Os únicos a dançar

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O mundo explodia em fúria. O salão tinha o ar pesado de tanta discórdia, inveja e fofocas. Éramos os únicos a dançar.  Todos os casais brigavam, choravam, olhavam para nós e desejavam que caíssemos, que errássemos um passo e a ternura da nossa dança se desfizesse. Queriam que nossos pés tocassem o solo, que parássemos de flutuar, que nosso olhar fixo um no outro se quebrasse por um instante.

E seria preciso só um instante mesmo para que toda a mágica desaparecesse, que de seres divinos voltássemos a ser meros mortais. 

Dançando, matamos mais do que um assassino em série sonharia. As línguas tinham mais veneno do que a presa das cobras, o álcool já fazia os outros cair em depressão, enquanto nós dávamos piruetas, voltas, as mãos dadas. Nossos passos em sincronia com nosso coração. Nossa alma se encontrando. Sim, uma única alma se formando a partir do encontro de dois corpos. Aristotelicamente.

Corações estavam partidos; os nossos, unidos por uma cola invisível, atados por uma linha irrompível, batiam forte. Girávamos de um lado a outro, a epítome da paixão. 

O tempo estava suspenso enquanto durou nosso desfile dançante. Talvez só tenha durado o tempo de uma canção. Mas, ali, em nós, dançaram todos os casais de todos as épocas. Porque o amor é sempre o mesmo, a mesma história que se desenrola por séculos e séculos. A mesma dança adaptada em diferentes coreografias. Cada dançarino com sua interpretação.

Em algum momento, todos saíram. Éramos os únicos ali: leves, jovens, imaturos, prepotentes, arrogantes, inconsequentemente dançando. E como eu dançaria bem mais se meus pés permitissem! Sei que você também.

Palavras Perdidas (Achadas)Onde histórias criam vida. Descubra agora