CAPÍTULO 3

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Olho em volta tentando entender onde estou, mas não consigo ver nada, está tudo escuro, levanto e apalpo o ar tentando encontrar uma saída. Há alguns minutos me lembro de estar dentro de um armário assustada, observando através de uma fresta uma conversa que eu não deveria escutar.

Como vou sair daqui? Não quero mais continuar no escuro, não quero enfrentar o medo ou o desconhecido. Estico os braços, mas não encontro as paredes do armário, levanto as mãos para cima, mas não consigo tocar o teto. Começo a andar, mas o chão se estende muito mais do que deveria.

Quilômetros e quilômetros de uma estrada fria, escura e desconhecida e de repente no meio do caminho não sou mais criança, embora ainda me sinta tão pequena e indefesa quanto uma. Sou de novo uma jovem adulta, enfrentando um dos seus maiores temores, a imprevisibilidade.

-Mãe - grito - mãe, mãe, mãe - continuo gritando porque preciso que alguém me escute - pai, pai, pai, mãe, alguém por favor, me tirem daqui por favor, eu quero sair mãe.

Começo a chorar enquanto chamo por meus pais, choro porque me lembro que de onde minha mãe está, talvez não possa mais me ajudar. Choro porque a vida foi cruel o suficiente para levar tão cedo uma das mulheres mais brilhantes e cheias de luz. Choro porque agora me sinto sozinha.

Minhas lágrimas carregam o peso da ausência e da perda, o peso de uma criança que viu sua mãe partir e de uma adolescente que teve que aprender a viver sem ela.  Talvez meu destino fosse ficar para sempre no escuro.

-Minha garotinha, porque está chorando? - Ouço uma doce voz me chamar e então duas pequenas mãos envolvem meu rosto. Os dedos ásperos e calejados enxugam minhas lágrimas gentilmente - fique calma, mamãe está aqui, descanse em meus ombros, vou te ajudar a encontrar um caminho.

- Maaan, mamããe é você? - solto entre soluços - mãe eu estou com tanto medo, por favor não me deixe, por favor fique comigo - me lanço em seus braços e a seguro com todas minhas forças, se isso é um sonho, tudo o que eu quero é não acordar.

- Chore, chore o quanto quiser, mas se lembre de criar forças para levantar - ela sussurra em meus ouvidos - venha comigo, tenho algo para te mostrar.

Seguro suas mãos e a sigo em passos lentos, tudo continuava escuro à minha volta, mas caminhar se torna mais fácil quando se está ao lado de alguém em quem confia.

- Para onde vamos? - pergunto.
- Você logo vai ver, estamos quase lá. Veja, olhe aquela luz surgindo adiante, é para lá que vamos.

- A senhora não está me levando pro Céu, paraíso ou a vida após a morte não, né? - digo baixinho e então ouço um som reconfortante e familiar, a risada de minha mãe, que logo se transforma em uma gargalhada animada.

- Só você para me fazer rir assim Helena, não precisa se preocupar, espero que você ainda viva e aprenda muita coisa nessa terra. Está vendo essa porta? - ela aponta para a fonte da luz, uma porta de madeira com uma vidraça no meio - Olhe através do vidro, o que você vê?

Eu sigo suas instruções, me levando na ponta do pé e observo através da porta, meus olhos demoram um pouco para se adaptar à luz, mas logo vejo uma sala repleta de telas, pinturas, cavaletes, plantas, manchas de tintas nas paredes, uma ampla janela com vista para serra, onde se vêem árvores verdes e vivas, acomuladas umas ao redor das outras.
 
Eu conhecia muito bem aquele ambiente, era o estúdio de pintura de minha mãe, no canto do cômodo havia um sofá laranja e ao seu lado uma escrivaninha com uma pilha de livros. Foi ali que eu passei grande parte de minha infância, em uma casa no interior cercada de mato e calmaria.

Eu me lembro com carinho do gostinho cítrico do chá que minha mãe me servia sempre que um resfriado surgia. Lembro das cores vivas das tintas, que despertaram em uma criança pequena a paixão pela arte e do meu pai que em seu cantinho do sofá, sempre levantava os olhos de suas leituras para nos admirar com um sorriso no rosto.

Antes de minha mãe adoecer era alí que morávamos. Aquela foi a época mais feliz da minha vida.

-É o seu estúdio - suspiro feliz - vamos entrar? Que saudades eu estava deste lugar.

Abro a porta apressada e entro naquele ambiente cheio de luz, fecho os olhos e permito que meu rosto absorva os raios solares que vem pela janela. Inspiro o ar e sinto o familiar cheiro das telas e tintas. Ativo todos os meus sentidos, buscando regravar cada uma daquelas sensações na memória.

Me viro para trás e encontro minha mãe me encarando com uma expressão alegre, então me dou conta que até aquele momento, eu ainda não tinha visto seu rosto.

Encostada na soleira da porta ela era a exata impressão da mulher de minhas lembranças, seu cabelo castanho cheio de cachos que sempre buscavam se rebelar, sua pele oliva, seu nariz pontudo, seu corpo fino e comprido e as roupas cheias de estampas, leves e esvoaçantes.

Eu já sabia há algum tempo que estava sonhando, todos os últimos eventos desafiavam a lógica, mas um sonho assim tão cheio de sensações, tão real, tão vivido e com a visita de alguém amado, só te faz querer dormir por mais tempo.

-Eu tenho mesmo que acordar mamãe? - choramingo baixinho.

- Tem sim filha, tem sim, muito em breve será o momento de você despertar - ela diz com carinho enquanto se vira para trás - venham garotas - ela grita para o escuro atrás da porta - está na hora de se conhecerem.

Ok, o sonho estava ficando um pouco estranho, da porta que há alguns minutos minha mãe e eu atravessamos, surgiram uma a uma quatro mulheres, suas aparências eram distintas entre si, mas delas emanava a mesma aura de poder e mistério.

Elas entraram na sala, deram as mãos umas às outras e junto com minha mãe formaram um círculo em minha volta.

A primeira, era uma mulher de cabelos curtos e tão brancos que chegavam a ser quase prateados, ela era pálida e alta, sua aparência me lembrava a lua.

Olhando diretamente para mim disse:
-É um prazer finalmente te conhecer Rosa Helena.

- Você parece tão confusa, mas não se preocupe criança, em breve você irá despertar - disse a segunda mulher, que para ser mais exata, era uma garotinha de cabelos ruivos e compridos, que não aparentava ter mais de nove anos e mesmo assim me chamou de criança - ah - ela exclamou, como se lesse meus pensamentos - eu sou muito mais velha do que aparento, todas nós somos na verdade - completou apontando para as outras.

- O que é isso mãe, o que está acontecendo? - pergunto para ela confusa.

- Filha, foi muito bom te reencontrar, mas está chegando o momento de você descobrir o segredo da família. Você precisa despertar Helena.

De que segredo minha mãe estava falando? Que sonho maluco era aquele? Eu realmente precisava acordar.

-Você tem que despertar Helena - todas as quatro mulheres repetiram juntas - você tem que despertar.
Como se aquela frase fosse capaz de acionar um mecanismo em minha mente, me levanto assustada do meu sonho. 

Sinto o meu coração acelerado e a respiração ofegante, inspiro e expiro lentamente, ia ser difícil me acalmar pelo resto da noite.

As 12 Pétalas da RosaOnde histórias criam vida. Descubra agora