Capítulo 1

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Toni POV

Mesmo tapando os ouvidos com o máximo de força que eu conseguia, aqueles sons ecoavam em minha cabeça. Gritos, explosões, choros e mais gritos de dor e desespero. 
Não sei quanto tempo permaneci naquela posição, torcendo para que não passasse de um pesadelo, mas algo me despertou daquilo.

— Martha… Eu preciso falar com a Martha.

Falava comigo mesma em uma tentativa falha de fazer algum sentido, a preocupação era genuína. Martha era a minha irmã de alma, foi ela que me acolheu e cuidou de mim quando ninguém mais se importava. Ela e a família dela me libertaram daquele lugar doentio e me deram um amor que eu nunca havia conhecido durante os meus anos de vida, desde o momento do meu nascimento. 

Meus pais nunca estiveram ali por mim, eu passei frio, passei fome e fui humilhada de todas as maneiras que um ser humano poderia ser, por muito tempo me arrancaram a dignidade e a vontade de viver, mas não agora. 

Capturei o celular do bolso da calça jeans e liguei para Martha. Um, dois, três, quatro, cinco toques e nada. Insisti por mais algum tempo, mas sem qualquer sucesso.

Corri até meu quarto, pegando uma mochila grande e colocando algumas roupas. Guardei alguns remédios, duas garrafas de água e coloquei alguns alimentos nas sacolas.

Novamente tentei uma nova ligação para o celular da Martha e quando estava prestes a desistir, ela atendeu do outro lado da linha. 

— Martha, finalmente. Puta merda, onde você estava que não atende essa porra de celular? Eu achei que você tinha morrido. Você está bem??? Está ferida??? – Despejei aflita sem nem sequer esperar o alô do outro lado da linha. 

— Toni, eu estou bem. Estou no sítio com o meu avô. Você precisa vir para cá. – Martha falava rápido, atropelando as palavras em meio a um chiado na ligação. 

— Toni, vem pra cá. Você sabe onde fica, vem, por favor. Eu preciso de-...

A ligação foi interrompida antes que ela concluísse a frase e isso me apavorava ainda mais. 

É diferente você assistir a uma droga de apocalipse na televisão e de realmente vivenciar um, é completamente diferente e desesperador. 
Guardei o celular no bolso novamente.
Pensa, Toni, pensa. Eu precisava pensar com a razão agora mais do que nunca. 

Roupas, remédios, alimentos e água já estavam separados. Precisava de algo para me defender e um pingo de controle emocional. O controle emocional eu nunca tive, está na casa do caralho, obviamente, mas eu sempre soube me defender, pelo menos sempre achei que sabia. 

Peguei uma faca grande da cozinha e desci segurando firme com uma mão e com a outra carregando o peso das sacolas, sem olhar para trás.

O elevador parecia demorar uma vida para descer, mas eram somente cinco andares e uma angústia inquietante crescendo em meu peito. 

O som de abertura da porta do elevador entrou em meus ouvidos, mas em questão de segundos misturou-se com gemidos e grunhidos assustadores. Uma mulher, com o rosto machucado, cambaleava em minha direção. Seu olhar vazio e perdido não focava em mim, mas as mãos cobertas de sangue tentavam pousar sobre meu corpo com violência. A boca escorrendo um sangue escuro por ambos os lados. Os dentes rangiam e batiam raivosamente. Ela parecia faminta e a minha única reação foi atingir a lateral de sua cabeça com a faca, pude sentir a lâmina entrando, sendo pressionada e banhada pelo sangue. Puxei a faca de volta, vendo o corpo da mulher cair diante de mim.

O estacionamento estava cheio deles, quando consegui chegar até o carro, não olhei para trás, mas consegui ouvir as batidas ao redor do veículo em movimento. 

Terra em caos: Cemitério sem fimOnde histórias criam vida. Descubra agora