Capítulo 27

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Eu estava a dois quarteirões do trabalho quando vi Shawn vindo na minha direção em meio ao fluxo de pessoas da manhã. Seu rosto estava marcado por linhas fundas. Cinco minutos de atraso.
Cinco. Ok, sete (no máximo), e ele vinha atrás de mim. Até pulei o meu café da manhã para me
apressar. Desculpas passaram pela minha cabeça, escudadas por todas as vezes em que fiquei até tarde para fechar a loja só porque ele tinha um encontro. Eu devia ter anotado tudo. Isso seria bem útil agora.
– Shawn, eu...
– Vire. – Ele enganchou o braço no meu e me virou de frente, na direção em que eu viera. –
Continue a andar. Você não vai querer ir para a livraria agora.
– O que está acontecendo? – Meu celular começou a tocar na bolsa. O nome de Lauren apareceu na tela. – Lauren?
– Oi. Tenho boas e más notícias. Qual quer ouvir primeiro?
– Isso tem alguma coisa a ver como fato de Shawn estar me impedindo de chegar ao meu local de trabalho?
– É, ele me ligou agora há pouco. – Ela emitiu um som sofrido. – Olha só, apareceram umas fotos de ontem no restaurante. Alguém te reconheceu e contou para um repórter, que agora está na frente da livraria atrás de uma matéria sobre o nosso amorrr.
– Certo. – Minha mente ficou oficialmente confusa. Shawn me fez atravessar a rua e descer um
quarteirão. – Qual a boa notícia?
– Todos sabem sobre a gente. Não temos mais que nos esconder.
– A gente não estava se escondendo.
– Bem observado. Lamento, Camz, não tenho boas notícias. A situação vai ficar difícil por
um tempo.
– Você tem sorte de eu gostar muito de você. O que vai acontecer agora? – Viramos na entrada de um café. Havia uma mesa disponível num canto, e Shawn e eu fomos até ela.
– Os repórteres provavelmente vão esmiuçar todo tipo de informação sobre você e vão inventar coisas, o bastante para ter alguma história pra contar. Vão querer fazer isso bem rápido, pois as notícias se espalham. Em seguida, mais pessoas vão cavar a história da sua vida. Não vai ser nada parecido com o que aconteceu com Ally porque não demos uma de loucos casando em Vegas. – Ele parou para respirar. – Se você não faz nada que mereça aparecer no jornal, eles perdem o interesse.
Enquanto isso, como se sente em ficar um tempo num hotel?
– E quanto ao trabalho? – perguntei para ele, depois sacudi a cabeça e me virei para Shawn. Essa era uma pergunta a ser feita para o meu chefe. Perguntei para ele: – E quanto ao trabalho?
Shawn levantou as sobrancelhas numa pergunta enquanto Lauren pigarreava.
– Bem, imaginei que gostaria de acertar esse detalhe com ele – disse Lauren.
– Sim, quero.

– Mas, Camila, só para variar, não se preocupe em relação ao dinheiro, ok? Eu ajudo você.

Hummm. Não tinha certeza quanto a isso. No entanto, sendo bem realista, se eu ficasse com Lauren, Estaria no quarto de hotel dela. O meu aluguel já estava pago. A não ser por alguma refeição ocasional, eu não precisaria de muito dinheiro.

– Ok. Só me dá um minuto, por favor, Lauren. – Afastei o celular um pouco. – Sinto muito. Shawn?

– Nós conversamos – disse Shawn. – Ele disse que muito provavelmente a próxima semana vai ser uma loucura, mas depois tudo deve se acalmar.

– Lamento pelo repórter. Mas eu ia mesmo te perguntar se eu poderia tirar uns dias de folga. Sei que está meio em cima da hora, mas, dadas as circunstâncias...
Shawn se retraiu, e uma onda de pânico se formou dentro de mim. Ele não pareceu zangado na noite anterior, mas não significava que ele não estivesse guardando ressentimentos, ou que talvez não me quisesse mais por perto, o que poderia culminar na minha demissão. As coisas podiam piorar bem rápido.
Mas ele suspirou e voltou a relaxar.
– Vai acompanhá-la na turnê?
– Eu gostaria. Por um período. Isso possibilitaria que as coisas se acalmassem por aqui.
– Acho que isso faz sentido. Apesar de que, se você grudar nela, esta situação pode se prolongar. Já pensou nisso?

– Está querendo que eu peça demissão?
– Claro que não.
– Não vou desistir dela, Shawn.

Ele desviou o olhar.

– Posso te dar cobertura por uma semana, Camila. Assim, sem sobreaviso, acho que não consigo

Fazer mais do que isso.

– Não, uma semana seria ótimo. Obrigada.
– Já passou da hora de você tirar férias. E não posso ficar com repórteres por perto, afugentando os clientes. Vou mudar os turnos de Tara e Alex.

– Agradeço muito mesmo.
Ele fez uma careta.
– Você é um amigo incrível.
– Eu sou incrível – Laurenl disse ao meu ouvido. – Sou muito mais incrível do que ele, eu nem... Não há comparação. Por que você foi usar essa palavra se referindo a ele?

– Quieta – disse a ela.
– Volte a tempo para o seu aniversário, ok? – Shawn pediu com um sorriso hesitante. – Ainda
Vamos sair para jantar, certo?

– Deus, nem pensei nisso. Vou estar de volta. – Sempre saíamos para jantar nos nossos aniversários. Era uma tradição nossa. Lauren ainda estaria com o pé na estrada, então eu poderia antecipar uma comemoração com ela. Seria uma boa chance de eu me entender com Shawn, saindo apenas como amigos. – Eu gostaria muito.

– O quê? – Lauren perguntou. – Quando é o seu aniversário? Camz?
– Cuide-se – disse Shawn. – Se precisar de alguma coisa, é só me chamar.
– Obrigada. De verdade, eu... Você é um bom amigo.
– Um bom amigo... Ok – ele repetiu meio amargo. Depois se inclinou, me deu um beijo no rosto. – Tchau.
– Ele deu um beijo em você? – Lauren berrou no meu ouvido, fazendo-o tinir.
Fiz uma careta, afastando o aparelho.
– Ei. Abaixa o tom, Garota.
Shawn se movimentou entre os fregueses do café e saiu pela porta. Talvez sobrevivêssemos a este transtorno, no fim das contas. Na noite anterior, não tive tanta certeza disso.

– Quando é o seu aniversário? – Lauren perguntou.

– Três de março.

– Daqui a uma semana e meia. Vou ter que bolar alguma coisa pra você.

– Só você já está bom para mim. Vamos ter que comemorar antes. Só vou ter uma semana de folga e devo me considerar sortuda por conseguir isso assim tão em cima da hora.

– Não acredito que ele beijou você. O cara tem colhões, mas, ainda assim, ele está morto. – Lauren murmurou mais algumas coisas que presumi serem ameaças vãs. – Não volte para cá, só por precaução. Vou pedir para Dinah ajudar, separando umas malas pra você. Vá direto para o hotel The Benson, ok? Um quarto estará reservado para a hora que você chegar.

– Obrigada.
– Não está brava por eu virar a sua vida de ponta-cabeça, está?
– Sou bem crescidinha, Laur. Eu sabia quem você era quando me meti nisso e vi o que aconteceu com Ally. Sempre houve uma possibilidade de algo assim acontecer.
– E se continuar a acontecer, você vai ficar de saco cheio e me largar?
Meu coração se rebelou contra tal pensamento.
– Não. Nós damos um jeito.
– É, daremos – ela concordou. – Você fica bem maleável depois de uma noite de sexo ardente. Vou anotar isso.

– Faça isso, minha amiga.

Ela deu uma risada.
– Vejo você em uma ou duas horas. Vamos quebrar o colchão do hotel, pedir serviço de quarto e ficar juntas, ok?
– Parece maravilhoso. – Com um sorriso enorme, me afundei na cadeira. Eu estava oficialmente de férias. Nas minhas últimas, fui para a Flórida com mamãe, papai e Sofia. Eu tinha catorze anos, foi um ano antes de tudo virar uma zona. E de jeito nenhum eu ia perder tempo pensando no passado. A vida, aqui e agora, com Lauren, era uma montanha-russa. Assustadora e excitante. Pouco importava se a situação ficasse estranha, eu apreciaria aquele momento.


O jantar com a banda e a família foi adorável.

Em seguida, fomos para um dive bar, perto de Chinatown. Ele ficava ao final de uma escada estreita subterrânea. Nem muito limpo, nem tão sujo. Havia máquinas de pinball e uma mesa de Bilhar, uma jukebox berrando Joy Division. A clientela estava de olho num cara modernoso que estava em um dos cantos. Fora um ou dois olhares, ninguém ficou animado quando chegamos. Acho que eram todos descolados demais para se importarem com os mesmos e velhos astros do rock.
Embora Sam, o guarda-costas, tivesse ido junto, só como garantia.
Meu celular vinha tocando devido à minha fama recente. Recebi muitas mensagens, mas falei com Sofia, e ela estava bem. Eu não precisava falar com ninguém mais, a bem da verdade. Ally me instruíra quanto a como lidar com toda aquela atenção: era só manter a cabeça abaixada e não alimentar o monstro. No fim, eles acabariam perdendo o interesse por mim e seguiriam para outra história.
No hotel, Lauren e eu assistimos a filmes e só relaxamos. Foi maravilhoso. Clara me convidara para ir  ao bar e tomar um drinque antes do jantar. Ela parecia mais preocupada com a atenção da mídia do que eu, embora tivesse conseguido me esconder até então. Garanti-lhe que eu e a filha dela estávamos bem. Bem mesmo.
De modo geral, fora um dia maravilhoso. E aquele dive bar era interessante, com uma atmosfera descontraída, do jeito que tinha que ser. Acomodamo-nos ao redor de uma mesa junto à parede dos fundos. Com um aceno para os garçons, Ben pediu canecas de cerveja (água para Machine e Lena).
– O proprietário é amigo nosso. A gente vem aqui para jogar Sinuca de vez em quando – disse
Lauren, puxando a minha cadeira para mais perto da dela. Ela parecia agitada, batendo um ritmo no tampo da mesa com a palma da mão. Seu estado de humor era contagioso, fazendo com que eu também ficasse desperta.
Acho que eu não tinha noção de quanto a banda e as famílias eram unidas. Durante o jantar, Troy e Machine cuidaram de Clarai. Trataram-na basicamente como se ela fosse a própria mãe deles, ali para visitá-los. Mesmo Ben demonstrara seu afeto de uma maneira mais branda. E todos pareciam respeitar o mais calado Michael, pai de Lauren. Pai e filha ficaram com os olhos pregados em Clara durante toda a noite. Praticamente pairavam acima dela. Mais uma vez Clara se cansara e Michael a levara de volta ao hotel.
Sim, eu tinha muitas suspeitas sobre o que vinha estressando Lauren, mantendo-a acordada à noite, mas estávamos nos dando bem. Ela me pedira para não interrogá-la. Ainda não. E eu não estava pronta para lhe dar respostas sobre os meus problemas. Portanto, mantive minhas preocupações por ora. Contudo, o dia do julgamento estava se aproximando para nós duas. Eu pressentia.
Faltavam poucos dias para o início da turnê, e todos pareciam agitados demais para encerrar a
noite depois que Clara e Michael saíram. Era cedo ainda, passava pouco das nove.
Olhares estranhos começaram a ser trocados entre Troy e Machine. Lançaram olhares curiosos na direção de Lauren e depois falaram entre si. Eu tinha a sensação de que Lauren havia percebido, pois se virara de costas para eles.
– Ei – Laurenl me chamou com um sorriso nervoso. – Vamos voltar para o apartamento e terminar de quebrar a cama?
– Acabamos de chegar.
– É, mas mudei de ideia. Quero ficar sozinha com você. – Seu pé começou a bater acelerado no chão. – Que tal? Vamos só ficar peladas e ver o que acontece.
– Parece uma experiência fantástica, mas posso terminar minha bebida antes de irmos? Seria grosseria nos sair agora.
– E daí? Troy e Ally vivem sumindo.
– Bebo rápido – prometi, antes de tomar uma bela golada da caneca de cerveja. Um pouco
escorreu pelo meu queixo e molhou meu suéter verde justo. Apressar-me podia não ser muito
elegante, verdade, mas com Lauren querendo me deixar pelada para ralar e rolar, você pode me culpar?

Claro que não.

Com todos os sussurros das coisas atrevidas agitando meus hormônios, não notei a conversa acalorada entre os irmãos Ogletree na ponta da mesa, faltava pouco para berrarem um com o outro.
Machine bateu na mesa, fazendo as canecas de cerveja tremerem e chamando a atenção dos fregueses em torno.
– Porra, Troy. Pergunta pra ela e pronto.
– Falei pra deixar quieto por enquanto – o irmão replicou.
Ben estava recostado na cadeira, os braços grossos cruzados, sem dizer nada, apenas observando.
Uma música nova começou, as notas da introdução tocando muito alto.
– Isso! – Um homem todo tatuado e de cabelos longos gritou atrás do balcão do bar. Que bom que pelo menos alguém estava se divertindo. A atmosfera ao redor da mesa tornara-se definitivamente sombria.
Um músculo começou a latejar no pescoço de Lauren. Ela olhou para os irmãos Ogletree com o rosto irritado.
– O que foi?
– Você sabe – respondeu Machine,  berrando acima da música.
Lauren afastou as mãos.

– Machine, sou uma mulher de muitos, muitos talentos, mas ler a porra dos seus pensamentos não é um deles.

– O que tá acontecendo com Clara?
O olhar de Ally disparou para o meu. Eu não sabia mais do que ela. Ainda.

– Tomou umas, Machine? – Mal perguntou, sentando-se mais na ponta da cadeira. – Fale a verdade.

– Não seja idiota. – Troy apoiou os cotovelos na mesa, olhando para Lauren com fúria. – Gostamos dela. Clara perdeu peso demais. Parece que uma brisa consegue levá-la voando. Você e Michael não desgrudam os olhos dela. Você sabe muito bem do que Machine tá falando.

Eu quase sentia os dentes de Lauren rangendo.

– Temos o direito de saber – disse
Machine..

Troy sugou as bochechas.

– Pare com isso, cara. Fale de uma vez.

Merda. Lauren ficou dura na cadeira ao meu lado e depois começou a se balançar. Precisávamos ir embora.
Coloquei a mão no braço dela.  Ela vibrava de tensão. Eu não sabia como confortá-la, mas tinha que tentar.

– Lauren?

Ela se livrou da minha mão sem nem olhar para mim.

– Ela ficou gripada, uma coisa assim – respondeu Lauren – Só isso. Não precisa fazer drama.
Machine se sentou mais para a frente.

– É mais do que isso. Pare de mentir.

– É isso que tá mexendo com a sua cabeça, não é? – Troy perguntou. – Clara está doente. Muito doente.

– Não sei do que vocês dois estão falando. – O riso de Lauren era uma coisa horrível. – Isso é
ridículo. Machine tá assim porque deve ter voltado a cheirar, mas qual é a sua desculpa, Troy?
Lena se levantou. Pegou o resto de uma caneca de cerveja e jogou na cara de Lauren. Um líquido espumante respingou em mim, e Lauren recuou surpresa.

– Mas que porra foi essa? – rosnou, levantando-se rapidamente da mesa.
Do lado oposto, Machine se levantou também, colocando uma Lena agressiva atrás de si. Todos pararam, a conversa no bar silenciou. Os planos para uma noite tranquila, tomando uns drinques, obviamente foram pelos ares.

– Não grite com ela – disse Machine, as mãos fechadas em punhos.
Os ombros de Machine se ergueram. Os dois se enfrentaram por cima da mesa,
evidentemente furiosos. Bem lentamente, Troy e Ben ficaram de pé. Aquilo estava esquentando bem rápido.
– Lauren, vamos embora – eu disse. – Vamos sair para que todos esfriem a cabeça.
Mais uma vez ela me ignorou.

– Vai embora, cara – disse Ben, com a voz calma e sinistra.
Cerveja pingava dos cabelos de Lauren. A frente da camisa estava ensopada. Atrás de nós uma luz pipocou. Um cara estava de pé, com o celular na mão. Filho da puta.
Sem dizer nada, Lauren se virou e disparou escada acima, quase derrubando uma moça que segurava uma garrafa qualquer. Fiquei perplexa um momento, sem saber o que fazer e fedendo a cerveja. Bem e Sam foram atrás dela.

– Camila, deixe que a gente cuida disso – Troy disse.
Troy e Machine também saíram, trotando pela escada escura e estreita. Até parece que eu obedeceria.
Lauren deixou a jaqueta no espaldar da cadeira. Acabaria congelando lá fora. Peguei-a e uma mão
Segurou meu pulso. Era Ally.
– Por favor, dê um tempo para eles poderem conversar – ela disse, ficando na minha frente. Esses caras estão juntos há muito tempo.
Peguei a minha bolsa e segurei a jaqueta dela  junto ao peito.

– Não.

– Mas...

Eu não tinha tempo para aquilo. O que eu precisava fazer era encontrar Lauren e ver se ela estava bem.
Apressei-me escada acima, passei pelo bar do térreo e saí pela porta. O ar noturno me esfriou,
Cortesia das partes molhadas do suéter e dos jeans. O meu coração batia duplamente acelerado.
Droga. Não havia sinal deles em nenhuma direção. O Jeep preto não estava mais do outro lado da rua. Eles podiam estar em qualquer lugar àquela altura.

– Droga.

O que fazer? Para onde ir? Talvez ela tivesse voltado para o hotel. Sim, claro. Um táxi estava passando, e eu estendi o braço. Devagar demais, ele parou na minha frente.

Escancarei a porta e entrei.

– The Benson, por favor.
Eu a encontraria.
Um dive bar, conceito surgido nos Estados Unidos no fim do século XIX, refere-se aos lugares de ambiente malconservado e clientela suspeita, onde, com a intenção de se proteger de uma possível confusão, era preciso “mergulhar” embaixo da mesa.

Camren G!POnde histórias criam vida. Descubra agora