Capítulo 4- Os olhos do abismo

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Estacionei o carro do outro lado da rua, em frente a pensão. Retirei a chave da ignição e apoiei os braços sobre o volante. Sabia que os olhos de Eva me fitavam, mas ainda não queria conversar com ela. Senti naquele momento que deveria apenas respirar. Inspirar o ar e solta-lo com toda a força que pudesse. Minha cabeça latejava e meus olhos ardiam. Abaixei-me o máximo que pude, até que minha testa tocasse o centro do volante entre meus braços. O sol que entrava pelo para-brisa era de um tom alaranjado que apenas o fim do dia poderia prover.

-Você não pode resolver tudo em apenas um dia, Hans.- Disse Eva. Sua voz soava calma. Era como se ela pudesse sentir o mesmo que eu sentia. 

-Eu gostaria de poder.- Respondi. Minha voz como não mais que um sussurro.

Naquela tarde tínhamos ido a casa do ex-namorado de Elizabeth mas não havia ninguém para nos atender. Quanto as casas perto da praça, nossa sorte foi ainda menor. Nenhuma das casas que ficavam próximas a árvore onde Elizabeth fora encontrada possuía uma janela frontal. Significava que não haveriam possibilidades de alguém ter visto o ocorrido. Poderíamos encontrar alguma testemunha que estivesse naquela rua no momento exato, mas seria muito difícil, já que a maioria dos trabalhadores saem de casa apenas uma hora depois da morte de Elizabeth segundo o laudo do legista. Estávamos sem muitas opções. Sabíamos a verdade, mas não tínhamos como prova-la. 

Eva desceu primeiro e eu fui logo em seguida. Como de costume, Baker estava na recepção. Ocupado com alguns papéis e diversas anotações.

-Uma lástima.- Disse Baker, levantando os olhos em minha direção.

-Perdão?- Perguntei.

-O que aconteceu com Elizabeth. Era uma moça tão jovem, uma tragédia ter tirado a própria vida.- Respondeu o dono da pensão.

-Ela não se matou!- Senti meu peito ferver e não pude controlar o grito. Quando me dei conta já havia feito. Meu coração batia como os pistões de uma locomotiva a vapor e meus pulmões inflavam com mais força do que o normal.

-Hans...- A voz de Eva soou como um aviso. "Se acalme." Foi o que ela quis dizer, e eu havia compreendido.

-Desculpe meu irmão, ele está muito abalado com tudo isso.- Disse Eva. Ela sabia lidar com as palavras, quando queria.

-Claro, estamos todos chocados. Não é sempre que algo do tipo acontece em uma cidade tão pequena quanto a nossa. - Replicou o senhor Baker.

Estava prestes a seguir meu caminho rumo ás escadas quando a voz do homem me fez parar.

-Soube que o funeral será amanhã. Ao que parece o padre se recusou a conduzir o evento fúnebre devido ao pecado do...

Pude sentir Eva gesticular atrás de mim. Sem nem ao menos me virar, pude saber que ela o estava silenciando. Eu sabia muito bem quais seriam as próximas palavras.


Depois de tomar banho e trocar de roupa desci novamente às escadas e passei pela cozinha. Eva estava enchendo um copo com água. Sem dizer nenhuma palavra, tomei nas mãos um jarro cheio de café, que já havia sido reservado por Jennet, uma das serviçais da pensão.

-Não sei como consegue dormir bebendo tanto café.- Disse Eva. Ela agora estava virada em minha direção.

-Pra falar a verdade, nem eu sei.

-Antes de você subir, eu queria te perguntar algo.

-Pois então pergunte.- Respondi.

-Como era o homem que te visitou? Digo, na aparência.

Senti minha garganta se fechar, como se o que eu estava prestes a responder não devesse ser dito. Eu sabia como Eva reagiria, e eu não poderia culpa-la por  isso. 

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