Capítulo 28

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A mensagem de texto de Ally chegou às 22h45. Eu estava bem acordada, fitando o teto, porque me cansei de ficar olhando para as paredes. Ela não voltou para o hotel. Fazia mais de uma hora que eu a esperava. O celular vibrou e me deparei com uma mensagem de Ally.
Ally:  Dinah me deu o seu número. Os rapazes falaram com Lauren, depois ela foi embora. Não sabem para onde.
Camila:  Ok
Ally:  Sabe onde a pode estar?
Camila:  Se eu a achar, aviso.
Ally:  Obrigado.
Ela podia estar dirigindo pela cidade. Contudo, mais provavelmente, se ainda estivesse zangada, ela estaria descontando na bateria.
Peguei um táxi. O dinheiro podia estar curto, mas não ficaria mais esperando ela voltar para mim.
Felizmente, Troy e os rapazes falaram com ela, acalmaram-na. Agora era a hora de eu fazer a minha parte, qualquer que fosse ela. Fiquei sentada no banco de trás, pensando no que dizer. Resumindo, as palavras eludiram-se de mim.
Um chuvisco começou a cair assim que cheguei ao local em que costumavam ensaiar. Meu hálito evaporou no frio. Ah, Portland... nunca me desapontava. O melhor clima de todos. O jeep de Lauren estava parado no estacionamento. Graças a Deus, ela estava ali.
As batidas frenéticas da bateria atravessavam as paredes da construção, estremecendo sua fundação. Alguns insetos corajosos voavam ao redor da fraca luz sobre a porta de metal, que, por sorte, ela deixou destrancada. Entrei, preparando-me para enfrentar o barulho. No palco, Lauren estava sentada sob um foco de luz, criando uma tempestade poderosa de barulho.
Perto dela, baquetas quebradas bagunçavam o local. Lauren quebrou uma quantidade impressionante delas em pouco tempo.
Subi no palco, dando a volta nele. Ela estava sentada, a postos, atrás da bateria, com os olhos fechados, as mãos se movendo com tamanha rapidez que mais pareciam um borrão. O suor brilhava e ja cobria a parte superior do corpo. O cabelo negro estava grudado nas laterais do rosto. Uma garrafa de Johnnie Walker com um quarto de seu conteúdo faltando estava ao seu lado, no chão.
Os contornos dos seus músculos e os ângulos dos ossos da face estavam destacados sob a luz
Berrante.
Ela parecia perdida em seu mundo, totalmente desconectada. Hesitei um instante antes de me sentar de pernas cruzadas. Cobri as orelhas com as mãos, mas não fez muita diferença em relação ao ressoar ensurdecedor da bateria. Tudo bem. O som metálico dos pratos me atravessou. A batida forte do bumbo acertou meu coração. Ela tocou e tocou, passando de um ritmo a outro, sem nunca desacelerar. Nem para beber. Ela pegava a garrafa e a segurava com apenas uma mão, enquanto a outra e os pés continuavam a marcar o ritmo. Entretanto, depois da segunda golada de Whisky, ela não levou a garrafa até o chão antes de soltá-la. Ela caiu de lado, vertendo seu conteúdo. Deslizei até lá e a ajeitei, recolocando-a em seu lugar, ao lado dela. Pela primeira vez, ela pareceu notar minha presença, inclinando o queixo numa saudação, num agradecimento ou sei lá o quê. Talvez eu tivesse apenas imaginado. Em seguida, ela voltou para a música, conectando-se a ela.
Peguei meu celular, depois hesitei. Ally me irritou ao me segurar, mas aquelas pessoas também eram sua família. Mereciam saber que ela ainda estava inteira. Assim, enviei uma mensagem a Ally.
Camila:  Ela veio tocar.
Ally:  Obrigado.
Troy Ogletree chegou em menos de quinze minutos. Acenou para mim, depois apanhou uma guitarra e a ligou. Nos primeiros acordes, Lauren abriu um olho e viu Troy diante dela. Nada foi dito. O tempo passou, ao mesmo tempo lenta e rapidamente. Os dois tocaram por horas. Caí numa espécie de torpor. Precisei de um momento para perceber quando eles, por fim, pararam.
– Ei – ela disse rouco, as palavras abafadas como se estivéssemos debaixo d’água. O barulho pode ter danificado meus tímpanos.
– Oi.
Ela levou a quase vazia de Whisky para os lábios e engoliu um pouco. Seu olhar ficou cravado em mim. Com cuidado, ela rosqueou a tampa. Precisou de algumas tentativas para conseguir.
– Estou um pouquinho fodida, Camz.
– Tudo bem. Vou ajudá-la a voltar para o hotel.
Ela assentiu, cheirou as axilas.
– E estou fedendo.
– Também te ajudo a tomar banho. – Aproximei-me e me ajoelhei entre as pernas dela. – Sem Problemas.
As mãos se curvaram ao redor do meu rosto, moldando-o. Com lentidão, ela pressionou os lábios nos meus.

– Hum, sinto alguma coisa por você, Camila. O que é impressionante pra caralho no meu estado entorpecido de agora.
– É demais – concordei.
– Não sou assim sempre... Bebendo desse jeito. Quero que saiba disso. É só que... – Um músculo sofreu um espasmo em seu maxilar, e ela ficou olhando ao longe.
– Eu sei, Lauren. Tá tudo bem.
Nenhuma resposta.
– Vamos superar isso.
– Camila... – Num movimento atabalhoado, ela caiu do banquinho. Segurei os jeans dela, tentando mantê-la ereto. Não foi a minha melhor ideia. Um dos All-Star dela me acertou na lateral da cabeça, o que doeu. O outro pé bateu no suporte dos pratos, e eles caíram estrondosamente no chão.
– Droga. – Passos apressados se aproximaram.
Lauren estava deitada de costas, rindo.
Ajeitei-me sobre os calcanhares, esfregando o ponto dolorido no crânio. Que noite...
– Tudo bem com você? – Troy perguntou, agachando-se ao meu lado.
– Tudo! – gritou Lauren, ainda rindo como uma louca.
– Não estou falando com você, sua idiota. Você chutou Camila.
– O quê? – Lauren rolou de lado, agarrou o banquinho e o jogou de lado. Apressou-se para junto de mim, afastando Troy do caminho. – Camz, você tá bem?
– Foi de raspão. Nenhum dano foi feito.
– Caralho. Ah, merda, Camila. – Os braços me envolveram, abraçando-me tão apertado que quase me sufocou. – Desculpe. A gente tem que levá-la pra fazer uma tombografia. Tomografia. Porra, esse negócio aí...
– Não preciso ir para o hospital, nem fazer nenhuma tomografia. É só um galo.
– Certeza? – Troy perguntou, avaliando os meus olhos.
– Sim – respondi. – Foi um acidente, Lauren. Pode se acalmar.
– Sou a pior das namoradas.
– Com certeza eu não te namoraria – comentou Troy.
– Não enche, Troy.
– Acabou a festa. Hora de todo mundo ir pra casa. – Troy a afastou de mim e a colocou de pé.
Lauren pareceu perplexa por estar ali. Só ficou de pé, oscilando, olhando para mim com a testa franzida.

– Cê tá bem?
– Sim.
– Sinto muito mesmo, Camz. Quer chutar minha cabeça? Isso vai fazê-la se sentir melhor?
– Hum... Não, mas obrigada.
Troy passou um braço dela por cima do ombro, arrastando-a ou carregando-a pelos degraus par  descer do palco. Difícil determinar o que ele fez.

– Espere. Onde está a camisa dela? Ela vai congelar lá fora.

– É pra ela aprender.
– Cale a boca, Ogletree. Você parece uma menininha resmungona.
– É, e você está bêbada.
Corri na frente e abri a porta para os dois. Lauren tropeçou e eles quase caíram, mas Troy os fez andar para frente em vez de cair de cara no chão. Foi por pouco.
– Eu tô bem, cara – disse Lauren, afastando-se dele para vacilar precariamente por conta própria.
Segurei-lhe a mão para apoiá-la, e ela me puxou para baixo do braço dela, equilibrando-se. – Viu? Tá tudo bem.
Troy apenas assentiu, ficando por perto.
– Dei um belo trato na minha Ludwig hoje. Também quebrei um monte de baquetas. – Lauren passou o outro braço ao meu redor, segurando-me bem perto. Ela precisava mesmo de um banho. – Nogueira americana. Da Zildjian. Feitas para dar porrada, mas devo ter quebrado umas oito ou dez... Isso acontece em shows, mas ninguém fica sabendo. Você só pega o par seguinte e continua, sem perder o ritmo. É assim que a gente faz. As coisas quebram, sem problemas, o espetáculo continua.
Ela suspirou, passando seu peso para mim. Afastei as pernas, mantendo os braços apertados em sua cintura. A mulher não era leve.
– Estou perdendo o ritmo, Camila. Estou sentindo. As coisas não vão bem.
Levantei o olhar para o seu belo rosto. Meu coração se partiu por ela.
– Eu sei, mas está tudo bem. Nós cuidamos de você.
Ela só franziu o cenho ao olhar para mim.
– Eu cuido de você – eu disse.
– Certeza?
– Absoluta.
Ele assentiu devagar.
– Ok. Obrigado, Camz.

– Vamos levá-la de volta para o hotel.
Por sorte, a chuva parou de cair. Troy se aproximou de novo, ajudando Lauren a chegar até o Jeep,
Encostando-a na lateral. Um dos Escarlates reluzentes estava estacionado ali perto.
– Cara, onde você colocou a chave? – Troy perguntou, enfiando a mão nos bolsos de Lauren.
– Puxa, Troy. Eu estava guardando isso só para Camila.
– Não estou interessado no seu pau. Onde está a chave do seu carro?
– Não me entenda mal, cara. Eu te amo, mas não desse jeito.
– Achei! – Troy pescou a chave com um dedo. – Camila, consegue dirigir? Eu sigo vocês e ajudo a levá-la para o quarto.
– Boa ideia. Obrigada.
– Maravilha – Lauren murmurou. Largou a cabeça para trás e fechou os olhos. A boca, por sua vez, ela abriu muito. – EU TE AMO, CAMILA!
Dei um salto, meio que assustada com o barulho.
– Puta merda.
– EU TE AMO.
Troy apenas olhou para mim com uma sobrancelha erguida.
– Hum. Ela está muito bêbada – eu disse, e Troy deu um meio sorriso. Melhor simplesmente ignorar meu mini-infarto por Lauren ter dito aquelas coisas.
– PORRA, COMO EU TE AMO, CAMILA.
– Uhum, ok. Cale a boca agora. – Troy tentou botar a mão na boca de Lauren.

– CAMILAAAAAAAA! – Meu nome foi um barulho comprido meio uivado, por fim abafado
Quando Troy conseguiu cobrir a boca dela. Grunhidos e rosnados sufocados vieram na sequência.
– Maldição – Troy praguejou. – Essa puta acabou de me morder.
– Meu amor não pode ser silenciado.
Dei o melhor de mim para não gargalhar.
– Lauren? Estou com dor de cabeça por você ter, acidentalmente, me chutado. Importa-se de ficar calada?
– Ai, merda, puxa, ok. Desculpe, Camz. Sinto muito, muito mesmo. – Ela fitou o céu. – olhe, Camila, estrelas e tal. É lindo, não é?
Ergui o olhar, e de fato as nuvens se abriram o bastante para que um punhado de estrelas valentes brilhasse.
– É mesmo. Agora vamos voltar para o hotel.
– Hum, é, vamos. Tenho uma coisa nas calças que quero te mostrar. – Os dedos atrapalhados Começaram a se mexer no cós da calça. – Olhe, é muito importante.
Segurei os dedos dele e os apertei.
– Isso é ótimo. Pode me mostrar lá no nosso quarto, ok?
– Ok. – Lauren deu um suspiro de contentamento. O ar ao redor dela rescendia a whisky.
– Obrigada por mandar a mensagem pra Ally. – Troy abriu a porta lateral do passageiro, agarrou o braço de Lauren e seguiu empurrando-a para dentro do carro. – Se você acha que hoje foi divertido, espere até a gente sair em turnê. Acho que as coisas vão ficar bem interessantes. É a primeira vez com namoradas ou esposas.
– Do jeito que você fala... Será que é pra eu ter medo?
Lauren socava a janela do passageiro.
– Camila, as minhas calças estão me dando coceira. Acho que sou alérgica a elas. Venha me ajudar a tirá-las.
Nós dois a ignoramos.
Troy coçou a cabeça.
– Acho que vai ser uma curva de aprendizado para todos nós, sabe?
– Hum... – O futuro era um enorme ponto de interrogação. E, de maneira inédita, eu estava bem com isso.

Camren G!POnde histórias criam vida. Descubra agora