tudo é azul

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Finn Wolfhard.

Millie Bobby Brown é a garota que todos, todos querem ter ao seu redor – ou ao seu lado, de preferência.

Eu não poderia chegar aqui e simplesmente dizer que eu não queria ser pelo menos colega dela, porque queria, como todos os outros que observava por aí.

Nunca entendi qual era realmente a dela, por qual razão ela sempre teve esse "imã" superpoderoso desde o fundamental – quando veio da Inglaterra, para a capital do Texas, Austin, onde vivíamos – que faz com que qualquer pessoa que olhe para ela queira estar próximo. Eu chamo isso de superpoder, porquê realmente se parece muito com um. Ela é uma pessoa radiante, não só dentro de si, mas também, por todos os cantos em que passa, transmite isso.

Mas ela não usa o superpoder que têm. Não por vontade própria, pelo menos. Ela é fechada. Vive em seu próprio mundo, e às vezes anda por aí de cara amarrada e totalmente séria. Eu não duvidaria se descobrisse que ela não se dá conta da presença dessa "luz" que ela transmite, não mesmo. É algo tão natural, que muitos não notam-a, mesmo sabendo que querem ser amigos dela. Provavelmente pensam como: "ah, ela deve ser legal" e pronto. Seguem suas vidas sem se dar conta do Imã-Millie.

Mas na real, ela não tem nenhum. Digo, nenhum amigo. Nunca a vejo andando por aí conversando de braços dados a alguma pessoa ou rindo pelos corredores nos intervalos entre as aulas, como as garotas geralmente fazem. Os que tentam chegar até ela são na maioria das vezes recebidos por uma carranca e um olhar tão assustador que seria capaz de petrificar até mesmo a própria Medusa.

Experiência própria. E do meu irmão Nick também, na verdade. Quando tentamos nos aproximar dela, em um belo dia no fundamental, senti como se ela tentasse bater em mim e em meu irmão gêmeo apenas com os olhos. Isso porque tínhamos apenas dez anos. Com o tempo, ela conseguiu cultivar e melhorar ainda mais seu olhar mortal.

Eu posso não entender como alguém pode ter o superpoder que ela tem, mas fica ainda mais complicado de compreender como alguém com olhar tão mortal pode ao mesmo tempo fazer toda a escola querer ser amigo dessa mesma pessoa. É como se ela fosse o fogo, e também o oceano.

Millie Bobby Brown, senhoras e senhores.

Além disso, o sotaque britânico, a mochila jeans cheia de adesivos e correntes que ela usava e os cabelos sempre pintados na parte debaixo, eu não sabia muito mais sobre ela. Quer dizer, ela não permitia com que ninguém soubesse muito. O que eu conhecia dela eram as coisas simplórias que toda a escola também sabia. Já disse que ela não tem amigos? É, pois é.

Na verdade, eu menti. Esqueci de que sei mais uma coisa sobre Millie. Ela tinha a mesma aula de Literatura comigo. Último horário às quintas-feiras com a professora Ashley Willians, uma mulher de uns quase trinta anos que desde que saiu da faculdade conseguiu, milagrosamente um cargo fixo na nossa escola e se faz presente aqui desde então.

Ela também tinha a mesma aula de Biologia e Física que meu irmão, mas ele nunca conseguiu sequer um oi dela, ferindo sua personalidade forte e que o fazia estar sempre rodeado de pessoas – diferente de mim, que preferia permanecer sozinho.

Mas, voltando às aulas, a Srta. Willians era uma boa professora, mas eu não era tão fã de Literatura, e odiava trabalhos em grupo ou dupla, e ela sempre fazia questão de passar algo desse tipo em todos os trabalhos do ano letivo. E sempre tirando ideias criativas para eles de algum lugar que eu não saberia dizer de onde vinham. Talvez de um lugar pouco habitado do Google onde apenas professores malucos tinham acesso. E inclusive agora, ela explicava sobre mais um. Ela sempre falava que precisávamos interagir mais uns com os outros, já que daqui alguns anos estariamos a caminho da faculdade. Não que já não estivéssemos nos preparando... mas eu quis dizer sobre realmente estar passando pelos portões de alguma universidade todos os dias... Vocês entenderam.

Eu só prestei atenção em qual livro teria de comprar para ler e se havia alguma brecha para que eu pudesse fazê-lo sozinho, até que Millie passou pela porta da sala de aula lotada e o único lugar vazio era ao meu lado.

Ela não me direcionou um olhar sequer, e se fizesse isso, provavelmente seria um pouco debochado e frio, porque Millie era assim, como eu havia dito antes.

As correntes douradas da mochila dela faziam barulho conforme ela abria o zíper e tirava um caderno cinza e um estojo brilhante de dentro.

A Srta. Willians apenas direcionou um olhar de repreensão à ela, e provavelmente deixaria o sermão para depois que a aula acabasse.

Ela não era como aqueles professores que amam envergonhar os alunos em qualquer momento que seja possível, quando ela precisava brigar, fazia isso apenas para a pessoa ouvir e mais ninguém.
Era mais um motivo para eu gostar dela, mesmo que odiando o que ela ensinava.

Millie apenas balançou a cabeça concordando em resposta ao olhar da professora, e logo depois começou a mastigar a tampa de uma caneta, com o olhar vidrado na Srta. Willians, que andava para lá e para cá, prestando mais atenção no que a professora falava do que qualquer outro ali, já que alguns tiveram até mesmo a proeza de dormirem, babando em cima de seus cadernos, provavelmente.

Eu às vezes olhava de soslaio para ela, que anotava algumas coisas em um caderno sobre o que Srta. Willians falava. Às vezes sentia o olhar dela em cima de mim também, mas tentei ignorar.

– Vocês farão o trabalho que eu acabei de explicar junto da pessoa que estão em dupla com vocês – a professora disse e eu encarei a mulher. – Antes que me perguntem, dessa vez não poderão mudar de duplas, nem fazer sozinhos – ela me encarou por um segundo e sorriu docemente, enquanto dizia isso. – Vocês precisam conhecer pessoas novas, e não permanecer sempre com o mesmo círculo fechado de amigos... Estão dispensados. Tenham um bom dia – ela finalizou e sorriu outra vez, fazendo com que seus olhos brilhassem.

Eu ainda olhava para ela, enquanto todo mundo se levantava e saía. Alguns bufando de raiva; outros com caras de indiferença; outros felizes por terem se sentado ao lado de seus melhores amigos...

– Srta. Brown, quero que espere. Preciso falar com você – chamou ela, como eu já pensava que faria.

Queria que ela tivesse dito a mim o que fazer. Se deveria esperar Millie ou fingir que não tínhamos um trabalho para resolver.

Recolhi o resto das minhas coisas e sai da sala, mas fiquei ao lado do porta, escorado na parede, esperando por Millie. Se ela saísse da sala, me visse e viesse em minha direção, bem, já era um problema a menos.

Depois de alguns minutos, ela saiu da sala ao lado da professora, e as duas conversavam como se estivessem em um shopping e tivessem se encontrado depois de anos de uma amizade perdida e sem contato.

Passaram direto. Millie sequer me viu. Depois que elas viraram o corredor, meu irmão apareceu, encarando o chão onde eu também encarava.

– O que foi? – Nick perguntou ao meu lado, enquanto seguíamos para a saída.

– Estava pensando sobre um trabalho de literatura.

– Willians?

– A própria.

– Boa sorte – ele riu e eu dei um tapa na cabeça do idiota enquanto íamos para casa.

Teria que bolar um plano sobre como fazer esse trabalho com Millie. Ou esperaria a próxima quinta-feira e tentaria a sorte se a professora Willians cedesse sua aula para que começássemos a organizar o trabalho, como geralmente fazia.
Ou eu poderia tentar fazer sozinho.

E, outra coisa que eu acabei de me lembrar sobre Millie: todos têm vontade de ter sua amizade, mas ninguém tem coragem o suficiente para tentarem ser seus amigos.

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Estarei postando uma vez por semana, então até semana que vem!

colors | fillieOnde histórias criam vida. Descubra agora