O ANJO DA UTI

O NINHO DA ÁGUIA

Ed acordou no domingo com o som das gaivotas lá fora. O vento entrando pelas frestas da janela balançando as cortinas. O sol riscava a parede do quarto reluzindo o único troféu de um campeonato de xadrez que ganhou na escola. Sua mãe que o ensinou a dar o xeque-mate e os demais truques do jogo. Era hora de levantar, esticou os braços abrindo a maior boca possível com um longo bocejo.   

 ̶  Acho que não dormi bem...    ̶  e não dormiu mesmo. Rolou de um lado para o outro a noite inteira. Estava ansioso pela entrevista que seu pai iria fazer com ele, intermediando e aprovando sua entrada na "Stuartshop" em seu primeiro emprego, mesmo sendo aos fins de semana. Fora isso, toda a sequência daquele horrível acidente passando como um filme em sua cabeça, ainda havia o segredo que deveria guardar e tampouco comentar. Levantou-se e abriu as cortinas: o domingo parecia uma pintura, um dia convidativo.

Sentado na sala, com os pés esticados e de roupão, estava o Sr. Antony tomando seu café com panquecas, ouvindo atentamente o rádio. Parecia estar esperando as notícias do acidente. Acordou cedo e já eram quase dez horas da manhã.  

 ̶  Não saiu nada no noticiário principal, nem uma nota sequer... isto demonstra que querem esconder algo. Mas o quê?!    ̶  Esta incógnita corroía o Sr. Antony pelo mistério envolvido naquele acidente. Olhou o relógio e a manhã estava passando depressa. Levantou-se rapidamente. Se arrumou, colocou seu suspensório, fez a barba, penteou seu bigode e pegou as chaves indo em direção a porta   

 ̶  Ed, vou ligar o caminhão, não se demore. Traga meu chapéu por favor    ̶  Era o chapéu que só usava nos fins de semana, ele tinha três e queria causar uma boa impressão afinal.

Ed estava terminando de tomar seu cereal matinal, colocou o prato e talheres sobre a pia, pegou o chapéu de seu pai e fechou a porta de casa.

 ̶  Bom dia Sra. Dorothy!    ̶   A sua vizinha prestativa estava conversando com seu pai.  

 ̶  Bom dia Ed, como vai? Esse garoto está crescendo Sr. Antony   ̶  Já haviam-se passado dois anos após o falecimento de sua mãe.  

 ̶  Sim Sra. Dorothy, e hoje iremos a uma entrevista para ele começar a ter responsabilidades, trabalhando na "Stuartshop".  

 ̶  Boa sorte meu querido, com certeza terão um excelente funcionário! Ed Denny é inteligente e atencioso.   ̶  A Sra. Dorothy é uma gentileza em pessoa. Vez por outra trazia bolinhos de chuva feitos por ela. Ed fazia pequenos serviços para ela, limpando o quintal varrendo as folhas, e também retirando o lixo. Carregava os embrulhos das compras. Ela fazia questão de dar-lhe gorjetas.

Ed não precisava mais escalar o Peterbilt. Estava um adolescente crescido e tendia a ser como seu pai. Até conseguiria chegar com os pés embaixo do acelerador do caminhão. Seu pai já estava pensando em lhe ensinar a dirigir, mas não incentivava-o à seguir sua profissão. Tampouco queria que Ed seguisse a carreira militar, decepção com a guerra já bastava a sua. O Sr. Antony tinha planos de que Ed fizesse administração na faculdade, seguindo a profissão de contador, como seu bem sucedido avô Ray Sanders.

Ed ainda não pensava no futuro. Imaginava-se agora sendo atendente na "Stuartshop", o point mais frequentado de Smyrna.

 ̶  Dizem que a atriz Natalie Wood já esteve passando por lá Ed...   ̶  O Sr. Antony acompanhava os lançamentos de Hollywood e gostava de ir ao cinema. Mas no tempo em que namorava Rebeca, assistiam juntos filmes no grande televisor da sala dos Sanders. Enquanto tragava seu "Chesterfield", lembrava os tempos em que foram juntos pela primeira vez ao cinema, levando junto os pais dela e a irmã Kate.  

 ̶  Natalie Wood pai?! Não conheço esta atriz. Acho que se aparecer por lá nem vou saber quem é...   ̶  E caiu na gargalhada.   

 ̶  Trabalhando lá você saberá Ed. Saberá até mais do que eu. Lugares muito frequentados por gente de todo canto, artistas e personalidades passam por lá. Seu patrão Andersen já tem muita influência apesar da pouca idade. Logo você terá que fazer suas próprias escolhas filho, mas lembre-se "Quando a oferta é muita, o santo desconfia"    ̶  Ed prestava atenção aos conselhos de seu pai.