Cap.4 - Inocência - Parte II

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Cap.4

     Aproveitando a deixa, sai do banheiro e fui em direção à inspetora Rosemary.

     Apesar de lidar com crianças como éramos ela se portava como uma tirana, rude e às vezes, não queria nem ouvir as versões dos alunos já os mandando para a diretoria.

     - Inspetora Rosemary, ei... Inspetora. – Chamei fingindo estar assustado.

     - O que você quer garoto? Qual seu nome?

     - Sou o Rubens da segunda série, acabei de ouvir gritos vindo do banheiro masculino, parece que está acontecendo alguma coisa séria por lá. – Sim, escolhi o primeiro nome que me veio à mente, apenas por segurança.

     - Mais o que? Ninguém apronta nessa escola enquanto eu trabalhar aqui. – Afirmou com certo grau de raiva momentânea.

     - Então seja rápida, descubra o que está acontecendo. – Pedi segurando um sorriso.

     - Fique aqui garoto, vou resolver isso e vai ser agora mesmo. – disse virando as costas para mim e seguindo na direção do banheiro em passos largos e ligeiros.

     Eu poderia ter me contentado e ter ido direto para minha sala enquanto a festa começava, mas que graça teria? Por qual motivo eu perderia o que estava para acontecer, ia ser hilário, tinha certeza disso, e eu sem dúvidas seria inocente na história!

     Segui então a inspetora com certa distância e cautelosamente. Me escondi atrás de um pilar no pátio, a cerca de uns quinze metros do banheiro masculino, e lá fiquei enquanto a "festa começava".

     - Mais o que é que aconteceu aqui, diga já o nome de vocês dois.

     Infelizmente quando Rosemary entrou no banheiro, Bruce já não mais estava com a cara no vaso, uma pena, mas ainda assim a festa deveria prosseguir.

     - Inspetora... Socorro... Ele quase me matou afogado nesse vaso. – Disse Bruce implorando por ajuda e ao mesmo tempo chorando como nunca havia chorado antes.

     - Calma garoto eu estou aqui agora. E você seu peste? Sabe a gravidade do que acabou de fazer? Quero os dois de pé agora, e me acompanhem até a direção, não quero um pio vindo de vocês até chegarmos lá.

- Mas... Mas, mas inspetora, eu não fiz nada, nós estávamos apenas brincando. Não é mesmo Bruce? – Paulo tentando consertar com palavras o que tinha acabado de fazer.

     E antes que Bruce pudesse responder o que Paulo disse, Rosemary interrompeu.

     - Quieto os dois, contem para a diretora Janaina, eu não sei o que aconteceu aqui e não quero nem saber, se resolvam com ela.

     Agarrou então o braço de ambos e foram a caminho da diretoria. Como a inspetora gritava ao invés de dialogar, acumulou um grande número de crianças naquele pátio, todos em volta da entrada do banheiro. Eu ainda estava atrás do pilar, era mais seguro, não corria risco de ser visto pela inspetora e nem por Bruce ou Paulo.

     Bruce estava molhado, encharcado melhor dizendo. Aquele aglomerado de crianças riam ainda mais de Bruce, e por fim, existiu um momento em que riram sem medo do paulo que era digamos, o mais popular da escola. Eu apreciava calmamente, soltando gargalhadas por dentro e dizendo para mim mesmo que tudo aconteceu conforme planejado, até aquele minuto...

     Paulo olhava a sua volta, provavelmente me procurando, mas logo voltava a baixar sua cabeça pois, a vergonha parecia o consumir completamente naquele momento.

     Infelizmente não posso dizer ao certo o que aconteceu na sala da diretora Janaina, mas o que sei, é que Paulo ganhou uma suspenção de três dias e seus pais foram chamados para uma conversa séria com a Diretora. Já Bruce, ficou um pouco traumatizado depois de tudo aquilo que aconteceu com ele fazendo até com que se esquecesse de citar meu nome para a diretora. Diria que eu tive muita sorte por ele não ter dito, mas se dissesse eu teria uma carta na manga para me safar de qualquer culpa.

     A amizade de Bruce com Paulo acabou depois disso, assim como também a amizade de Paulo com seus outros amigos que andavam com ele em seu grupo, afinal, todos passaram a sentir medo dele. Bruce pediu para ser transferido de escola porque não sabia como seriam os próximos dias de aula, e não queria ser motivo de zombarias, mais do que foi até aquele dia. Tudo mudaria na escola, graças a mim!

     Eu sabia o ponto fraco do Paulo, do Bruce e posso descobrir de qualquer um que eu precisar tirar do meu caminho. Eu era novo de fato, mas apesar de ter apenas nove anos, desde cedo fui capaz de bolar ideias geniais e pô-las em pratica, na maioria das vezes sem auxílio de alguém que eu precisasse manipular, afinal, eu sabia que eu estaria no controle e não desistiria no meio do caminho. O que eu começo, não paro até ter finalizado e de preferência, com sucesso e sem a necessidade de um plano B.

     Enquanto os dois permaneciam na diretoria, eu me encontrava na sala de aula, era português a matéria naquele momento, por sinal, que matéria chata, mas enfim. Aguardei ansiosamente que o sinal tocasse para encontrar Paulo na saída e perguntar o que aconteceu e também me manter ileso na história, como já comentei acima.

     - Ei... Paulo. Vem aqui cara, me conta o que aconteceu. – Fingi um medo em meu rosto.

     - Frank porque você me fez fazer aquilo? Onde você estava que não me avisou que tinha gente chegando?

     - Foi mau cara, um garotinho da primeira série me pediu ajuda pra bater figurinhas com um colega dele e eu acabei indo, quando eu voltava pro banheiro, vi a inspetora chegando lá e achei mais seguro não aparecer.

     - Você me abandonou lá mano, eu confiei em você, era pra ser uma brincadeira rápida como você disse e que ninguém saísse machucado, eu fui suspenso e meus pais terão que vir aqui para conversar com a diretora sobre meu comportamento de hoje.

     - Desculpa cara, você falou que eu estava junto?

     - Não, eu estava tão assustado na hora que me esqueci, mas vou falar pra ela amanhã, não posso levar toda a culpa sozinho, sou o mais velho aqui da escola inteira, e se chamarem a polícia?

     - Não Paulo, você não vai falar que eu estava junto, você não pode fazer isso! – Disse olhando seriamente para ele.

     - Porque não? Você que planejou tudo, porque só eu tenho que levar a culpa?

     - Cara, essa é minha segunda escola, fui expulso da outra por uma coisa que eu sequer fiz, e sou novato aqui como você sabe, e se eu for expulso de novo? Você vem de uma família rica, nada de mal poderá acontecer com você, agora eu, meus pais mal se importam comigo e não tenho dinheiro como você, e sobre a policia, impossível acontecer algo, você é bem novo ainda.

     - Está bem Frank, pela nossa amizade eu vou aliviar essa pra você. Mas por favor, não me meta de novo nessas coisas senão eu me ferro mais ainda.

     - Tudo bem cara, eu prometo. – Disse com meus dedos cruzados sem que ele percebesse.

     Nos despedimos então. Respirei fundo e pensei comigo mesmo, ufa, deu tudo certo, ri mentalmente e confirmei o quão inocente o Paulo era. Tão inocente que talvez até uma criança de dois anos conseguisse manipula-lo. Voltei então para minha casa com uma felicidade obscura estampada em meu rosto.

Game Over - O medo está no olharOnde histórias criam vida. Descubra agora