一 A vitrola antiga e parcialmente empoeirada chacoalhava conforme o ritmo da música tinha seus particulares picos. Na rabiola do disco, estava gravado o nome Paul Anka, autor da mesma melodia que incendiava os ouvidos de Taehyung naquele exato momento.
O corpo abaixo de si, de igual, também chacoalhava, porém em puro desespero ao ter a pele rugosa sendo lambida por altas labaredas de fogo, um fogo que era extremamente vívido diante dos olhos do Kim 一 ou pelo menos diante do único lóbulo ocular saudável que ainda possuía. Sua face era serena, como sempre foi, e o corpo mantinha-se extremamente relaxado pendido sobre o balcão de ardósia. Os gritos do senhor de idade traziam humor àquela noite. Tanto humor que, num passo largo, o Kim já se encontrava no meio da cozinha, depois de afastar 一 chutar 一 a mesa central do espaço. Seus braços se separaram e, imitando o Cristo Redentor, começou a rodopiar ao espontaneamente acompanhar as batidas do blues.
Seu coração bombeava uma quantidade de sangue exorbitante, da qual seu corpo mal conseguia filtrar adequadamente. Se por assim dizer, era como um ecstasy. Os olhos vidrados na luminária de teto manchada e encardida por mosquitos e vespas ao que a luz ofuscava, ameaçando findar a qualquer instante. E, quando a música deu seu último suspiro melancólico, Taehyung estancou no lugar. Todos os sentimentos se embrulharam dentro de si e tudo que conseguiu acatar foi a sensação estranhamente satisfatória do sangue escorrendo por dentre os dedos de seus pés descalços, ainda quente. O homem desceu o olhar por dentre o cadáver e piscou algumas vezes, parecendo assimilar o que havia feito sem nenhum resquício de humanidade, seja lá o que isso significasse realmente. Seus lábios formigaram e, de igual, as falanges. Os joelhos foram ao chão, emergindo o tecido da jeans surrada naquela imensidão vermelha que passara a dar cor ao que antes era somente o branco de alguns dos azulejos.
E então, ele sorriu, pela primeira vez durante muito tempo. Logo após, gargalhou, e gargalhou como se estivessem lhe torturando com incessantes cócegas. O bastardo ria enquanto tocava, numa falsa completude, os resquícios escarlate de seu espetáculo particular. Quando as pontadas na margem do umbigo sucumbiram, inspirou o ar com agressividade e apanhou o cutelo de lâmina enferrujada que despontava de seu Gun Belt. Apertou a base do objeto e num impulso o fincou em um corte até que o mesmo fosse o motivo principal para que a cabeça da vítima estivesse completamente independente do resto do corpo.
Seus músculos adormeceram, as vistas recaíram e a boca abafou a risada frenética com um sútil curvar de lábios. Taehyung ergueu-se, de olhos marejados, e caminhou em direção à porta da entrada, escancarada a ponto de permitir a passagem de uma geada atípica, enquanto era guiado pela melodia que passou a infestar novamente a casa.
O disco estava definitivamente arranhado na vitrola e resolveu incriminá-lo, por fim, por seus atos impúdicos.
Afinal... Ele não tinha culpa se era uma falha na sintonia.
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