos, aplausos percorriam todo o ambiente. Os dois infiltrados estavam conseguindo passar de forma discreta até uma mulher se aproximar de Frank com uma cara confusa.

- Bom dia, senhor. Não estou lhe reconhecendo, você trabalhou no projeto?

Frank deu um sorriso confiante. No ramo que trabalha, não sobreviveria sem saber mentir bem.

- Infelizmente não tive o prazer de trabalhar nesse novo modelo. Será, com certeza, um ótimo acréscimos aos planos Syrus. Sou Tomas Alves. Eu e minha colega ali – apontou para Samira. - Viemos para representar o doutor Piccoli – estendeu a mão para cumprimentar. – Tony é um homem muito ocupado, mas fez questão de acompanhar de perto este novo lançamento.

A mulher demorou alguns segundos para reagir, estava acessando os dados no seu implante ocular.

- Primeiro ano na empresa! Perdão pelo inconveniente. Com o número de gente que lidamos por dia é difícil gravar novos rostos. É um prazer imenso o ter aqui – se virou e fez um gesto com mão chamando um rapaz baixinho. – Este é o represente do doutor Piccoli, trate diretamente com ele.

- Tony tinha me falado de como apreciava os novos lançamentos. Fico admirado como alguém que chegou tão longe ainda tem a humildade de nós agraciar com suas congratulações. Mas falando de negócios. Gostaria que repassasse para ele que o gerente de relações internacionais, Antônio Oliveira, não poderá comparecer ao compromisso marcado na Zona Norte na próxima terça a tarde.

Frank concordou e manteve um papo entediante com aquele individuo por mais alguns breves minutos. Após se livrar do homem, Samira se aproximou e disse que havia conseguido realizar o serviço. A mesma mulher tinha se aproximado dela para agradecer a vinda, Samira aproveitou a oportunidade para se apoiar em cima de uma das maquinas e plantar o chip. O relógio apitou e sabiam que as duas horas estavam chegando ao fim e começaram a se aproximar da porta do elevador. Quando estavam saindo, ouviram uma voz e alguém pegou na mão de Frank.

- Espere! – disse a mulher. A espinha de Frank gelou e enquanto virava lentamente.

Como Lágrimas na Chuva - Uma Aventura CyberpunkOnde histórias criam vida. Descubra agora