Prólogo

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1963

Eu estava sentado a frente do balcão esperando que meu amigo em particular desse as caras. O terceiro cigarro repousava suas cinzas no centro do cinzeiro enquanto equilibrava-se na borda do pequeno recipiente de vidro. A luz no local era de um tom alaranjado e tão fraca que pouco iluminava o ambiente. O lugar estava lotado de faces nada amigáveis, dispersas em mesas de madeira ruim no centro do salão ou em bancos revestidos de couro avermelhado que se encontravam em cada canto escuro do bar.

Minha irmã Eva sentava-se a dois bancos de distância. Estava acompanhada de um copo de uísque. Nos fitamos com o canto do olho e assentimos com a cabeça. Representando que saberíamos o que fazer.

Estávamos há alguns meses no encalço de nosso amigo em comum. Era um homem liso como sabonete e astuto como uma velha raposa. Era metódico como nenhum, sabia como não deixar pontas soltas. Mas, depois de quinze anos no nosso ramo, você descobre que as pontas soltas sempre estão no mesmo lugar, precisa apenas fechar os olhos para as sombras e abri-los para as trevas. Lá que homens como o nosso suspeito se escondiam. Deveríamos também ter cuidado, afinal, se você olha para o abismo por tempo demais, ele te olha de volta.

As luzes do lugar piscavam e seus frequentadores riam e bebiam como porcos se afundando no chiqueiro. Homens como aqueles eram desprezíveis de tantas formas que eu não poderia nem ao menos descrever todas. Tentei não pensar neles. Eva tirou o relógio do bolso e me mostrou discretamente. Os ponteiros marcavam dez e meia da manhã. Quase que no exato instante, um homem entrou no bar. Eu já estava no meu quarto cigarro, agora acompanhado de um copo de café. Eva olhou para mim novamente com discrição e sussurrou palavras inaudíveis, mas eu não precisaria escutar com perfeição para saber que aquele era o nosso cara.

Ele se sentou ao meu lado, um banco de distância nos separava. Eva era o chafariz da situação. O homem se vestia de forma sofisticada. Um sobretudo negro, luvas de couro da mesma cor, e sapatos que brilhavam de tão engraxados. Todos os homens desse tipo se vestem da mesma forma. Precisam transparecer confiança e sofisticação, para assim esconder sua verdadeira face.

-Vai querer alguma coisa senhor?- Perguntou o homem atrás do balcão. Provavelmente um funcionário qualquer, donos nunca perguntam se você quer alguma coisa, bom, não os donos de bar da Inglaterra. São sempre mais diretos. "Vai pedir ou vai sair logo?" Mais ou menos assim.

-Vou querer o mesmo que a bela dama ao meu lado.- Respondeu o homem. Sua voz era calma como uma fonte de água. A voz também é um ponto importante, afinal, homens como ele não poderiam soar como caipiras sem educação. Não, teriam de ser refinados em cada aspecto. Deveriam fugir dos padrões rudes masculinos impostos pela sociedade comum.

Eva olhava para mim a cada instante enquanto o homem (de costas para mim) a observava. Eu terminei meu café e pedi alguns ovos mexidos para o desjejum. Eva agia com tal naturalidade que eu jamais poderia imaginar. Sua voz estava mais delicada e seus gestos seriam dignos de uma rainha britânica. Muito diferente de sua habitual frieza e total falta de expressão.

-Então, parece que nos encontramos novamente não é? – Perguntou o homem, com tom claro de galanteio.

-As surpresas que o mundo nos oferece...- Disse Eva esforçando-se para manter sua personagem.

O homem deslizou levemente os dedos pelo balcão e os pousou entrelaçados aos de Eva.

-Se me permite dizer, é a moça mais bela que eu já vi.- Disse ele enquanto deslizava a mão livre pelo queixo  de Eva. Pude ver que seu maxilar estava rígido e seus dentes apertados. Significava que teríamos de acelerar o processo.

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