Cap.3 - Inocência

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Cap.3

     Quando retornei à minha casa, não fui recepcionado por meus pais, mas sim, por Jasmim. Afinal, pra variar, meus pais estavam trabalhando e Jasmim cuidava do Roberto. Estávamos em 26 de dezembro daquele ano, era uma manhã calma por volta de nove horas. Apesar de ter degustado um ótimo café da manhã na casa do Paulo, decidi comer mais alguma coisa assim que cheguei à cozinha.

     Recordo-me um pouco do tempo em que convivia com minha avó, sem dúvida foram tempos muito bons, talvez a melhor época. Havia uma calma naquela casa, comida muito boa e o melhor de tudo eram os doces que ela fazia para mim, principalmente pudim, que era a sobremesa que eu mais gostava. Sem contar também que me considerava seu neto preferido, dos cinco que teve.

     Eu poderia dizer sem dúvidas que foi ela quem me criou, pois até meus quatro anos de idade ela frequentava todos os dias minha casa para cuidar de mim enquanto meus pais estavam fora, e dos quatro até meus oito anos eu praticamente morava em sua casa. Acredito que era para eu ter convivido com ela por mais alguns anos, mas quando eu tinha sete anos, ela começou a ficar doente, era câncer, ouvi dizer que o câncer dela começou a atacar o pulmão, tornando-o cada vez mais frágil com o passar do tempo, e causando problemas respiratórios frequentes. Sempre que ela precisava fazer seus exames ou ficar internada no hospital, eu tinha que voltar pra minha casa e muitas das vezes meus pais me deixavam sozinho trancado, eu me sentia numa jaula, confinado e torcendo para que minha avó melhorasse para eu voltar a viver com ela.

     Ela voltou para sua casa após duas semanas em observação, contava com minha ajuda para tomar seus medicamentos nos horários corretos. Infelizmente ela não deixava seu vício, que com certeza foi o que ocasionou sua doença, o maldito cigarro. Mas, passado seis meses entrei em seu quarto numa manhã de segunda-feira para perguntar o porquê do café da manhã não estar pronto, e ao entrar no quarto, me deparei com ela deitada, naquela cama bem grande coberta por um edredom florido que ornava com as cortinas e o tapete daquele quarto.

     Porém, havia um detalhe não muito bom, ao me aproximar dela, não pude ouvir ou sentir sua respiração, seu corpo estava frio como se estivesse frente a uma geladeira por alguns minutos, completamente imóvel, eu a chamava, mas ela não respondia. Eu não queria acreditar, mas ela estava morta, bem em minha frente, uma cena um pouco forte para uma criança de oito anos presenciar, mas eu não consegui esboçar uma reação para aquele momento, não tinha o que fazer para traze-la de volta, então apenas caminhei até o telefone e disquei para o número do meu pai, para dizer que minha avó parecia ter morrido enquanto dormia, alguns minutos depois meu pai e uma ambulância chegavam ao endereço que eu me encontrava e aquela foi a última vez que vi minha avó Abigail. O que acho mais incomum, é que isso aconteceu justo no dia 26 de dezembro, coincidentemente, meu aniversário. O primeiro sem ela!

     Mas voltando ao que eu dizia. Em casa Jasmim veio curiosa ao meu encontro querendo saber o que tinha naquela caixa que eu carregava embaixo do meu braço, olhei pra ela dizendo:

     - Que tal você mesma descobrir? - Disse num tom tranquilo, mas rindo por dentro.

     - Tudo bem, é um presente que ganhou do seu amigo?

     - Não, ganhei da mãe dele.

     Jasmim destampou a caixa vagarosamente e ao perceber que estava olhando bem nos olhos de Ofélia, por um segundo ou dois permaneceu imóvel, e em seguida arremessou a caixa longe num momento de histeria.

     - AHHHH... Isso é presente que alguém dá pra uma criança? - Disse aos gritos de pavor.

     - Ela é boazinha Jasmim, não precisa ter medo, o nome dela é Ofélia, e não sei se você percebeu mas agora ela está rastejando por aqui, já que você jogou a caixa dela longe.

Game Over - O medo está no olharOnde histórias criam vida. Descubra agora