O banho foi muito relaxante e deixou o garoto bem mais calmo e controlado. Ele repassava em sua cabeça as cenas estranhas dos dias anteriores, especialmente a que ocorrera mais cedo, enquanto escovava seus dentes em frente ao espelho, ainda de toalha.
Dylan era um menino muito comum, como qualquer estudante do ensino médio. Não muito alto, nem muito baixo, tinha uma estatura bem mediana para sua idade. Seu cabelo negro era algo que estava entre o enrolado e o ondulado, vascilando entre os dois tipos entre os dias. Sua pele morena tinha uma cor difícil de descrever, era como uma mistura entre um tipo de dourado e o bege ou marrom, e ela ficava muito bonita sob o sol. Seu corpo não tinha nada de muito especial, não era malhado como os populares do colégio e nem mesmo podia dizer que era magro como o menino fantasma, embora também não fosse gordo. Ele era... comum, como quase tudo nele. O único detalhe chamativo eram os olhos.
Seu olho esquerdo era castanho, mas ficava bem avermelhado de vez em quando. Seu olho direito era cor de mel, só que mais esverdeado. Ele tinha uma condição genética relativamente rara chamada heterocromia, como havia lhe explicado sua mãe quando era mais novo e as crianças zombavam dele. Sua mãe lhe ensinou a admirar olhos tão lindos, não ligando para o que as crianças diziam. "Um dia, meu filho, quando seus coleguinhas crescerem, todos vão perceber quão lindos são seus olhos. Ignore eles, vocês são muito novinhos, é normal estranharem o diferente. Tenha orgulho de ser diferente.", disse ela.
Dylan refletia sobre tudo isso enquanto olhava seu reflexo no espelho, pois se questionava como coisas tão impressionantes estavam acontecendo justamente com ele, um garoto tão comum, sem nada que fosse tão especial. Antes de se trocar e sair do banheiro para a esperada conversa com o fantasma, Dylan olhou mais uma vez no espelho, arrumou seu cabelo e percebeu que se sentia bonito naquele dia, o que o ajudou a ficar ainda mais tranquilo, pois sentia-se feliz, apesar de tudo.
Ao sair do banheiro, entretanto, ele não perdeu nem um segundo e já saiu dizendo:
- Muito bem, Nath, agora pode ir me explicando que merda foi aquela e o que te fez pensar que poderia sair fazendo esse tipo de coisa por aí.
Nath, por outro lado, não esboçou reação. Continuou parado em frente a janela enquanto a luz do luar atravessava gentilmente seu corpo. O ambiente estava pouco iluminado, o que proporcionou a Dylan admirar o que talvez fosse a visão mais bela que já tinha visto até aquele momento: Quando a luz da lua atravessava o menino fantasma, um sinuoso e tímido arco-íris refletia sobre as superfícies reluzentes (espelho, televisão, garrafas e copos de vidro). E quando isso ocorria, as cores tremeluziam e pareciam dançar no ar, como se fosse uma aurora particular dentro do quarto.
O fantasma parecia pensativo, o ânimo que sentira mais cedo havia escapado de seu corpo translúcido e seus olhos naturalmente azuis haviam se tornado cinzentos, nem mesmo uma atípica mudança de cor para o vermelho, aconteceu.
- Ei! Olha para mim! - Disse Dylan, com veemência.
Nath olhou por cima dos ombros, o olhar estava frio e solitário.
- Eu não vou cair nessa...
Mas o fantasma nada falou. Dylan caminhou até ele, não conseguia entender o que aconteceu, sentiu uma pontada de culpa dentro de si e se perguntou no curto caminho até lá fora o que ele teria feito ou dito para que Nath agisse dessa forma.
Quando parou em pé ao lado do mais novo, ouviu a rouca e lastimada voz dizer:
- Não era meu corpo, não era a minha vida... mas foram os melhores minutos que tive depois que morri.
- Como pode dizer isso? Você machucou alguém hoje...
- Fiz um favor quebrando o nariz dele.
- Mas agir dessa forma não muda nada.
- Muda sim! Aquele menino sofria, ele apanhava, ele ia se matar e eu o ajudei! Vocês, os vivos, não fazem nada além de disfarçar o ódio e a injustiça que sentem dentro de si! Vocês são hipócritas e as suas dualidades me dão nojo! - Gritou o fantasma, os olhos carregados de ódio, um vermelho profundo e amargo. Um minuto mais tarde ele se acalmou, e sua íris se tornou cinza outra vez - mas eu também senti um frio na barriga, eu senti os meus pés suarem e meu coração batia forte aqui dentro... - Ele repousou a mão sobre o peito - e tudo isso foi incrível.
- Nath...
- Eu sinto falta de ser vivo, você não?
- Mas eu estou... - Murmurou Dylan.
- Às vezes não é o que parece.
O fantasma voou em direção ao céu e sumiu entre as nuvens, deixando a solidão abraçar fortemente o mais velho. Dylan imediatamente sentiu um incômodo, como se alguém o observasse, voltou-se rapidamente para o lado: uma mulher de cabelo curto preto e sombras nos olhos soltou um escárnio, abaixou a mão que segurava um cigarro e coçou a cabeça com a outra mão, dizendo:
- Vocês, adolescentes, são maluquinhos - então ajeitou a jaqueta de couro e passou por Dylan. Parou e voltou a atenção para o menino outra vez - Vai com calma na brisa, cara, falou? - e desceu as escadas.
- Droga, Nath... - Sussurrou Dylan.
O garoto entrou em casa e resolveu deixar os livros um pouco de lado. Essa última conversa o havia deixado melancólico e ele decidiu jogar um pouco de videogame para se distrair. Após algumas partidas sem avançar em suas missões, Dylan se cansou e resolveu dormir cedo naquela noite.
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O Arauto do Colapso
Misterio / SuspensoUma história por: Eduardo Vórtex e Felipe Thuller A lua de sangue se elevou na escuridão do céu naquela noite. Dylan, um jovem estudante, sentia o vento da madrugada acariciar seu rosto... nesse instante, uma figura translucida surgiu: uma criança...