Anoitecia. O calor maldito do dia ainda estava no ar esturricando o rosto da pradaria. No deserto é sempre desse jeito. Agora se a gente espremer os olhos dá pra ver, lá na distância, uma chaminé baforando fumaça. Vinha duma choupana abandonada. E uma choupana assim, carcomida e isolada do mundo, poderia ser ponto de pernoite de todo tipo de gente. Bandoleiros, índios rebeldes, saqueadores. Caçadores de recompensa. Só gente fina.
No curral, tinha dois cavalos, mas nas janelas não havia sinais de luz.
Chegando um pouco mais perto, com a cautela de quem fuça onde não deve, e colando a orelha na parede, a gente pode ouvir uma conversa:
– Pra mim, chega, diabo! – Um deles dizia. Tinha voz grave, estridente, mas cansada. – Só mais essa noite! Amanhã, quero ver o lindo rosto do México sorrindo pra mim. Chega de fugir e chega de rangers no meu encalço! Aqueles vira-latas vão ter que suspender a caçada.
– Relaxa, Steve – respondeu o segundo, de boca cheia, mastigando algo. – A gente tá a um passo de livrar o pescoço da corda. Não tem nada que possa impedir a gente de atravessar a fronteira.
– Espero. Espero mesmo. Não sei mais a quem rezar, danação.
– Conta outra, Steve... Você nunca soube rezar!
– Mas você sabe. E, pelo que lembro, reza muito bem...
– Danação, Steve! – O que mastigava engoliu de vez.
– Ora, vamos, Marlon! O que custa ajoelhar e juntar as mãos, hein? Aposto que Jesus nem tá olhando...
E, aqui, foi possível ouvir a poltrona gemer, como se alguém sentado nela se mexesse.
Assim, se a gente for de fininho botar um olho numa das janelas com ainda mais cautela que antes, então poderemos entrevê-los com o que resta da luz do sol.
O primeiro, o de voz grave e cansada, era quem estava sentado na poltrona, quase de costas para a nossa janela e com os braços esticados no seu espaldar com certa preguiça. O seu chapéu caíra pela nuca, deixando perceber uma cabeleira basta e uma barba densa cobrindo o rosto. O segundo homem, o que até agorinha mastigava, sumiu um instante da vista, mas logo pudemos vê-lo de novo: lá estava, agachado ao pé do que estava na poltrona, num movimento lento, ritmado. Estava de joelhos ou sentado no chão – não se pode ver direito – e o outro, o da poltrona, abrindo ainda mais os braços moles no seu espaldar, deixou a cabeça pender para trás e parecia suspirar, sorrir de olhos fechados.
Esse moço da poltrona então gemeu e a sua respiração acelerou. O outro moço continuou agachado, sumido, vez por outra deixando aparecer só a pontinha do seu chapéu na cabeça. Ele mesmo falou um pouco depois:
– Au, merda! Olha o que você fez, Steve!
Mas o da poltrona parecia nem ter ouvido, tão relaxado que estava agora.
E bem aqui, o que estava agachado ergueu o rosto e olhou para a janela.– Porra, Steve! – Ele deu um berro e pulou em pé, sem cor. – Tem alguém espiando da janela lá fora!
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As Flores da Morte
Short StoryArizona, EUA - século XIX. Neste conto - que é uma homenagem a Tex, o famoso caubói dos quadrinhos que levam seu nome -, Bob Carson está às voltas com um prisioneiro mexicano quando depara com um mistério: um homem está morrendo no deserto próximo a...