Submundo

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  Assim que Rosalie nos empurrou, tentei não gritar ao ser atirada para dentro daquele buraco, parecia infinito. Falhei ao tentar, e soltei gritos juntamente com Bernardo. Nos calamos assim que meu corpo bateu fortemente contra o chão quente em que eu me encontrava, soltando uma poeira. Minhas costelas doíam com o impacto, olhei para o lado e vi Rosalie em pé, nos encarando com cara de zombo.
- Lamentável a situação de vocês, principalmente de você, garota, acho que não sobreviveria umas horas por aqui. - Rosalie disse, em tom de riso.
- Veremos. - A desafiei. Se ela queria me desafiar, iria ver do que eu era capaz.
Bernardo se levantou, ajudando-me a levantar.
Observei em volta, entre as grandes ruínas cor de fogo, e senti um grande calor.
A temperatura alí parecia escaldante, e Rosalie nos guiou até outros lados de ruínas, onde eu podia ouvir ruídos, gemidos e vozes suplicantes. Tudos aqueles barulhos alí eram muito macabros, me deixavam meio incomodada e receiosa se eu conseguiria ver o que estava por trás daquelas ruínas.
As vozes que podiam ser ouvidas perto dalí tinham tom de sofrimento, misturado ao cheiro de queimado, tudo estava muito abafado e eu não conseguia respirar direito com a fumaça.
Enquanto Rosalie nos guiava, percebi a satisfação em seu rosto por estar ao lado de Bernardo, acho que na cabeça dela talvez ele voltaria para morar aqui no Inferno.

Eu ainda não conseguia compreender como ele e Rosalie eram amigos, porque ela não parecia ser amiga de ningém. Talvez ela fosse a fim dele, mas eu jamais saberia o que se passava na mente dela.  No meio do caminho, vi alguns outros anjos de asas negras como Rosalie, e todos eles tinham os olhos completamente brancos como os dela. Resolvi perguntá-la por que todos eles eram assim.
- Rosalie, por que você e os outros anjos daqui tem os olhos brancos? Como vocês enxergam?
- Pergunta tola. - Ela bufou.
- Vai me responder?
- Todos os anjos que vem pra cá devem ter os olhos furados e virados.
- Mas por quê? - Disparei, me arrependendo de ter desejado visitar esse lugar.
- Para mudar a visão, vendo o Submundo de outra forma. Ás vezes temos que nos adaptar às mudanças.
- Ah. - Engoli em seco e vi que Ber estava um pouco longe.
- Esqueceu o caminho, Bernardo? - Ela perguntou, ao perceber que ele estava se afastando de nós.
- Não... Eu só não queria ter descido aqui.
Ele disse, fazendo Rosalie rir.
- Não seja tão bobo, garoto, você sabe que ninguém aqui iria te machucar, mas não digo o mesmo de sua amiga Kora.

Quando me dei por vista, já tinhamos chegado a parte principal do Inferno, onde todo o sofrimento começava, e confesso que não gostei muito do que vi, até que, de súbito, um braço ossudo agarrou minha perna.
Eu tinha razão de não estar gostando do que vi, mas quando olhei para o centro do Inferno, aquilo era muito pior do que qualquer coisa que eu pudesse imaginar. O braço ossudo que segurava minha perna era de uma mulher, que tinha seus órgãos estripados para fora e estava toda queimada, com perfurações no rosto, ela me olhou nos olhos, suplicante, e disse com uma voz como se sua garganta estivesse rasgada:
- Se na primeira morte deixamos de viver, na segunda deixamos de existir.
Não entendi bem o que ela queria me dizer com aquilo, mas ela estava muito debilitada, a ponto de não poder fazer nada contra mim. Desprendi seu braço do meu tornozelo, saindo de perto dela, aquilo me dava pena e nojo ao mesmo tempo, já que não sentia medo com facilidade.

Tirei minha atenção dela, olhando tudo o que estava à minha volta, e quase vomitei em seguida.
O centro do Inferno era pior do que qualquer filme de terror que eu já tivesse assistido, lá haviam pessoas vivas, mas com pedaços de seus corpos faltando, elas rastejavam na direção de anjos infernais, que pisavam na cabeça delas sem dó. Algumas estavam sofrendo mais ainda, sendo queimadas dentro de grandes caldeirões com água fervente. Outras pessoas estavam presas por estacas nas paredes, e algumas se encontravam penduradas por dentro, como carnes de açougue. Se houvesse tortura pior do que aquela, eu nunca saberia. Lá haviam criaturas bem piores que anjos caídos: os demônios, que torturavam as pessoas da pior forma possível, e algum deles as devoravam vivas, eu nem podia me aproximar muito, já que tudo alí era cercado por fogo.
- Se suas asas fossem de cera, já teriam derretido. - Bernardo me disse, sorrindo.
Não entendia como ele conseguia ignorar todo aquele sofrimento a nossa volta e fazer uma piada, talvez ele já tivesse se acostumado e só quisesse ir embora logo.

Com certeza aquele lugar não era o que eu queria, percebi que Rosalie me olhava com certa desconfiança, até que ela resolveu me dizer algo.
- Kora, vou ter que deixar vocês em outra parte do Submundo, já apresentei as partes que deveria. Espero que faça sua escolha, acho que não seria tão ruim assim ter o prazer de furar seus olhos e torturar as pessoas ao seu lado.
- Mas... -Tentei dizer.
- Vá por aquela sala, e só saia de lá quando resolver aonde vai querer ficar. - Rosalie me falou, apontando para um lugar escuro, onde havia uma porta de grades de ferro, cobertas com sangue.
- Não deixe os humanos entrarem lá, feche o portão quando sair.

Fαℓℓєn AngєℓOnde histórias criam vida. Descubra agora