Prólogo.

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Anos atrás o caos se espalhou pelo mundo, ameaçando acabar com aquilo que conhecemos como vida. Fruto de uma profecia, deuses e deusas do antigo Egito se viram no talvez fim de suas existências divinas. Apófis, o deus do caos, das cobras e da destruição havia voltado no auge do seu poder, desafiando tudo e todos. A cobra divina tentou engolir Rá, o deus do sol, mas não conseguiu graças aos guerreiros egípcios que continuam lutando mesmo após tantos anos do fim da era de ouro egípcia. Um exército pequeno, mas que juntos conseguiram deter Apófis, levando-o para o fundo do inferno para toda a eternidade... ou pelo menos era o que eles pensavam.

 ou pelo menos era o que eles pensavam

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PDV BASTET.

O fundo do inferno não deveria ser tão tedioso quanto estava sendo para mim. O céu acinzentado, sem luz, e o chão quente de terra, sem nenhuma vida, deveriam proporcionar mais diversão e adrenalina, mas não, era chato e monótono. E aqui estou eu, por mais um ano, ou uma década, ou um século... sei lá!

A guerra foi bem divertida, Apófis perdeu a luta para mim, para os outros deuses e guerreiros de sangue egípcio depois sua tentativa frustrada de engolir o sol e enfiar o mundo em caos e escuridão sem fim. Após nossa vitória, tivemos dias gloriosos de comemoração, balbúrdia e bebedeira, mas com Apófis era diferente, infelizmente. E então, esperando Apófis voltar, quem ficou com a missão chata de controlar e apagar aquela cobra maluca sempre que ela dava um sinal que iria acordar novamente? Claro, a gata aqui.

Em meu coração eu queria acreditar que eu tinha recebido essa missão pelo meu talento e por todos acreditarem em mim, mas lá no fundo da minha consciência — naquela parte onde é de praxe fingir que não existe — eu sabia que era mais fácil se livrar de mim ao invés de lidar comigo e com toda minha história melodramática e injusta.
Basicamente, e exemplificando bastante: meu nome é Bastet, tenho cinco mil e tantos anos, milênios a mais ou menos, e sou uma deusa do alto Egito.

Impressionante? Entusiasmante? Bom, nem tanto quando o lugar onde você morava era literalmente o inferno.

— Acorde Apófis... — Murmurei sem ânimo, pela centésima vez.

O deus cobra estava enfraquecido então sempre que abria os olhos era fácil colocá-lo para dormir novamente, mas ele estava demorando para acordar dessa vez, me privando de segundos de divertimento.

O tempo no fundo do mundo inferior era diferente. Eu não conseguia ter noção de dias, nem de horas, já que aqui não existia dia ou noite. Também não havia ninguém além de mim, nenhum demônio, nem alma penada ou outros deuses. Essa prisão foi feita exclusivamente para Apófis, e para mim, que era sua carcereira particular, destinada a viver sozinha e em forma de gato nesse fim do mundo fedorento.

A tempos eu não via meu corpo humano, já que aqui eu usava minha forma animal: a figura de uma gata de pelos rasteiros e negros e de olhos amarelados profundos.
Por mais que eu amasse essa forma, sentia falta de me ver de verdade.

Olha, não que eu seja mal agradecida ao meu senhor Rá, que além de deus do sol e deus dos deuses é meu pai, ou quase isso, mas, é só que... ser presa com Apófis no fundo do duat em uma luta brutal e eterna não é tão legal quanto se parece. Mesmo Apófis estando em sono profundo, eu não podia sair. Afinal, não tínhamos como prever quando ele iria acordar.

Ah, Bastet, mas é só matá-lo de vez!

Soltei uma risada sem humor.

Apófis era o caos, puro e palpável. Não existia terra, planetas ou universos sem o caos. Para matar Apófis, fazê-lo sumir para sempre, o mínimo era acabar com tudo. Literalmente tudo, mas, mesmo assim, ainda sobraria uma pequena possibilidade dele continuar vivo ainda sim, afinal, o caos era o precursor de qualquer coisa existente. Não tinha como matar o que não morre, então, o máximo podíamos fazer, era deixá-lo dormir profundamente após uma bela surra.

Suspirei, arranhando minhas unhas nas pedras sujas, procurando tediosamente algum lugar para dormir quando minhas orelhas detectaram um som.

Parei bruscamente, sentindo meu coração palpitar fortemente.

— Apófis? Você acordou?! — Perguntei ao nada.

Andei silenciosamente, tentando achar o lugar de onde vinha o som. Me arrastei agachada, sentindo minhas pupilas dilatarem.

— Te peguei! — Gritei, pulando no lugar de onde o som viera, mas não havia nada ali além de uma folha de papel.

Soltei um resmungo desapontado, sapateando sem dó no pedaço intacto de papel. Foi então que meu cérebro fez um pequeno loading.

Não existem folhas de papel no inferno, Bastet, sua burra.

Desamassei rapidamente, lendo-o com toda minha atenção.

"Querida, Bast
Fico muito feliz em estar te escrevendo e em te dar essa notícia! Soube que Apófis entrou em sono profundo novamente e alguns dias sem você cuidando dele não nos fará mal algum, então, te ofereço um mês de férias em nosso mundo.
Um portal abrirá depois que ler essa carta e espero que tenha uma boa viagem. Todos estão ansiosos com sua chegada!
Ansiosamente, Rá."

Meus olhos percorreram milhões e milhões de vezes.

Era isso mesmo? Eu... estou de férias?

— Por todos os deuses! — Murmurei, ainda não acreditando. 

Senti minha pele formigar e a paisagem horrível desse fim de mundo saiu do meu campo de visão. Meu corpo foi sugado e uma luz ofuscante queimar meus olhos. Deixei meus lábios se abrirem em um profundo suspiro de alívio.

Bastet, o que você fez comigo?!Onde histórias criam vida. Descubra agora