IV

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Bob tocou o seu cavalo. A soalheira do meio-dia tinia no cangote e nada se mexia lá além, no deserto. Pensou que não devia estar muito longe do animal (ou pessoa) que havia atraído os abutres. Eles ainda rodopiavam no céu.

O prisioneiro estuprador, com a perna enfaixada e as mãos amarradas nas costas, vinha cabisbaixo, cambaleando num outro cavalo puxado pelo do nosso detetive.

– Não gostei que atirou em mim, gringo – ele falou, quase num sussurro.

– Ah! – Bob fez, surpreso. – Então, agora fala a minha língua?

Hombre nenhum marca Romildo Hernandez e sai ileso... Mas usted não é hombre. É um rapaz hijo de perro.

– Guarde as ofensas, chacal.

Bob apeou. Finalmente encontrava o que vinha atraindo os abutres. Era um homem, como ele imaginou. O mesmo que, há pouco tempo, no começo da nossa história, sonhava em ver o lindo rosto do México lhe sorrir: Steve. Com a diferença de que, agora, aparentava ter mais de cem anos.

Bob o olhou com horror. Era uma múmia viva, um fóssil humano ressequido agonizando no chão, e não havia nada a ser feito por ele. Os seus olhinhos se moveram sob muito custo quando Bob ajoelhou junto dele e chacoalhou o cantil de água perto da sua boca, mas foi tudo o que aconteceu. Quando o nosso rapaz entornou o líquido nos seus lábios, já não tinham mais vida. Bob ergueu o olhar para o céu e lá ainda estavam os abutres na sua ciranda macabra.

Não demorou a encontrar, não muito longe desse primeiro cadáver, uma enorme cratera no chão. Em volta, a terra estava revirada, incinerada, e um resto de fuligem ainda pairava no ar, acima. Dentro dela, uma neblina cinzenta amedrontava e o cheiro de queimado era nauseante.

¡Qué diablo! – Romildo falou, com uma careta.

Mas Bob apenas fez um aceno pra que ele apeasse.

– Está brincando? Não vou entrar aí, gringo burro!

– Vai, sim. – Bob lhe apontou o Colt.

Depois, já com o prisioneiro mexicano claudicando na sua frente, o nosso detetive desceu a pequena encosta incinerada até o interior da cratera. Não demorou, aquela neblina cinzenta veio engolir as suas botas e pernas, não deixando que vissem onde pisavam.

Bob dobrou a atenção. Era um rapaz ainda, mas se até Romildo, um bandoleiro cinquentão, estava arisco de pisar ali, devia ter um bom motivo.
Foi o próprio mexicano quem tropeçou nalguma coisa e caiu.

¡Mierda! – praguejou, se levantando com dificuldade. – Um maldito galho!

Mas Bob, se abaixando e metendo a mão na neblina, não tirou de lá um galho. Era, na verdade, um braço humano. Ressequido, carbonizado, de fato passaria por galho não fossem as nítidas terminações ósseas que indicavam o que um dia foram os dedos duma mão.

Bob largou o membro cadavérico no chão e Romildo o encarava com horror. Olhando em volta, só havia aquela neblina insistente, cinzenta passeando por todo o fundo da cratera. Ela mais parecia olhá-los de volta.

– A gente precisa sair daqui – o rapaz falou.

Só que antes do primeiro passo apressado, Bob estacou, paralisado. A fumaça se escasseava, deixava entrever uma forma esmaecida no chão. Era uma cabeça humana. A cabeça dum índio. E estava abraçada por raízes como tentáculos negros carbonizados.

– Vamos sair logo daqui!

E subiram depressa a encosta.

Lá, uma vez montados, seguiram para Sunshine, a cidade mais próxima. Romildo ainda não tinha percebido, mas Bob o estava descartando de vez. Sabia que não conseguiria uma confissão dele.


*Hombre: do espanhol, homem. / Usted: você. / Hijo de perro: filho de um cão.

As Flores da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora