Fora de si.

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{POV SARAH}

Um traidor... quem poderia ser? Todos da Casa se amam desde sempre, então porque aceitaria uma coisa dessas? Talvez... uma recompensa! Isso! O que poderia ser oferecido como prêmio numa situação dessas? Certo, são muitas coisas... a pessoa pode querer viver mais, fugir, até mesmo proteger alguém... sinceramente, eu não estou muito interessada no motivo agora, meu foco é descobrir quem é, isso eu posso perguntar depois.
Um certo tempo se passou e todos estavam dormindo. Todos, menos eu e... a Irmã Krone?
Eu me levantei para tomar água e acabei escutando alguns passos vindo do corredor, e ao checar, ela estava saindo do escritório da Mama, aparentemente não muito contente. Esperei ela entrar em seu quarto e a segui, para ver se eu descobria algo. O cômodo estava silencioso, até que eu consigo escutar rangidos e algo rasgando. O que estava acontecendo ali dentro? Não podia arriscar tentar observar lá dentro, poderia ser notada.
— Aquela vadia... — Logo em seguida ela parece jogar algo no chão e pisar em algo com força, e obviamente, muita raiva. O que a Mama disse para deixá-la desse jeito? — ELA VAI VER SÓ! VOU ACABAR COM A TUA RAÇA! — Depois daquele surto, ela parece ter se acalmado. Consegui ouvir risadas baixas e, principalmente, muito estranhas. — E depois... eu vou ser a Mama.
É isso... a Krone quer roubar o posto dela. Ela também está contra ela, apenas não tem o mesmo objetivo que a gente. Isso pode ser bom! E se tentarmos ameaça-la com isso que descobri por informações sobre o lado de fora? Continuaria comemorando mentalmente, mas fui correndo de volta para o quarto antes que percebessem meu sumiço.
No dia seguinte, um pouco antes de começar a correria, estava ajudando o trio a estender as roupas. Eu, Norman e Ray conversamos antes e decidimos que de agora em diante, o pega-pega seria em equipes, assim além de ninguém se perder lá fora, as corridas seriam mais organizadas. A Emma esteve ocupada, então diriamos isso pra ela apenas depois, vulgo, agora. O Norman notou a preocupação dela, então a chamou.
— Emma. — Ela olhou para o mesmo. — A partir de hoje, vamos brincar de pega-pega em times.
— Em times?
— No estado atual, se fugirem sozinhos, a maioria das crianças vai acabar morrendo.
— Poxa, Ray!
— Por que você tem que lembrar toda vez... — Digo meio agoniada, pegando alguns lençóis do balde que Emma estava segurando e os pendurando.
— Mas eles até que sabem correr. Então basta não deixarem que fujam sozinhos.
— Vamos montar formações e fugir em times.
— Brincaremos de pega-pega de um jeito que imita uma fuga de verdade.
— De verdade...?
— E eu tenho outra ideia. — Nós olhamos para Norman, curiosos com o que ele tinha a dizer. — Vamos contar tudo pro Don e pra Gilda. Vamos explicar a situação e deixar que liderem times.
— Que?! Numa situação dessa de traição entre as crianças? E se um deles for o espião da Mama? — Eu não costumo ser pessimista, mas estava com quase certeza de que aquilo daria errado.
— Não tem problema. Temos que encontrar o informante e trazê-lo pro nosso lado. Posso fazer os dois numa tacada só. E já estou me preparando pra isso. — Eu e a Emma ficamos no mínimo impressionadas. Ele realmente já tinha tudo em mente? Sem nem ter falado com eles ainda?
— Emma. Sarah. — Nós nos viramos. — Vou começar a lhes ensinar padrões de formação. Tem cem tipos diferentes pra vocês decorarem.
— C-Cem?
— Decorar... de cabeça?
— Não conseguem? — Nos encaramos por algum segundos, um pouco mais confiantes.
— É moleza!
— Claro que conseguimos.
E então é finalmente a hora. A simulação da fuga. Eu decidi não liderar nenhum time por hoje para focar na minha velocidade. Fiquei no time do Norman, junto de mais algumas outras crianças.
— Okay, tentem fugir por pelo menos dez minutos. Comecem! — E então, todos saíram correndo, em direção à floresta.
— Sigam-me, pessoal!
— Vamos vencer para impressionar o Ray!
— Vamos conseguir!
E no fim... foi um sucesso. O time do Ray não conseguiu nos alcançar, e os menores souberam perfeitamente como reagir com os sinais. Eu deveria dizer que estou chocada por isso, mas... não. Todos eles sempre foram do tipo que aprendem rápido, então não teve nada de novo disso. Estou orgulhosa deles. E muito.
— Foi divertido!
— Phil, você foge muito bem!
— Foi divertido mesmo! — O Don vira na nossa direção, bem empolgado. — Quero ser o líder na próxima!
— Mas vamos fazer uma pausa...
Nós quatro fomos até uma mesa que havia do lado da Casa, que continha um bule com café dentro. Coloquei um pouco em duas das xícaras, entregando uma ao Ray e bebendo a outra.
— Parece que o pega-pega de times funcionou!
— Não é? Eles foram muito bem! Principalmente com os sinais! — Assoprei meu café, até notar que o Ray estava olhando alguém.
— Qual é a pontuação do Phil, mesmo?
— Eh? Deixa eu lembrar... acho que-
— As médias dele estão em torno de duzentos e três. Eu estive ajudando ele com as lições, e toda vez que ele comemora a nota dele comigo é algum número ao redor desse.
— É bem alta.
— Ele foi um dos que mais sobreviveu hoje, e também quando brincamos com a Irmã. Ele sempre está com a Sherry, procurando por você, Norman e Sarah. — Eu achei que ele estava elogiando-o, mas no final... não. Tudo que ele estava dizendo era para suspeitarmos dele.
— Para com isso! Eu não quero suspeitar de ninguém!
— Sua idiota! Querendo ou não, você tem que suspeitar de tudo e de todos! É questão de vida ou morte.
Aquilo... soou estranho. Não, não estranho, mas sim... suspeito. Suspeito e bem específico. Ele não anulou nosso grupo em momento algum.
— Ray. Já descobriu como quebrar os dispositivos de rastreio? De quanto tempo precisa pra se preparar?
— Vejamos... dez dias.
— Então vamos começar o plano daqui a dez dias.
— Espera, que?
— Vamos realizar a fuga daqui a dez dias, em oito de novembro.
— E-Espera!
— JÁ?! Não é muito cedo pra isso? Sequer sabemos como é o outro lado do muro direito!
— Não é cedo demais?! Não que tenha algum problema, mas...
— Tem problema sim! Faz duas semanas que a Conny foi enviada. Os envios acontecem a cada dois meses, no mínimo, então temos um mês e meio! Eu pensei que o plano era se preparar com cuidado durante esse tempo.
— Sim. Você pensou desta maneira, e a Mama deve estar contando com isso. Então precisamos estar um passo adiante. — Isso é inteligente, mas muito arriscado também. Isso não vai dar certo.
— E se falharmos por sermos apressados demais?
— De qualquer forma, temos que fugir antes do inverno chegar. Assim que quebrarmos os rastreadores, temos que executar o plano de fuga imediatamente.
— Então precisamos fazer o que for preciso nos próximos dez dias.
— Ainda não apoio esse caminho... — Norman coloca a mão no meu ombro enquanto sorri, com o dedo indicador levantado.
— Vai dar tudo certo. Já descobrimos muitas coisas em apenas duas semanas, dez dias não nos prejudicarão. — Eu fico em silêncio e tiro sua mão de mim, ainda com medo. Falar é fácil, agora agir...
— Vamos conversar com o Don e a Gilda hoje à noite.
Novamente o tempo se passa, e a hora chega. Vai ficar tudo bem. Caso se desesperem, está bem também, é normal, numa situação dessas é praticamente impossível ficar calmo. Bom... o Ray aceitou isso facilmente, mas ele é diferente. Ele nunca foi alguém que demonstra medo ou... bom, qualquer outro sentimento. Chegamos até a porta da biblioteca, já com eles nos esperando lá dentro.
— Vocês três, sigam minha deixa. — A Emma abre a porta. O Don está como sempre, feliz e bobão, diferente da Gilda. Ela parece... nervosa.
— O que vocês queriam conversar com a gente? — Nós entramos e nos ajeitamos, preocupados em como reagiriam.
Eu e os meninos deixamos isso com a Emma, então ficamos quietos durante toda a conversa. Mas ela não mencionou mortes ou demônios... ela... mentiu pra eles. O que... por que?! Levar o restante a força já não era o suficiente?! Eu estou começando a ficar com raiva de tudo isso. Que porra... nem pra eles...
— Tráfico humano?
— Sim. Todos os nossos irmãos são vendidos para gente ruim. — Por algum motivo, ele começou a rir. Mesmo sendo menos pesado do que a verdade, isso ainda era terrivel, por que ele está rindo?
— Até parece! Até parece!
— Mas o muro e os portões? Nossos irmãos nunca mandam cartas...
— Ah, fala sério! E aí vão explicar que piada é essa? — Todo mundo se calou. Isso estava longe de ser uma piada. — Vocês não acham que é verdade, né-
— É SÉRIO, DON! — Eu me levanto rapidamente, batendo minhas mãos na mesa, furiosa. Apenas percebo o que fiz segundos depois, me sentando novamente e cruzando os braços, em silêncio.
— Espera... mas e a Mama?
— Ela é a responsável... por nos vender pra essas pessoas ruins.
— Huh?! A Mama é boazinha demais pra fazer uma coisa dessas! Desminta isso, Emma!
— Don. — Ele me encara frustrado, ainda sem se soltar dela. — Você está ouvindo isso da Emma. Uma das crianças que mais ama a Mama e a Casa. Acha mesmo que ela mentiria ou acusaria ela de algo tão horrível sem motivos? — Finalmente ele a solta.
— A Emma e o Norman foram pro portão... — Gilda parecia triste. Diferente de todos nós, ela não parecia assustada.
— Pro portão?
— Quando vocês quebram as regras, vocês normalmente pedem desculpas e tudo logo volta ao normal. Mas vocês não pediram desculpas. Emma, você está tão séria... que eu nem tive coragem de perguntar. — E então, ela desaba. Ela começa a chorar. Eu não aguento... eu não... eu apenas virei meu rosto, evitando sequer vê-la assim.
— Desculpa... desculpa por te deixar preocupada, Gilda.
— Você viu tudo, Emma? Viu a Conny ser vendida... pra essas pessoas ruins.
— Sim. Mas não chegamos a tempo.
— A Conny está bem, né?
— Don-
— Eu não sei. — ...não sabe. Apenas três palavras me fizeram sentir um ódio imenso, e aparentemente, fizeram Ray sentir também.
— Mas como é possível?! Como tudo isso pode acontecer?!
— Eu não sei se isso prova alguma coisa, mas estas são as notas das provas dos nossos irmãos, que o Ray e a Emma coletaram nesses últimos dias.
— Notas?
— As crianças adotadas tinham mais de seis anos, e as de menor nota foram adotadas primeiro. Não acha estranho?
— É verdade, as notas da Conny... Hao, Sadie...
— Você tem razão, Norman.
— Don, Gilda... vamos escapar daqui e ajudar a Conny e as outras crianças. Vamos fugir todos juntos, pessoal! Ajudem a gente! — Ambos assentiram com a cabeça e voltaram aos quartos junto da Emma, ficando apenas eu, Ray e Norman.

{POV RAY}

Tráfico humano? Salvar a Conny? Que merda foi essa?! Onde eles acham que vão chegar com isso? Quando ela disse "sigam minha deixa", achei que estava se referindo da maneira em que contaria a verdade pra eles, mas ao invés disso ela MENTE?!
— Ei, Norman-
— NOS VENDER PRA CARAS MAUS?! — Eu olho para a Sarah, e o Norman faz o mesmo. Ela estava na frente dele, frustrada. Eu também estava com raiva dessa mentira idiota, mas ela parecia bem mais do que eu. — SÉRIO... O QUE FOI ISSO?!
— Sarah, você vai acordar os outros! — Ela nos puxa de volta pra biblioteca, praticamente nos arrastando. Eu nunca a vi assim...
— COMO ASSIM NÃO SABE, NORMAN? COMO ASSIM?!
— Era a melhor forma de convencê-los a nos ajudar.
— Ah sim, perdendo COMPLETAMENTE a confiança que eles tem com a gente. Se nenhum deles estiver trabalhando pra Mama, você e a Emma acabaram de... de ser uns CUZÕES!
— Sarah-
— COMO VOCÊS ESPERAM QUE ELES FUJAM COM A GENTE MENTINDO SOBRE ALGO TÃO SÉRIO PRA ELES? "SALVAR A CONNY"? ISSO NÃO É UM SHOUNEN!
— SAR-
— SE ELES DESCOBRIREM A MERDA QUE FIZEMOS, É POSSÍVEL QUE ELES-
— JÁ CHEGA, CARALHO! — Eu coloco a mão em sua boca, pra que finalmente ela parasse de gritar. — Essa decisão foi estúpida, mas gritar com ele não vai mudar nada! Se você continuar nervosa desse jeito você vai ficar ansiosa e não vai conseguir dormir! Portanto, VAI BEBER ÁGUA E TENTAR SE ACALMAR DE ALGUM JEITO. — Ela não fala nada, apenas se solta de mim e sai do cômodo. Ela nunca foi assim. Isso tudo acabou mudando ela cada vez mais... isso está ficando preocupante.
— Eu nunca vi ela assim. — O Norman olha pra mim, surpreendentemente bem calmo.
— Imagine eu...
— Será que tem mais coisas que não sabemos sobre ela? — Mais coisas... ele suspeita dela? — De qualquer jeito... eu sei que existe a chance deles não serem os espiões, mas estou partindo com que eles sejam desde o princípio.
— ...que?
— Eu vou armar uma cilada a eles.
— Cilada?
—  Vou contar a ambos onde a corda está escondida. Ao Don, direi que está debaixo da minha cama. À Gilda, direi que está no teto do banheiro do segundo piso. Quem vai agir em segredo? O que a Mama vai descobrir? Podemos deduzir a partir daí.
— E as cordas? Se eles não forem espiões, vai ser difícil explicar quando não encontrarem nada.
— Também estou preparado pra esse caso.
— Então você pensou em todos os detalhes...
— É como eu te disse. Temos que estar um passo a diante.

{POV SARAH}

Eu não consegui dormir. Nada adiantava. A culpa que eu sentia por tudo que estava acontecendo me impedia de descansar. Eu escutei a Gilda saindo do quarto durante a noite, mas continuei deitada, fingindo dormir. Emma já havia ido atrás dela, então não tinha necessidade em ir também.
No dia seguinte eu fiquei sentada na árvore em que o Ray costuma ficar, extremamente cansada e sonolenta. Eu deveria estar ajudando os outros nas tarefas domésticas, mas não tinha forças o suficiente pra isso.
— Sah? — O Thoma e o Lani se aproximaram, com alguns panos na mão.
— Não vai ajudar não?
— Ah, foi mal, mas tô meio mal agora, desculpa.
— Não quer que chama a Mama pra te levar na enfermaria?
— Não, não esse- só... não precisa, é passageiro. Agora vão antes que levem sermão! — Eles continuaram fazendo o que estavam fazendo, sendo isso, brincar com as toalhas.

{POV RAY}

Mais tarde fomos olhar os lugares em que o Norman escondeu as cordas, para ter certeza de que nenhum dos dois eram espiões. No fim, acabou que não havia nada embaixo da cama dele. Tudo certo até então.
— E então?
— Nada.
— Então só pode ser o Don.
— Sim. — Eu desvio o olhar, mas no mesmo instante ele me encara, fazendo com que eu tenha que encara-lo de volta.
...

— O traidor só pode ser você, Ray.

Patético (OC!AU)Onde histórias criam vida. Descubra agora