Uma Questão de Honra - Parte 1

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Em um lar no fundo das profundezas do reino de Pantinus, nasceu Krolle Dillus. Com seus olhos amarelos, focinho alongado, braços e pernas fortes, escamas por todo corpo e uma longa cauda, ele era apenas mais um dentre sua espécie.

Aos cinco anos, enquanto se aventurava pelos mangues com seus melhores amigos, descobriu trazer dentro de si algo que o diferenciava dos companheiros.

— Vamos Krolle, sei que você consegue escalar a árvore —provocou Linus.

— Não consigo mais do que isso — resmungou Krolle se agarrando com força ao tronco enquanto sua calda balançava no ar — Já estou sem forças!

O pequeno menino desceu e encarou os amigos.

— Deixa comigo então, eu pegarei a bola — falou Jaquie —Todos sabem que as lagartas são mais fortes e flexíveis — disse enquanto fazia cara de deboche e começava a escalada.

Como já era esperado, Jaquie subiu com enorme facilidade. Alcançou os galhos mais baixos e em pouco tempo já estava próxima à copa da árvore driblando as áreas apodrecidas da madeira. Após recuperar a bola presa, ela se pôs a descer. Os garotos que assistiam a façanha da amiga, torciam e gritavam dizendo o quão incrível ela era. Confiante em suas habilidades e sendo levada pelos elogios, a garota descia cada vez mais rápido, sem nem mesmo conferir sua segurança.

O som de um estalo agudo emudeceu os meninos quando viram a crocodila despencar. Krolle correu para socorrer Jaquie que chorava de dor ante o corte profundo que ameaçava partir sua cauda. Linus entrou em desespero ao ver o sangue azulado escorrer.

— Linus, se acalme por favor, assim você só vai piorar a situação — gritou Krolle.

— O que eu faço? Você sabe que se ela perder a cauda vai se tornar uma pária — falou choramingando.

— Chame sua mãe, ela é médica não é? Vai saber o que fazer para ajudar — ordenou Krolle tentando manter a situação sob controle.

Linus mergulhou no pântano e, em poucos segundos, desapareceu em seu interior. Jaquie já começando a perder a consciência tentava se manter lúcida.

— Krol — Choramingou a garota —, eu não quero ser exilada.

— Você não vai ser — disse Krolle — Tem uma coisa que eu gostaria de testar, mas vou te pedir para não contar para ninguém.

— Seja o que for, juro que não direi — Respondeu.

O pequeno crocodilo fechou os olhos e mergulhou a mão escamosa no mangue. A garota observou quando a água começou a percorrer o braço do menino, emitindo uma fraca luz azulada. Krolle levou a mão até o ferimento e todo líquido que subira por seu membro se realocou para a cauda da garota criando uma camada sobre suas escamas. A visão daquele milagre foi surpreendente e aterrorizante para Jaquie que não conseguiu se manter consciente e acabou desmaiando.

Krolle, não viu como aconteceu, apenas sentiu. Uma sensação de completude se espalhou pelo seu corpo e ele se deixou guiar pelo puro instinto. Levantou a cauda partida da crocodila e ordenou que as águas unissem o ferimento. Vasos sanguíneos, músculos, cartilagens, carne e escamas foram reconstruídos deixando apenas uma fina cicatriz no local.

Linus já sem fôlego devido à correria, chegou acompanhado de sua mãe, momentos depois e se deparou com Jaquie com o rabo curado e Krolle desmaiado junto a amiga.

— Ele não sobreviverá muito tempo — Krolle ouviu uma voz distante que invadia seu sono dizer — Temos que escondê-lo a vista de todos.

— Ele é só uma criança — falou outra voz distante carregada de soluços e pesar. — Essa não é a vida que eu queria para o nosso bebê.

— É preciso Caucara! — afirmou a voz retumbante que ele reconheceria em qualquer lugar.

Krolle abriu os olhos encontrando seus familiares. A mãe cobria a grande e alongada boca segurando o choro, enquanto seu pai tentava desviar de seu olhar.

— O que está acontecendo? Como vim parar aqui em casa? Cadê a Jaquie? Ela está bem? — perguntou Krolle.

— Filho, temos algo muito importante para te falar — disse sua mãe —Vamos... Você vai... Eu não consigo fazer isso Kronk — falou para o marido enquanto se levantava para sair do quarto.

Kronk vendo a reação da esposa, sentou na cama e encarou seu filho.

— Krolle, você carrega dentro de si um poder incrível e perigoso. Por lei, teríamos que mandar o exército te sacrificar, mas não podemos fazer isso — falou seu pai procurando palavras para suavizar a gravidade da situação — Se você continuar por aí e espalharem a notícia que você controla as águas, eles virão te pegar. Por isso eu e sua mãe decidimos...

— Não estou entendendo papai, eu não fiz nada de errado!

— Eu sei que não fez... — falou Kronk segurando as lágrimas. — Decidimos te inscrever no exército real, assim você estará protegido debaixo do focinho deles — finalizou não contendo o choro.

Krolle não sabia como interpretar aquela afirmação. Ele teria que deixar sua família para servir o exército, o que poderia ter de ruim nisso?

Foi então que o inferno em sua vida começou. 

Contos de AlyngardOnde histórias criam vida. Descubra agora