CAPÍTULO 1 - Introdução

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Esfrego os olhos cansada, tento manter minha vista em foco, respiro fundo para recobrar o equilíbrio. Já faz algumas semanas que venho tendo tonturas repentinas, com a vista escurecida e uma fraqueza súbita.

Meu pai, como sempre, insiste que eu vá fazer exames e mais exames, afinal - ele argumenta - nunca se sabe o que pode estar dando errado em seu corpo. Eu não o culpo pelo medo da doença ou da morte, muito pelo contrário, o compreendo.

Ao perdermos alguém que amamos, aprendemos a temer que a vida nos leve o pouco que restou. Eu e ele conhecemos bem o peso do luto e da dor agonizante de ver um ente querido definhar dia após dia. Esta angústia e desespero não desejo a ninguém.

Então, mesmo acreditando que meus maus estares provém do cansaço da rotina e que a faculdade e o estágio são os maiores culpados, ainda assim, faço todos os exames possíveis.

Um dia de cada vez, este tem sido o meu lema nos últimos anos, um passo após o outro, assim sigo em frente pela vida e pelo corredor que leva até o meu apartamento.

Abro a porta de casa e olho ao redor da pequena sala de estar, os móveis sempre organizados, o ambiente claro e limpo e o cheiro suave de lavanda, graças ao harmonizador de ambiente que comprei uns dias atrás.

É sempre bom chegar em casa e descansar, com os pés latejando e as costas doendo, fico feliz no simples ato de me lançar em uma poltrona e esperar o mundo acabar.

Me permito desfrutar os breves momentos de silêncio que antecedem a chegada de meu pai, onde nenhum pensamento cruza meu cérebro sempre agitado.

Esses curtos quinze minutos que me permito não pensar em nada, como provas, trabalhos, prazos no serviço ou croquis para terminar, constituem em um pequeno prazer diário.

Talvez na vida seja mais feliz aquele que não tem com o que se preocupar, uma pena que não me encaixo exatamente nesta definição.

Minha mãe, ao contrário de mim, era um espírito livre, sempre disposta a tirar o melhor de cada situação. Eu já sou mais semelhante ao meu pai, aprendi a fazer planos desde cedo, estou sempre atenta aos mínimos detalhes para que nada se perca.

Como ele sempre me dizia: "Planejamento é a base do sucesso".
Eu tenho levado esse lema a sério e o internalizei dentro de mim, tudo em minha vida está anotado e pré definido, os horários desde que acordo até quando vou dormir, alimentação, descanso, leitura.

Algumas vezes minhas amigas me perguntam, em tom de brincadeira, se eu também não anoto em minha caderneta o exato momento que vou piscar, urinar ou beijar meu namorado. Entendo o ponto de vista delas quando dizem: - Helena você tem que se preocupar menos, nem tudo na vida sai como os planos.

E elas estão certas, não se pode controlar tudo, há inúmeras coisas imprevisíveis mundo afora, mas eu controlarei o que puder, enquanto puder, pois eu detesto o que é imprevisível e está fora de controle.

Sou apaixonada por hábitos, pela certeza de que tudo vai seguir um padrão, pela centelha de esperança de que posso construir um pouco do meu futuro.

Às sete e meia meu pai chega em casa, afrouxa o nó da gravata e troca seus sapatos sociais pelo bom e velho chinelo, se joga no sofá a minha frente como se também precisasse por uns minutos tirar o peso do mundo das costas.

Observo seus cabelos grisalhos e noto que algumas rugas já estão aparecendo ao redor de seus olhos, como sinal da idade que vem chegando aos poucos, apesar desses sinais, meu velho ainda é uma das pessoas mais determinadas que já conheci.

-Como foi seu dia, Helena? - seus olhos castanhos, os quais herdei, me encaram ao fazer a pergunta rotineira.

- Como sempre - respondo, pois meus dias normalmente não carregam surpresas - foi bom e o seu?

- Você sabe, pacientes, pesquisa e por aí vai, trocando de assunto, você já marcou os exames de rotina? como você está cansada de me ouvir dizer ...

- É importante cuidar da saúde - completo - eu sei pai. Chegou alguma carta para mim neste fim de semana? uma encomenda talvez? Comprei um jogo de pincéis semana passada, mas ainda não vi sinal de vida.

Eu realmente estava ansiosa para dar uma olhada em meus novos pincéis, eu dei a sorte de encontrar uma edição especial super em conta em uma loja de outro estado, eles darão outro acabamento para minhas pinturas dos finais de semana, o único lado ruim era esperar.

- Chegou algo para você, mas não é a encomenda e sim um pacote junto com uma carta de seu avô- percebo que sua fala tinha um toque de ansiedade, algo que não era de seu costume, ele sempre fora um homem concentrado, de poucas expressões ou alterações, apesar de ser psiquiatra e estar envolvido em várias pesquisas sobre a mente, sempre se ateve mais aos fatos que as emoções.

-Está tudo bem pai? - pergunto preocupada - o que tem de especial em uma carta do vô Toninho? Além de ser um pouco fora de hora é claro.

- A carta não é do vô Toninho e sim do vô Marcos - ele responde apressado e então eu finalmente entendi o motivo da alteração.

-O QUE? - grito enquanto salto assustada da minha confortável posição na poltrona.

As 12 Pétalas da RosaOnde histórias criam vida. Descubra agora