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A brisa do fim de tarde é bastante agradável, mesmo que nem sempre aprecie tanto sentar ao jardim. Algumas poucas flores fazem parte da decoração externa e a presença delas só se deu após muita insistência de Poliana. Por vezes ela encontrou a garota insistindo para que Otto chamasse Antônio para ajudar no plantio, porque ele sabe, mais que ninguém, como cuidar bem das roseiras e dos girassóis que a sobrinha tanto ama. E foi assim que um pequeno jardim se formou.

O vento faz com que ela sinta o corpo arrepiado por inteiro e, por mais intenso que esteja soprando, não é o suficiente para empurrá-la para longe dali. Ela quer tentar se conectar com qualquer imagem capaz de trazer certa inspiração, mas novamente parece absurdo querer forçar o próprio corpo a se tornar parte de um experimento provocado pela sensação trazida pelo frio, porque insiste em continuar sentada observando o nada e sem qualquer vislumbre de criação.

— Antes tivesse trazido um livro e não essa tralha toda — concluiu aborrecida, jogando o lápis de ponta mais fina sobre o bloco de folhas A4, que está junto de outros três tipos de lápis de desenho técnico, as duas borrachas, uma para detalhes e a outra para o geral e os esfuminhos, para dar certo destaque ao que imaginou ser capaz de criar.

O tempo é precioso.

Mesmo com a beleza do fim de tarde e de um céu mesclado entre laranja, rosa, azul e branco, ela não pode criar. Durante todo o dia anterior, acreditou que conseguiria dormir sem interrupções, mas não conseguiu. Ela sabe o que sente e por isso não pode dormir. Sabe que o tempo anda a passos largos e, mesmo sabendo, ela insiste sem dizer os motivos, porque não quer retomar um passado que nunca existiu.

Acredita que isso seja retroceder.

E essa é uma das razões para o coração bater de forma descompassada. Como se estivesse em plena cinegética. Sente-se como a própria guia, mas aquela que indica qual rumo seguir em meio uma mistura considerada ridícula. Seria perfeito afirmar que a caça existiu, mas ela nunca esteve ali, na posição de comando. Apenas ela própria se viu, caçando a si mesma, perdendo o sono e a razão, enquanto a própria mente perturbada tenta encontrar um caminho factível de esperança.

Com um meio sorriso, voltou a encarar os girassóis e se lembrou de Van Gogh, aquele que sempre foi incessante ao tentar trazer as pacatas flores vívidas, em meio aos artistas da época, que insistiam em representar a natureza morta. Enquanto vivo, Vincent não vendeu nenhuma das obras. Depois de morto, a representação dos girassóis, que ganharam combinações de cores em experimento, alcançaram fama e se tornaram populares em todo o mundo. Se fosse honesta o suficiente consigo, diria que aquele riso torto é uma represália ao que está se forçando a fazer, porque nenhum artista é perfeito na criação das obras primas.

E o tempo é precioso, voltou a lembrar.

A instantes de quebrar um dos lápis com as mãos, viu a imagem de um grupo de pássaros coloridos que nunca havia visto. Eram cerca de cinco. Agrupados, foram até o gramado e ali ficaram. Estariam conversando? Nunca viu nada parecido. Nenhum pássaro tão colorido havia chego perto dela. Foi então que colocou toda a atenção ali e observou atentamente como eles se movem sobre a grama.

— Pare de mentir, Luísa — e quebrou o lápis.

Vendo os bichos desconhecidos voando para longe, tentou concentrar-se mais uma vez nas flores, mas acabou com tudo. Está a poucos segundos de se quebrar, mas é orgulhosa o suficiente para não deixar que nenhuma lágrima escorra. Sorrindo novamente, tentou esconder naquele início de escuridão as mágoas guardadas no coração. Com os olhos marejados, perguntou a si mesma quando foi que a vida passou a ser uma série de contagens regressivas? E por quê? Para quê? Por que precisa contar tantas vezes?

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