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– Não deveria fazer isso, gringo – Romildo resmungava, cambaleando na sela do seu cavalo.

– Não adianta chorar agora, chacal. Te dei a chance de escapar com a pele ilesa, mas quem decidiu se fazer de difícil foi você.

– Gringo burro... Eu nunca viveria se abrisse o bico a você. El Diablo e seus hombres me achariam até no inferno!

– Pior pra você. – Bob cuspiu. – Agora, vai ter uma corda em volta do pescoço em poucos dias. Não era melhor a chance de fugir e tentar uma nova vida?

Mas Romildo não respondeu. Apenas rosnou, colérico.

Não demorou para Sunshine despontar lá além, entre as montanhas, sob as primeiras pinceladas do crepúsculo no céu. Era uma cidadezinha silenciosa, modesta mesmo, habitada quase inteiramente por camponeses e essa gente mais simples. Logo que entraram pela rua principal, um homem com uma espingarda e uma estrela de lata no peito veio vindo na direção dos nossos dois viajantes.

– Alto lá – ele disse, apontando o trabuco para Bob. – Quem são e o que querem na minha cidade?

– Calma, xerife. Eu só estou de passagem e aproveito pra deixar esse homem sob os seus cuidados.

O xerife olhou o prisioneiro no cavalo de trás, meio desconfiado, e voltou a atenção para Bob.

– Quem é ele? – quis saber.

– Romildo Hernandez, do bando de El Diablo.

O xerife riu, baixando a espingarda.

– Romildo Hernandez, é? Então você é caçador de recompensa, moleque?

Bob também riu, sem demonstrar ofensa. Depois, sacando um Colt e o girando no indicador, falou:

– Digamos que sei me virar quando preciso, xerife. Mas, além de Hernandez, tenho um outro assunto pra tratar.

– E que assunto seria esse, garoto?

– Por acaso, já passou por uma cratera a umas vinte milhas daqui, lá pra perto do Mormon Lake? – Espichou o queixo indicando a direção.

Mas o xerife apenas cuspiu no chão, sem saber o que responder.

Mais tarde, Bob deixou o seu escritório com a modesta recompensa pela cabeça de Romildo estufando o bolso da camisa sob planos de noitada e bebedeira. Algo que apagasse os últimos dias da sua memória. Nisso, a noite já caía e as poucas luzes daquela cidade a deixavam um pouco menos fantasmagórica. Só que o nosso rapagão nem chegou a entrar no saloon. Uma forte convulsão o acometeu ainda na rua, sob o silêncio da hora e longe da vista de todos.

– O quê?...

Bob abraçou a sua barriga, tossiu várias vezes. Uma tosse seca. Sentia as suas entranhas nadarem pelo corpo livres como peixes na água. Agora havia uma dúvida plantada em si mesmo e todas aquelas figuras mumificadas lhe voltaram aos olhos. A última coisa que viu foi um abutre bem na sua frente. Então caiu e ali mesmo ficou.

Foi somente depois de algum tempo que deram pela sua presença lá na rua e o levaram à casa do doc.


*Doc: [gíria] abreviação de doctor (doutor, médico).

As Flores da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora