Traidor.

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{POV SARAH}

Após a chegada da Irmã Krone, os três me chamaram para a biblioteca para uma conversa, provavelmente seria sobre aquele imprevisto. Devíamos ter pensado nessa possibilidade, mas acabamos nos focando demais em uma coisa e esquecendo das outras.
— Fiquei tão preocupado com os rastreadores que nem imaginei a vinda de outro adulto.
— Na verdade, devíamos ficar felizes com isso.
— Devíamos? — Ray assentiu com a cabeça.
— Hã? Felizes?
— A Carol e a Irmã Krone serão duas novas fontes de informação.
— Entendo...
— Verdade... como a Carol é nova, o rastreador deve ter sido colocado recentemente, portanto deve existir uma marca nela. Já a Krone... diz por si só.
— Exatamente. Mas, em primeiro lugar: de onde elas vieram?
— A Carol veio pra substituir a Conny. Estão reabastecendo a mercadoria.
— Sim. Se aqui é uma fazenda, eles devem ter alguma instalação onde preparam as crianças de um ano, para a reposição.
— Ou seja, todos nós viemos desse lugar?
— Possivelmente. Já quanto à Irmã Krone... a existência de adultos além da Mama é algo importante. Deve haver outras fazendas como esta. Será que os humanos já nascem sob o controle dos demônios, ou só depois de serem capturados? — Isso me faz pensar em algo... como será que reabastecem as fazendas? Digo... eles obrigam humanos a terem relações sexuais? Ugh... que nojo... — Isso muda bastante o que devemos esperar após a nossa fuga.
— Mas antes de tudo, temos que descobrir como fugir com todo mundo. E localizar onde fica os rastreadores.
— Eu procurei pelo meu corpo todo, mas não achei nenhum sinal de implante.
— Não achei nada nas roupas, nem nos sapatos.
— Se ele foi construído com tecnologia humana preexistente, ele deve usar ondas de rádio.
— Mas esse tipo de coisa não precisa de bateria?
— Precisa.
— Então... algo pequeno, que não deixe marcas e dure no mínimo doze anos... isso não deve ser antigo, pra funcionar tão perfeitamente e ter todas essas características deve ser no mínimo algo moderno.
— Disso eu já tenho certeza. Pesquisei um pouco sobre, e esse tipo de aparelho não existe em dois mil e quinze.
— Ou seja?...
— Será difícil descobrir que tipo de mecanismo usam, encontra-lo e desativa-lo de alguma forma. E se for tecnologia de demônios, eu nem sei por onde começar.
— É verdade.
— Parece meio improvável... pra que eles usariam tecnologia?
— Mesmo sendo improvável, ainda existem chances, portanto não podemos anula-las. E também, não sabemos como eles são, tipo como vivem e aonde vivem.
— Ah...
— Ué? É um beco sem saída?
— Sim.
— Não pode ser!
— Calma, Emma não temos certeza ainda, pode relaxar um pouco.
— Relaxar agora não é uma boa opção, Sarah.
— Ray! Você não tá ajudando!
— Bem, não temos como descobrir o que é, mas podemos deduzir como funciona.
— Sim. Temos que pensar do ponto de vista do inimigo. Que dispositivo eu usaria? Onde seria mais conveniente de implantar? — O quarto ficou completamente silencioso. Todos estavam pensando no que fazer, até que o Norman o corta.
— Carol!
— Huh?
— Como a Sarah disse, o rastreador deve ter sido implantado recentemente.
— Deve ter alguma marca da operação!
Estava decidido. A Emma procuraria pelo rastreador com a Carol no quarto dos bebês, já que os garotos não podem entrar lá. Não é necessário que eu fosse, então fui ajudar o Norman e o Ray com a louça.
— As crianças gostam dela.
— Pois é. Como vamos despistar dois adultos tão queridos assim?
— Exatamente.
— O meu maior medo é nos denunciarem pros demônios.
— Por enquanto eu não me preocupo com isso. Se a Mama quisesse mesmo, já estaríamos mortos, e se a Irmã Krone tentasse nos dedurar sem a permissão da Mama seria necessário provas, já que ela está aqui apenas como uma ajudante.
— É verdade de certo modo.
— Assim que fugirmos, aqueles monstros vão vir atrás de nós.
— Me dá arrepios só de lembrar...
— Só tem um jeito de impedir isso. A Mama e a Irmã terão que ser...
— Hm? — O Ray não completou a frase, e isso me deixou levemente preocupada. Teriam que ser o que? Demitidas? Trocadas? Mortas? Quando iria perguntar sobre o que ele estava falando, eu olho para trás, finalmente percebendo a Irmã Krone.
— Norman, Ray e Sarah. Acertei?
— Sim senhora. — Desviei o olhar e continuei lavando os pratos, sem muito contato visual.
— Soube que vocês são ótimos alunos!
— Obrigada.
— Incrível! Muito prazer! Espero ser sua amiga! — Ela cumprimenta os dois que estavam do meu lado, e logo depois, eu. Diferente deles, eu dei um sorriso pequeno, tentando demonstrar que estava interessada junto dela.
— Claro! — Ela foi embora me deixando mais aliviada. A cara dela é... assustadora...
— Será que ela ouviu?
— Não, estamos seguros. Não acho que ela veio aqui só para nos vigiar.
— Como assim?
— Ela nos olhou de um jeito diferente. Como somos os mais velhos, ela deve suspeitar de nós.
— Mas de onde ela tirou essa informação?
— Só pode ser da Mama, não é? A Mama está cada vez mais perto de descobrir... não podemos perder tempo.
Já não havia mais nada sujo na pia, havíamos acabado de terminar a louça. Quando ambos estavam prestes a sair do cômodo, eu puxei a manga do Ray, com uma certa dúvida.
— Ray...
— Hm? — O Norman acabou parando na porta, curioso com o que eu diria.
— Você não me deixaria aqui... deixaria?
— Que? — Ele parecia confuso, já o outro, parecia entender muito bem sobre o que eu estava falando.
— Na Casa. Você... não fugiria sem mim, fugiria? — Silêncio. Provavelmente pensariam "por que ela está perguntando isso agora?" bom, eu não duvido deles, longe disso, mas... depois da vez que o Ray quase excluiu um de nós da fuga, eu não pude parar de pensar nessa possibilidade. Talvez ela nem exista e eu estou apenas ficando paranoica, mas... eu quero ouvir isso do próprio.
— Não. — Ele dá um sorriso pequeno. — Eu não fugiria. Falei que todos nós sairiamos daqui, não é?
— Eu sei, é só que... eu tenho medo. Eu tenho medo de ser traída de novo, que nem a Mama fez comigo. — Eu sinto uma mão em minha cabeça, me acariciando. É a dele.
— Não se preocupe, eu não sou como a Mama. Prometi proteger todos vocês, e é isso que eu vou fazer. — Não pude aguentar, e um sorriso acabou escapando. Eu me senti... segura. Aquelas palavras pareciam verdade, e ainda vinham do meu melhor amigo. Não tem porquê desconfiar. Eu não consigo desconfiar.
De agora em diante, eu tinha que ser forte, e de preferência, saudável. Eu teria que fazer as coisas que não queria fazer, me esforçar em atividades que não é necessário me esforçar, e estudar matérias que não me chamariam o interesse normalmente. Agora, o conforto não é a maior prioridade, e eu sei disso. Problemas que não resolvi antes terei que resolver agora, sendo à força ou não, e minha insônia, força e velocidade são algumas delas. Hoje eu fui dormir mais cedo do que todos, com o objetivo de conseguir pegar no sono pelo menos no mesmo horário que eles. Nem que eu ficasse apenas deitada e de olhos fechados, eu ficaria.
Já no dia seguinte, na hora de brincar, fui com o trio até a floresta conversar sobre os rastreadores. A Emma contou que eles estavam atrás da nossa orelha, e eu fiquei de certo modo... impressionada. Eles realmente pensam em tudo. Apenas ter o dispositivo não impediria que alguém notasse sua marca, teria que estar escondida também. Que droga... como não pensamos nisso?!
— É, ninguém iria perceber.
— Eu nem sabia dessa marca do exame de sangue. E some tão rapidamente...
— É, eu sabia e nunca suspeitei. Desculpa mesmo.
— Não peça desculpas! Bom trabalho, Emma!
— Sim! Você conseguiu descobrir aonde ficam!
— Agora sabemos a posição, o formato e o tamanho do rastreador. Podemos seguir para o próximo passo.
— Depois de localiza-lo...  — E então, todos nós dizemos em sincronia.
— Como quebra-lo.
— Como faremos isso? Se abrirmos a orelha para investiga-lo...
— Quando a Mama passar a mão pelos nossos cabelos...
— Ela vai descobrir na hora.
— Bem, talvez não seja muito fácil de quebra-lo, mas esses rastreadores também não são lá muito úteis.
— Hã?! Como não?
— Não é possível identificar o indivíduo pelo sinal dele. Ela não tem como saber onde estamos sem conferir pessoalmente. E eles não a notificam quando nos aproximamos do portão ou da muralha.
— Mas eles implantaram mesmo assim.
— Sim. Por quê? Porque acham que podem nos encontrar enquanto o rastreador estiver inteiro.
— Espera... então, se o rastreador for quebrado, será que isso vai ativar algum alerta?
— Existe essa possibilidade.
— Então seria melhor desliga-los ou desativa-los do que simplesmente quebrar. — Eu fico calada por alguns instantes. — Será que vamos ter que arrancar nossa orelha fora?!
— Eh?! — A Emma se preocupou junto comigo, até porque, isso seria horrível.
— Não, não vamos. Olha, o formato e o tamanho dele me deu uma ideia. Podem deixar que eu encarrego dele.
— Tem certeza?
— Sim.
— Mas-
— Se você diz, então eu acredito. — Ele não explicaria o que faria? Eu não estou subestimando-o, mas queria saber o que é para poder ajudar caso alguma coisa não desse certo.
— Eu também.
— Agora, como vamos levar os outros... o problema é que todos eles confiam cegamente na Mama e provavelmente não aguentariam saber da verdade.
— Então vamos ter que engana-los se quisermos fugir com eles?
— Eh?! Não vamos contar sobre aqueles bichos pra eles?!
— Tem também o problema da falta de habilidade. Eles são umas lesmas. Também estou falando de você, Sarah.
— Ray!
— Infelizmente é verdade, Emma. — Falei aquilo com um sorriso, pra tentar acalma-la.
— Sem contar dos bebês que nem andam.
— Eu pensei nisso e tive uma ideia.
— Qual?
— Pega-pega.
— Eh? — Nós nos sentamos, prestando atenção no plano que a Emma havia planejado.
Ela teve a ideia de treinar todos eles em segredo, usando o pega-pega. Obviamente tive que treinar junto, mas no primeiro dia, meus resultados não foram lá os melhores e nem mudaram muito. Ao menos, não em questão à minha força física. Usei algumas das dicas do Ray, algumas da Emma e a maioria planejei sozinha. Consegui vencer do Norman, mas a única coisa que fez isso acontecer foi o fato de eu conhece-lo bem. A única coisa que necessária foi ficar num local no qual ele não conseguisse alcançar por conta do seu físico. Não precisei me esconder ou correr, mas isso foi uma má escolha, já que não treinei usando essa técnica mais... preguiçosa, digamos assim. A brincadeira acabou e voltamos ao clássico ponto de encontro, e por algum motivo, Krone estava nos espionando de uma maneira bem estranha.
— Parabéns, você conseguiu. — Ray me parabenizou, se levantando do lado da árvore. — Mesmo que tenha sido um pouco de trapaça.
— Eh?! Não foi trapaça! Foi estratégia!
— Ficar parada em cima de uma árvore?
— Exatamente. — Alguns riram de mim, até que a Irmã se aproximou da gente.
— Pega-pega é muito divertido! Quero ser amiga de todos vocês! Vamos brincar de pega-pega! O limite de tempo será de vinte minutos. Eu começo. Tentem fugir de mim!

{POV RAY}

O pega-pega começou. Está óbvio que essa mulher não quer nossa amizade com isso, mas sim ver o quanto nós aguentamos e como nós agimos. Ela não se tornou Irmã à toa, então vai ser bem mais difícil vencer dela.
— E então, como o inimigo vai agir?
— Primeiro, acho que ela vai procurar pela gente.
— E no caminho, vai aproveitar pra pegar todas as crianças que puder. Mais ou menos isso. — Eu e o Norman nos separamos, indo para lados completamente diferentes.
Ela não foi atrás de nós, mesmo tendo notado aonde estávamos. As pegadas falsas e o silêncio total devem ter atraído sua atenção, fazendo com que pensasse direito e com mais cautela. Nós três já estávamos juntos novamente, e igual o restante, a observavamos escondidos.
— Ela não vai vir atrás de nós.
— Mudança de estratégia? — Por algum motivo as crianças menores se juntaram num só lugar, ficando totalmente expostos. O que aconteceu? Por que eles saíram de seus esconderijos?
— Por que todos eles estavam num lugar só?!
— Ela usou as folhas para atrair os menores...
— Então ela não é uma tonta qualquer...
As coisas continuaram no mesmo ritmo. A Irmã Krone estava pegando as outras crianças com muita facilidade, mesmo que elas estejam mais rápidas e mais inteligentes. Como se o treinamento não tivesse adiantado absolutamente nada... um tempo se passou e nada dela atrás de mim e do Norman, seu foco era a Emma. Continuaria escondido e em silêncio com ele, mas ao analisar as crianças que foram pegas e as que vi no caminho...
— Aonde tá a- — Antes mesmo que eu pudesse completar minha pergunta, a Emma foi pega. A Irmã Krone começou a correr atrás de nós, na mesma velocidade que antes. Essa mulher não cansa?
Nós nos separamos, mas ela decidiu ir atrás do Norman. Apenas os observei de longe, vendo o que ela faria. No fim, ela não o alcançou, então me aproximei dela e mostrei o relógio.
— O tempo acabou. — Voltamos de onde começamos, ouvindo as crianças comemorarem nossa vitória.
— Espera... mas e a Sarah? — Emma perguntou, olhando em volta.
— Acabou? — A mesma se revelou de cabeça pra baixo, na árvore que ficava na frente da Casa. — Ganhei de novo!
— É sério isso?
— Que foi? — Ela desceu, esticando suas costas, e então me aproximo dela.
— Como você conseguiu subir sem que a Irmã Krone te escutasse?
— Eu subi quando as crianças começaram a correr. Provavelmente ela prestou mais atenção no som da correria ao invés do meu, para ter uma ideia de que lado deveria ir. Sem contar que tomar uma decisão "estúpida" que nem essa pode fazer com que ela pare de suspeitar de mim. — Isso... foi bem pensado, mas também foi sorte. Qualquer erro sequer e ela teria sido a primeira a ser pega.

{POV SARAH}

Já estava de noite. Eu e os outros três nos reunimos novamente.
— A Irmã ainda não fez nada, né?
— Deve ser orientação da Mama. A Mama parecia estar suspeitando de nós, mas não parece ser mais o caso.
— Por que será?
— Talvez esteja focando em outra pessoa? — Coloco a mão embaixo do queixo, um pouco pensativa.
— O que você acha, Ray?
— O que você acha, Norman?
— A Mama fez algo às escondidas que elimina a necessidade de agir.
— Como assim?
— Qual seria a situação ideal para a Mama? — Eu e a Emma ficamos com muita dúvida, já o Ray, sequer parecia estar pensando. — Saber o que vamos fazer, sem ter que fazer nada.
— Mas aqui não tem câmeras de segurança, nem escutas... — Enquanto eu não havia pensado em nada ainda, ela já parecia ter notado de algo. A ficha caiu pra eles, mas não pra mim. — Então...
— Sim, provavelmente...
— Tem uma outra pessoa nos observando.
— Uma... outra? Espera... uma criança?!
— Sim.

— Temos um traidor entre nós.

Patético (OC!AU)Onde histórias criam vida. Descubra agora