Krolle, juntamente de todos os serviçais, havia sido algemado, em plena praça do castelo, com uma estaca de ferro presa por correntes que atravessavam a carne de sua cauda. Os camponeses que passavam e viam a cena, se aglomeravam para entender o que estava acontecendo. Krolle notou que alguns se moviam de maneira estranha entre os demais, mas foi distraído quando soldados abriram caminho pelo povo, para o rei Jeromy Cares passar.
— Povo de Pantinus, vocês devem estar se perguntando: O que o seu generoso rei faz aqui em praça pública em pleno dia? — vociferou Caiman, o porta-voz — Pois, eu vos respondereis. Um destes meros serviçais é um manipulador de água infiltrado a fim de assassinar nosso querido rei.
A surpresa da multidão não foi maior que o choque que os servos ali presos.
— O aviso foi feito anonimamente — continuou Caiman — Por isso tenho de perguntar. — falou e se virou para os presos — Quem de vocês, é o manipulador das águas?
Vozes se avolumavam enquanto os machos e as fêmeas, ali algemados, gritavam ser inocentes, desconhecerem a identidade do feiticeiro ou mesmo culpavam uns aos outros.
— SILÊNCIO — bradou o rei se levantando de seu assento. A multidão e os escravos se calaram — Se não existe nenhum culpado dentre vocês — falou passando os olhos pelos presos à sua frente — Então que todos sejam executados como exemplo!
A multidão gritou de ansiedade, os presos de desespero e Krolle encontrou os olhos de Jaquie, entre os répteis, se preparando para um ataque surpresa à guarda real.
O que se seguiu, foi um ataque muito bem orquestrado. O som de ferro e metal colidindo, enchia o ar com uma cacofonia estridente e espalhava o medo entre os camponeses. Os soldados, apesar de bem treinados, gradualmente sucumbiam aos rebeldes liderados por Jaquie. A lagarta subiu de encontro com o Rei e travou uma batalha de igual para igual. Quando ela teve o ditador em suas mãos e fora oferecer sua justiça a ele, uma flecha irrompeu os céus atingindo-a.
Krolle berrou diante do acontecido. Jaquie caiu ajoelhada na frente do rei com a madeira lhe atravessando o peito. O exército real retornara a cidade, cercando e imobilizando os meliantes.
Jeromy Cares se ergueu, recuperando sua espada do chão e se preparou para dar o golpe final na garota.
— NÃAAAAAAAAAAAAAOOOOOOOOO — berrou Krolle se erguendo. Com toda força que havia adquirido naqueles anos, avanço e se forçou para se livrar da algema que o prendia. Uma dor excruciante percorreu seu corpo, mas ele não a deixou intimidá-lo. Não ligava para o que estava para acontecer e nem pelo que seria de si próprio após aquele ato. Apenas seguiu em frente sentindo o peito arder, temendo pela garota.
Jeromy, atônito com a cena, baixou a espada e observou o que aquele Lagarto havia feito. Tentava assimilar aquilo que nenhum outro havia executado por vontade própria até então.
Ante os passos e tropeços de Krolle, a multidão ao redor se calava, o chocar de espadas diminuía e toda atenção era voltada para ele. Cambaleou até Jaquie, devido à falta de equilíbrio, e gentilmente a pegou no colo. Aplicando força no local correto, quebrou a ponta de aço e retirou a flecha que trespassava o peito da garota. Sem se importar com quem estava à sua volta, invocou as águas mais próximas que percorreram o chão passando por cada réptil que ali estava, até chegar e envolver todo o corpo da garota.
Devido ao profundo ferimento, a magia de Krolle não parecia ser o suficiente. Notando isso, ele se deixou levar pelo poder. Seu corpo enrijeceu e seus olhos adquiriram um brilho espectral que fez quem estivera por perto se afastar. Uma esfera feita de água, envolveu Krolle e jaquie, criando um escudo translúcido. O ar ficou mais frio e o vento se tornou tão forte a ponto de arrastar espadas e equipamentos caídos. Jaquie foi envolvido por uma aura azulada e carne, músculo, fibra e ossos foram reconstruídos, assim, salvando a vida da garota.
O rei saiu de seu transe e levantou sua espada para atacar a esfera junto de seus soldados. A chama da vingança ardeu no peito de Krolle e já entregue a magia, saiu de sua proteção ordenando que um cordão de água fosse formado em suas mãos. Com um girar do pulso, arremessou o chicote em um machado caído e, com um puxão, aparou o ataque da realeza. Tentáculos aquosos e gêiseres surgiram da proteção onde Jaquie estava, afastando aqueles que chegavam perto.
Krolle aparava os ataques da melhor maneira que podia. A falta de equilíbrio por várias vezes o fez ganhar cortes extras pelo corpo todo. Jeromy se aproveitou de uma abertura e usando a espada como um porrete, atingiu Krolle na lateral do abdômen. O lagarto sentiu a dor do golpe, envolveu a mão solta no fio da espada e a segurou evitando que o adversário a puxasse de volta.
O rei, surpreso com a atitude do escravo, não percebeu quando o machado de Krolle, levou embora seu braço. Apenas entendeu o que havia acontecido quando viu o mundo girar e seu corpo cair decapitado à sua frente.
A magia da esfera foi se dissipando e todo líquido acumulado caiu como uma chuva passageira.
Krolle caminhou até Jaquie e notando a nova cicatriz da garota e seu corpo respirar, chamou o rebelde mais próximo.
— Quando ela acordar, diga que eu sempre estarei rezando por ela, mesmo que nossos caminhos nunca mais voltem a se cruzar — falou — Vá! Leve-a daqui antes que seja tarde demais.
O rebelde olhou para os guardas que se prepararam para impedir a fuga dos rebeldes.
— Deixem-nos passar, ou terão o mesmo destino de seu rei! — berrou Krolle.
— Obedeçam soldados — ordenou Capitão Alig, tentando esconder o arco nas costas. Os lagartos temerosos, abriram caminho e os rebeldes fugiram levando Jaquie.
***
Krolle não poderia ficar mais ali. Apesar de seu ato de tirar a vida do ditador, a tradição de seu povo era suprema. Se pôs a caminhar para fora da cidade, tentando se acostumar com a sua falta de peso. Deixou para trás o que restava de sua família, seu grande amor, suas vitórias e derrotas, seu sofrimento e a sua causa, pois, quando se libertou das algemas havia dilacerando-a. Com o tempo ela voltaria a crescer, mas não teria como recuperar o que perdeu junto dela: a sua honra.
⠀
FIM.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Contos de Alyngard
FantasySeja Bem-vindo(a) à Alyngard, um mundo recheado de criaturas fantásticas, magia e muita aventura. Conheça as histórias que permeiam esse local e conheça personagens inesquecíveis enfrentando perigos e batalhas internas.