. venus .

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O céu à noite costuma dominar a minha imaginação. Parece difícil raciocinar, mas eu consigo ver os quadrantes calculadamente. Analisá-los conforme as distâncias das constelações, tal qual meu pai me ensinou. Lembro exatamente de como aprendi e qual roupa usava no primeiro dia em que pude manipular um telescópio. Estava ansioso e queria muito aprender a mexer no equipamento. Usava uma roupa simples, que qualquer garoto de oito anos usaria. Aquela camiseta branca e uma bermuda azul de linho, enquanto meus pés tocavam o chão.

Quando ele me disse qual rumo eu deveria seguir para encontrar um foco entre as estrelas, eu duvidei de mim mesmo, receava decepcioná-lo. Foi quando pegou na minha mão e guiou até o instante em que eu pudesse ver a ursa maior, a constelação que ele sempre dizia que o levou para casa. Eu demorei anos para entender o que casa significava, afinal eu tinha apenas oito anos e era muito jovem para compreender as metáforas das histórias, mas hoje eu entendo o que ele queria me dizer. E durante esse trajeto eu pude mudar os meus quadrantes.

— Depois de um tempo, pensava que nunca te encontraria. Na verdade, eu convenci a mim mesmo de que nunca te encontraria...

— Quando, de repente, você me viu — ela riu e logo bateu de leve no meu braço, desmanchando toda aquela possibilidade romântica que eu havia criado na cabeça. Luísa não era das mais doces o tempo todo e algumas vezes se comportava de forma um tanto bruta, se assim posso definir, mas eu ainda amava tê-la comigo. Os últimos dois anos fizeram com que crescêssemos. Não deixamos de ser quem éramos, mas modificamos o rumo dos acontecimentos para que nos tornássemos quem somos hoje.

De início eu pensava que ela também pudesse ser uma constelação, tal como meu pai me dizia. E na verdade ela é. Aquela história que ele me contava sobre encontrar o caminho de casa era sobre encontrar um rumo entre as estrelas, um guia onde o céu era o papel e as estrelas os desenhos do mapa. Não sou romântico, pelo contrário, não me permito grandes aventuras, mas muitas vezes me pego pensando sobre as constelações.

Mapeei Poliana, Luísa e também Aurora, tal qual num mapa de estrelas.

No universo me encontro indefeso, quase um astrônomo nos meus melhores dias. Após descartar todas as medidas e precisar com exatidão, consegui encaixá-las como estrelas, pois são o que são. Lindas como o infinito. Com um telescópio, puxei Luísa para perto, até que não existisse espaço nenhum entre nós.

E de repente eu a encontrei.

De repente eu vi.

Nos olhos pude encontrar aqueles bilhões de pedacinhos, até que enfim compreendesse o foco, porque foi ela quem reuniu todos eles. Quase uma astronomia em reverso, porque fui eu quem fui descoberto a partir do dia em que ela compreendeu como ler os meus olhos e foi justamente nessa troca que nós nos perdemos.

— Eu pensei que nunca iria te achar.

Na fragilidade nos erguemos, sobrevivemos e renascemos. Não como uma fênix, porque não sou adepto ao ressurgir das cinzas, mas sim do coração, das estrelas, das constelações e do universo.

Quando o espaço deixou de existir entre nós, pudemos seguir, deixando para trás as dores que compartilhávamos.

Passado.

Presente.

Futuro.

Eu estou com um tablet e ela ao meu lado, mexendo no celular. Não usa com frequência durante a noite, mas sempre gosta de conferir se algo importante está acontecendo ou, vez que outra, conversa com as amigas.

Ela está escorada numa almofada e eu também. Enquanto ela está ali, eu apenas estou com o tablet. Não estou usando-o, mas sim somente admirando o quão especial é tê-la ao meu lado.

— O que deu em você? — perguntou ela, tentando me interpelar e rompendo todos os meus pensamentos e aquele meu olhar fixo, preso aos movimentos que ela fazia.

— Nada, estava apenas lembrando de coisas do passado.

— Quer conversar? — Perguntou, apagando rapidamente a tela do celular e mirando nos meus olhos, daquele jeito penetrante que quase conseguia ler o que eu podia estar imaginando. Apenas sorri e agradeci, beijando a testa, enquanto ela voltou ao celular. — Você está esquisito hoje — confessou, não olhando mais para mim e sim para o que quer que estivesse lendo ali.

Esquisito.

Talvez eu fosse, afinal já fui taxado assim algumas vezes; ou de ser sem coração.

E tornei a observar o comportamento dela, olhando vez que outra para a barriga que já estava bastante grande e que em breve resultará em nossa filha, Aurora.

Sem qualquer recuar, permaneci assim por mais algum tempo, até que ela dormiu sem se despedir, tal qual vinha fazendo recentemente. O cansaço da maternidade, do trabalho, das conquistas. Eram todos reunidos naquele pintar incessante, no vai e vem das cerdas dos pincéis e das cores.

Hoje eu conseguia entender o que significava observar as estrelas para encontrar o caminho de casa, tal qual meu pai sempre me dizia quando eu ainda era um garotinho que precisaria descobrir o mundo por conta própria.

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