Achados e perdidos - Parte 2

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O caminho de volta ao acampamento foi silencioso e quase era possível sentir a tensão que se instalou sobre seus ombros, mal era possível ouvir seus passos contra as folhas molhadas e amareladas; logo o outono se instalaria de vez e seriam apenas alguns meses até o inverno. Sara pensou em seus amigos que ficaram para trás, em como se virariam com mais aquele inverno pela frente, em como Ava sobreviveria sozinha em meio à imensidão branca.

Algo incomodava Sara ainda mais, algo que ela não conseguia tocar e ainda assim estava lá, espreitando o fundo racional de sua mente já tão perturbada.

Eles não encontraram nenhum outro zumbi no caminho de volta, talvez estivessem presos em lamaçais, pântanos e leitos de rios, não seria difícil que uma dessas coisas retardasse seus novos predadores. Nesse ritmo, quanto tempo levaria para que a natureza os subjugasse? Em algum momento os músculos pútridos terminariam por definhar, a decomposição cobraria em fim seu preço e a terra voltaria a pertencer aos humanos que um dia a dominaram.

O clima na muralha não estava muito melhor do que os deles mesmos e, por ordem de Sabrina, nenhum deles disse nada aos guardas e foram direto ao arsenal entregar as armas. Por ordem de Rip ninguém usava armas a não ser que estivesse de guarda na muralha ou no perímetro, era mais fácil uma vez que os ânimos tendiam a ficar exaltados por pouca coisa.

Os rapazes saíram primeiro deixando Sara sozinha com a mulher mais velha e enquanto ela se ocupava em verificar suas facas, as únicas armas que Rip deixou-a manter o tempo todo como uma espécie de exceção, ela sentiu que a outra tinha algo a lhe dizer.

- Meu pai veio da Itália com minha mãe e dois filhos, fui a primeira a nascer em solo americano – a mulher falou sem olhar para Sara, quase como se estivesse falando sozinha – Meus pais morreram anos antes da praga e sou grata por isso, já meus irmãos e sobrinhos, bem, eu não tenho ideia do que aconteceu com eles. Eu tinha uma filha, ela se chamava Ella e se parecia muito com você.

Sara sentiu um arrepio percorrer sua coluna.

- O que aconteceu com ela?

- Ninguém sabia o que era a praga, mas a tv falava em desaparecimentos, mortes e uma doença que estava se espalhando. Eu não queria que ela fosse a uma festa, mas ela queria tanto e meu marido disse que não teria problema – Sabrina se virou para Sara pela primeira vez desde que entraram na sala e continuou: - Ela só tinha dezesseis anos, mas era responsável, foi e voltou no horário combinado, mas na manhã seguinte não se sentia bem e contou uma história confusa sobre uma amiga agarrar seu braço e o arranhão estar doendo muito.

- Ela foi infectada – Sara adivinhou.

- Mas não sabíamos disso e a ela tinha febre, então fui numa farmácia procurar por algo mais forte. Nessa altura os hospitais já estavam lotados e havia boatos sobre os postos de controles não admitirem pessoas doentes, eu precisava baixar a febre primeiro; me lembro de só conseguir pensar no que aquela menina devia ter embaixo das unhas. O trânsito estava um inferno, havia caminhões do exército e soldados entrando na cidade, montando barricadas e outras coisas; levei o triplo do tempo para chegar em casa e nada poderia ter me preparado para o que encontrei lá – ela fez uma nova pausa, como que para invocar a imagem de algum arquivo antes de descrevê-la – Meu marido estava caído no chão, as costas contra os armários da cozinha enquanto seus miolos faziam parte da nova decoração e nossa filha estava caída do lado, a cabeça quebrada. Algumas coisas eu nunca vou esquecer na minha vida, como minha mãe sorria ou as primeiras palavras da minha filha, mas aquilo também vai ficar comigo enquanto eu viver, como as mordidas que arrancaram pedaços do braço do Jack e o rolo de macarrão pesado, caído bem ali no chão na cozinha ao lado da arma.

Sara podia imaginar a cena com bastante clareza em sua cabeça. O homem, Jack, cozinhando o café da manhã e sendo surpreendido pela dor de ter os dentes da filha fincados na carne macia do braço, os gritos ecoando pela cozinha, o rolo de macarrão subindo e descendo como uma arma até que a garota caísse inerte no chão. O pai chorando, desesperado ao notar a filha adorada morta com a cabeça rachada ao meio, a arma sendo puxada de um armário no alto e sendo pressionada contra a têmpora...

Dias Passados (fanfic Avalance - AU)Onde histórias criam vida. Descubra agora